quarta-feira, 17 de março de 2010

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Aluna: Emmy Pereira Otani

A aplicação do art. 33, §4º nas jurisprudências.


Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2008.072281-8, da Capital / Estreito

Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva


APELAÇÃO CRIMINAL ¿ TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (LEI N. 11.343/2006, ARTS. 33, CAPUT E 35, CAPUT) ¿ TRÁFICO ¿ APELO DE LEANDRO CARLOS LEONOR ¿ PRETENSA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DO ART. 33, §4º, DA LEI N. 11.343/2006 ¿ CAUSA DE DIMINUIÇÃO JÁ APLICADA NA ORIGEM ¿ AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL (CPP, ART. 577, PAR. ÚN) ¿ NÃO CONHECIMENTO DO PONTO ¿ MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS ¿ DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS NA FASE INQUISITORIAL E JUDICIAL CONDIZENTES COM A REALIDADE DOS AUTOS ¿ ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ¿ AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO ¿ ABSOLVIÇÃO DECRETADA.


I ¿ Conforme se depreende do parágrafo único do art. 577 do Código de Processo Penal, não se admitirá recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão singular, devendo-se alçar às instâncias superiores somente insurgências que possam acarretar, com o seu provimento, algum benefício ao apelante.


Assim, em tendo sido aplicada na origem a causa de diminuição do §4ª do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, reputa-se flagrante a ausência de interesse recursal nesse aspecto, nos exatos termos do referido comando processual.


II ¿ Não há falar-se em insuficiência de provas quando presentes nos autos elementos aptos a demonstrar, de forma inequívoca, a materialidade e autoria do delito de tráfico ilícito de entorpecentes, tais como o depoimento dos policiais militares que procederam à abordagem dos agentes após investigação iniciada pela suspeita de que exerciam a mercancia ilegal.


III ¿ É cediço que as declarações dos agentes estatais, a princípio, são isentas de suspeita e só não possuem valor quando estes agem de má-fé, o que não é o caso. Desta forma, inexistindo circunstâncias que afastem a eficácia probatória do depoimento dos policiais e considerando que suas declarações foram ratificadas em juízo, mister é o reconhecimento de sua força probante.


IV ¿ Para que se vislumbre a configuração da conduta delitiva prevista no art. 35, IV ¿ Para que se vislumbre a configuração da conduta delitiva prevista no art. 35, caput, da nova Lei de Drogas (associação para o tráfico), imprescindível a verificação do elemento subjetivo do tipo, qual seja o animus associativo, consubstanciado na convergência de vontade dos agentes em unirem-se de modo estável e permanente, com a finalidade específica voltada para a prática do tráfico ilícito de entorpecentes. Neste sentido, em não se vislumbrando nos autos elementos de provas aptos a demonstrarem a intenção dos acusados de unirem-se e pré-articularem a comercialização de drogas, a absolvição é medida que se impõe.


DOSIMETRIA ¿ CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI N. 11.343/2006 ¿ CORRÉUS COM CIRCUNSTÂNCIAS DISTINTAS ¿ DEMONSTRAÇÃO DA DEDICAÇÃO DE LEANDRO A ATIVIDADES CRIMINOSAS ¿ PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO SOMENTE POR JEFFERSON ¿ QUANTIDADE E NATUREZA DE DROGAS QUE OBSTAM A FIXAÇÃO DA BENESSE EM GRAU MÁXIMO.


A causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, caput, §4º da Lei n. 11.343/2006 precede do cumprimento cumulativo de quatro requisitos, a saber, a primariedade, inexistência de antecedentes, não dedicação a atividades criminosas e não integração a organização criminosa. Não satisfeitos estes pressupostos por um dos corréus, mormente quando desponta dos autos que este praticava com habitualidade o comércio ilícito de entorpecentes, não se justifica a minoração pleiteada.


No que tange ao outro acusado, embora preenchidos os requisitos imprescindíveis ao reconhecimento do direito subjetivo ao gozo do benefício aludido, o patamar da redução deve ser balizado pelas circunstâncias do delito, a fim de que tal benesse se mostre suficiente à repressão do crime em análise.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2008.072281-8, da comarca da Capital / Estreito(Vara Criminal), em que é apte/apdo A Justiça, Por Seu Promotor e apte/apdo Leandro Leonor e Jefferson Francisco:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer em parte do recurso de Leandro Carlos Leonor e, nesta extensão, dar-lhe parcial provimento para absolvê-lo da prática do crime de associação para o tráfico, estendendo-se os efeitos da decisão à Jefferson Francisco, ex vi do art. 580 do CPP, e conhecer e dar provimento ao reclamo deduzido pelo Ministério Público, para condenar Jefferson Francisco pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e excluir-se a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º da Lei de Drogas no que tange à Leandro Carlos Leonor, restando a pena deste em 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, além do pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, individualizados no mínimo legal, e de Jefferson Francisco em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, e pagamento de 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa, cada qual no patamar mínimo estabelecido em lei, ambos pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Custas legais.

RELATÓRIO

Na comarca da Capital/Fórum Distrital do Estrito, o Ministério Público, por seu promotor de justiça, ofereceu denúncia em face de Jefferson Francisco e Leandro Carlos Leonor, vulgo "Demanda", dando-os como incursos nos delitos previstos nos arts. 33, caput e 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006, na forma do art. 69, do Código Penal, em virtude dos fatos assim narrados na exordial acusatória:
No dia 25 de junho de 2008, por volta das 18h, na Avenida PC3, Bairro Jardim Atlântico, nesta Comarca, os denunciados JEFFERSON FRANCISCO e LEANDRO CARLOS LEONOR, associados entre si e em perfeita união de vontades, realizavam a venda de substância entorpecente a terceiras pessoas, sendo que, abordados por policiais militares que acompanhavam em campana o comércio ilícito realizado, constatou-se que ainda traziam consigo, na posse do segundo denunciado, 7 (sete) "pedras" da substância conhecida como Crack bem como guardavam, na residência do primeiro denunciado, outras 40 (quarenta) "pedras" do mesmo produto, além de uma porção de erva desidratada e prensada semelhante a maconha, conforme registra o Termo de Exibição e Apreensão de fls. 61 do APF. Todo o produto apreendido era destinado ao comércio ilícito.


As substâncias apreendidas foram submetidas ao exame de constatação, verificando tratarem-se, efetivamente, de 4,6 (quatro gramas e seis decigramas) da substância química conhecida como Cocaína e 2,9 (dois gramas e nove decigramas) da erva conhecida como Cannabis sativa Lineu, vulgarmente conhecida como Maconha, substância as quais têm seu comércio e uso proscrito em todo o Território Nacional, nos termos da Portaria n. 344/98, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, atualizada pela RDC n. 63/07.


Os denunciados JEFFERSON FRANCISCO e LEANDRO CARLOS LEONOR estavam associados entre si, de modo permanente ou não, para o comércio de drogas ilícitas, contribuindo cada um ativamente para a conduta delitiva, porquanto Leandro trazia consigo 7 (sete) pedras de Crack às quais estava expondo à venda enquanto Jefferson guardava, no interior de sua residência, o restante das substâncias entorpcentes.


Ainda, os denunciados se revezavam no trabalho de buscarem a droga no interior da residência e providenciar a venda, conforme esclareceram os policiais militares que estavam de campana observando a movimentação. Confirmada a suspeita de comércio ilícito de entorpecentes, os policiais aguardaram o momento oportuno e abordaram os denunciados, logrando êxito em encontrar, além das substâncias entorpecentes, o dinheiro proveniente do comércio realizado, razão pela qual foi dado voz de prisão em flagrante e conduzindo Jéfferson e Leandro à Central de Plantão de Policial. (fls. 02/03)


O flagrante foi devidamente homologado em 26-6-2008 (fl. 33), após o que os réus foram notificados (fl. 102) e apresentaram suas defesas prévias, por meio de advogadas nomeadas (fls. 109/121).


Recebida a denúncia em 22-7-2008 (fl. 125), sobreveio audiência de instrução e julgamento na qual foram interrogados os acusado, inquiriram-se 2 (duas) testemunhas arroladas pela acusação e 2 (duas) de interesse da defesa.


No mesmo ato solene, o magistrado Artur Jenichen Filho prolatou sentença, acolhendo parcialmente a denúncia para condenar Leandro Carlos Leonor à pena de 4 (quatro) anos e oito meses de reclusão, inicialmente em regime fechado, além do pagamento de 866 (oitocentos e sessenta e seis) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput c/c §4ºe 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006, em concurso material e, ainda, condenar Jefferson Francisco à pena de 3 (três) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, bem como ao pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, individualizados em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo, por infração ao art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, absolvendo-lhe da imputação quanto à prática do crime insculpido no art. 33, caput, da referida norma legal (fls. 155/172).


Irresignado, o representante do Parquet interpôs recurso de apelação, requerendo a condenação de Jefferson Francisco pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes, com a aplicação do benefício insculpido no art. 33, §4º, da Lei de Drogas, e exclusão da aludida causa de diminuição aplicada na origem para Leandro Carlos Leonor (fls. 179/189).


Do mesmo modo, Leandro Carlos Leonor apresentou recurso de apelação, sustentando sua absolvição por insuficiências de provas e, alternativamente, requereu a aplicação da benesse do art. 33, §4º da Lei n. 11.343/2006.


Após as contrarrazões (fls. 199/200 e 213/2187 e 221/223), subiram os autos a esta superior instância.


A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Odil José Cota, manifestou-se pelo conhecimento dos reclamos e provimento daquele deduzido pelo Ministério Público(fls. 230/238).

VOTO


Tratam-se de recursos de apelação interpostos pelo Ministério Púbico de Santa Catarina e Leandro Carlos Leonor contra sentença que acolheu parcialmente a denúncia para condenar este último à pena de 4 (quatro) anos e oito meses de reclusão, inicialmente em regime fechado, além do pagamento de 866 (oitocentos e sessenta e seis) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput c/c §4ºe 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006, em concurso material e, ainda, condenar Jefferson Francisco à pena de 3 (três) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, bem como pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, individualizados em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo, por infração ao art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, absolvendo-lhe da imputação quanto à prática do crime insculpido no art. 33, caput, da referida norma legal (fls. 155/172).


O representante do Parquet pleiteia a condenação de Jefferson Francisco pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes, com a aplicação do benefício insculpido no art. 33, §4º, da Lei de Drogas, e a exclusão da aludida causa de diminuição aplicada na origem para Leandro Carlos Leonor.


Leandro Carlos Leonor, por sua vez, sustenta sua absolvição por insuficiências de provas e, alternativamente, requer a aplicação da benesse do art. 33, §4º da Lei n. 11.343/2006.


1 Do não conhecimento de parte do recurso de Leandro Carlos Leonor


No ponto, revela-se nos autos a manifesta ausência de interesse recursal no tocante ao pleito de aplicação da causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, haja vista que a matéria objeto da insurgência restou devidamente apreciada pelo togado sentenciante, sendo a benesse concedida, nestes termos:


Não obstante a manifestação Ministerial, entendo de reconhecer o disposto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Drogas, eis que tecnicamente primário, os antecedentes considerados bons e a dedicação a atividade criminosa, afora as informações do policial Luiz Manoel, que asseguram a suposição dessa dedicação, pois que se preso tivesse por tráfico de drogas no mínimo teria-se nos autos o registro dessa ocorrência, enquanto que o que consta às folhas 20 não é compatível até porque atinente ao Juizado Especial Criminal, não menção de que integre alguma organização criminosa e o tempo de comércio dito pelo próprio acusado não é suficiente a que seja impeditivo de reconhecimento, as duas semanas de tráfico ditas pelo próprio acusado e assim diminuo a pena em 2/3 [...]. (fl. 161)


Cumpre consignar, ainda, que o art. 577, parágrafo único, do Código de Processo Penal, determina que não se admitirá "recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão".


Acerca do dispositivo, esclarece o doutrinador Guilherme de Souza Nucci:


[...] Interesse recursal: trata-se de um dos pressupostos subjetivos (ver nota 26 ao art. 578, § 3º, CPP) para a admissibilidade dos recursos. É natural que a parte somente poderá provocar o reexame da matéria já decidida por determinado órgão, remetendo o feito à instância superior, quando eventual modificação da decisão lhe trouxer algum tipo de benefício. Recorrer por recorrer é algo inútil, constitutivo de obstáculo à economia processual, além do que o Judiciário é voltado à solução de conflitos e não simplesmente a proferir consultas ou esclarecer questões puramente acadêmicas. (Código de Processo Penal comentado. 6.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 891).


No mesmo sentido, colhem-se as lições de Júlio Fabbrini Mirabete, que assim aduz:


[...] Pressuposto lógico do recurso é a existência de uma decisão. Mas o exercício do direito de recorrer está subordinado à existência de um interesse direto na reforma ou modificação do despacho ou sentença. Tem interesse apenas aquele que teve seu direito lesado pela decisão. É desse interesse que nasce a sucumbência, que 'se traduz em lesividade de interesse, gravame, prejuízo, vale dizer: a sucumbência nada mais é senão aquela desconformidade entre o que foi pedido e o que foi concedido'.


[...]


Não pode ser conhecido o recurso, também, quando o recorrente, nas razões, se manifesta de acordo com a decisão recorrida. É hipótese em que a própria parte demonstra, nas razões, sua conformidade com a decisão" (Processo penal. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 610-611).


Acerca do exercício do direito de recorrer, extrai-se precedente deste egrégio Tribunal de Justiça, em um de seus julgados:


APELAÇÃO CRIMINAL ¿? CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA ¿? TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES ¿? ART. 12, CAPUT, DA LEI N. 6.368/76 ¿? APELANTE QUE, EM SUAS RAZÕES RECURSAIS, MANIFESTA A CONFORMIDADE COM O TEOR DO DECRETO CONDENATÓRIO ¿? AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL ¿? NÃO CONHECIMENTO.


"Se o recorrente, em suas razões, conclui pela manutenção da sentença, bem é de ver-se que se conformou com o decidido e, dessa forma, a decisão tornou-se preclusa para ele. Por isso, não se conhece de seu recurso" (RT 463/333). (Ap. Crim. n. 2008.035742-2, de Turvo, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em 28-8-2008).


No mesmo diapasão:


[...] PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL HAJA VISTA A APLICAÇÃO DA REGRA DITADA PELO ARTIGO 44 DO ESTATUTO REPRESSIVO NA SENTENÇA OBJURGADA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDO. (Ap. Crim. n. 2008.012400-5, de Chapecó, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em 8-7-2008).


Assim, face à flagrante ausência de interesse recursal neste aspecto, não se conhece do recurso, no ponto.


2 Do mérito


2.1 Do tráfico ilícito de entorpecentes (Lei n. 11.343/2006, art. 33, 'caput')


A materialidade do crime de tráfico ilícito de entorpecentes é atestada pelo termo de exibição e apreensão (fl. 20 e 21), pelo laudo de constatação (fl. 23), pelo boletim de ocorrência (fls. 18/19), e pelo laudo pericial (fl. 150/153), este ultimo atestando tratarem-se as substâncias apreendidas de cocaína, na sua forma básica, vulgarmente conhecida como crack, e maconha, ambas capazes de causar dependência física e/ou psicológica e de uso prescrito em todo território nacional, conforme Portaria n. 334, de 12-5-1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, atualizada pela RDC n. 19 de 24-3-2008.


No tocante à autoria, ambos os réus confessaram a prática na delegacia, no entanto, Jefferson Francisco retratou-se em juízo, ao passo que os policias mantiveram declarações firmes e uníssonas em ambas as fases, a ponto de se reputarem conclusivos os elementos dos autos para o convencimento da prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes tanto por Jefferson Francisco quanto por Leandro Carlos Leonor.


Compendiando tais informações, convém ressaltar as declarações dos codenunciados na fase inquisitorial, a começar por Jefferson Francisco:


Que, novamente cientificado dos fatos em seu desfavor, alegou o interrogado que são procedentes; que, indagado especificamente sobre seu envolvimento no comércio ilícito de drogas, admitiuy o interrogado que desde o mês de abril do corrente vem comercializando a droga "crack" nas imediações da residência de sua família, sita no bairro Jardim Atlântico, às margens da via pública popularmente conhecida como "PC3" ; que, admite também que há aproximadamente quarenta e cinco dias teve furtada de sua residência a soma de setecentos reais; que, admite que tal quantia não lhe pertencia e havia sido obtida com o comércio ilícito de "crack"; que, admite também que para pagar o proprietário do tóxico, continuou no tráfico, sendo que seu conhecido "Demanda" há quinze dias vem colaborando na prática ilícita; [...] que admite que vendia as pedras de "crack" a cinco reais a unidade, obtendo por dia aproximadamente a soma de cem reais; que, alega que tal movimentação lhe renderia em média a soma de quinze reais [...]. (fls. 44)


E colhe-se das palavras de Leandro Carlos Leonor:


Que, novamente cientificado dos fatos em seu desfavor, alegou o interrogando que há aproximadamente quinze dias, aproximou-se do primiero indiciado, que conhece desde a infância para a prática do ilícito ora investigado; que, alega todavia que não se associou ao primeiro indiciado para a mercancia ilícita, sendo que somente aproveitou-se "do ponto"; que, admite que os cinquenta e sete reais que levava consigo eram fruto direto da venda de "crack"; [...] que, indagado sobre a origem da substância tóxica que comercializava, admitiu que já há quinze ou vinte dias. Vem apanhando "crack" com adolescente que contata nas imediações do mercado público municipal no centro desta cidade; que, admite que comercializava cada "pedra" de "crack" pela soma de cinco reais; que, nega ser usuário de qualquer tipo de substância ilícita [...]. (fl. 46)


Em juízo, a versão conferida por Jefferson Francisco foi outra, nestes termos:


que não comercializa drogas, mas usa e estava na posse de 05 (cinco) pedras de "crack" na rua e que havia comprado de um guri que conheceu no colégio a pouco tempo e já havia comprado desse guri pelo menos umas 20 (vinte) vezes; que não pode falar o nome desse guri; que o acusado Leandro estava na video locadora jogando video-game no momento em que foi preso; que o interrogando quer sair dessa vida de usuários de drogas; que trabalha colocando película e fazendo pinturas em automóveis; que não sabe se o acusado Leandro vende drogas; que no momento em que foi preso estava perto de sua casa, sendo que no quarto do interrogando haviam algumas pedras de "crack" e um pedacinho de "maconha"; que no dia dos fatos, da prisão especificamente, os policiais fizeram o interrogando usar drogas na frente de seus familiares, no caso "pedra"; [...] que no quarto tinha somente 05 (cinco) pedras de "crack" e no momento em que foi preso não tinha consigo dinheiro em espécie; que da casa do interrogando não foi levado nenhum aparelho eletrônico; que os R$ 57,00 (cinquenta e sete reais), pelo que sabe estava com o acusado Leandro; que não sabe de quem eram e de onde vieram 02 (dois) aparelhos celulares; que disseram que tinha uma câmera fotográfica mais não era do interrogando; que a munição apreendida na casa do interrogando iria trocar por "pedra"; que quando indagado a respeito da versão apresentada na delegacia, admite que falou para os policiais que comercializava drogas, mas o disse porque estava muito nervoso e tinha consumido drogas momentos antes; que reconhece a foto de folhas 66 como sendo um local no bairro onde mora, na PC3 e disse não se reconhecer nesta foto e também não está na foto de folhas 67 e na foto de folhas 68 aparece no centro da foto e ali se reconhece com calças clara e camisa escura; que na fotografia de folhas 70 reconhece como sendo Leandro o individuo no centro onde se encontra ladeado de outras duas pessoas; que o local mostrado na fotografia nas diversas folhas disse "é o local onde eu pegava pedra"; que este local ali nas fotografias fica há mais ou menos uns 40 (quarenta) metros da casa do interrogando e entre estes mencionados locais tem umas 06 (seis) casas. (fl. 164)


Registre-se que esta nova versão, à luz do art. 197 do CPP ("o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre elas e estas existe compatibilidade ou concordância"), deve ser apreciada com cautela juntamente com os demais elementos dos autos, uma vez que a retratação, integral ou parcial, ainda que judicial, caso apresente-se isolada das demais provas, não terá a eficácia de se sobrepor à confissão extrajudicial, consoante preconiza Fernando Tourinho Filho:


Dependendo do conjunto das provas, a retratação poderá ou não infirmar a força probatória da confissão. Assim, se a confissão encontra eco nas demais provas, a retratação, por si só, isoladamente, será irrelevante, não podendo o Juiz dedicar-lhe qualquer consideração (Processo penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 1997, v. III, p. 288/289)


A propósito, colhe-se deste Tribunal de Justiça:


PENAL E PROCESSUAL ¿? ESTELIONATO CONTINUADO ¿? PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA ¿? LAPSO TEMPORAL NÃO VERIFICADO ¿? UTILIZAÇÃO DE CHEQUES E CARTÕES DE CRÉDITO FURTADOS PARA COMPRAR MERCADORIAS ¿? RETRATAÇÃO EM JUÍZO ¿? CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL CORROBORADA POR PROVAS TRAZIDAS AOS AUTOS ¿? AUTORIA INCONTESTE ¿? EXAME GRAFOTÉCNICO ¿? CONDENAÇÃO MANTIDA ¿? RECURSO DESPROVIDO


Quem preenche e utiliza cheques furtados na adquirição de mercadorias, induzindo o vendedor em erro, incorre em estelionato.


A retratação em juízo dissociada do conjunto probatório não merece credibilidade, prevalecendo confissão extrajudicial rica em detalhes. (Ap. Crim. 2006.014735-1, da Capital, rel. Des. Amaral e Silva, j. em 18-7-2006)


Diante disso, mesmo que o réu Jefferson Francisco tenha se retratado judicialmente, não há motivos para desconstituir a confissão efetivada na fase extrajudicial, a qual se encontra pormenorizada e condizente com as declarações testemunhais prestadas ao decorrer da fase judicial, conforme se verá a seguir, e com os demais elementos que compõem os autos.


Ademais, conforme assente entendimento desta corte de justiça, a confissão extrajudicial, repleta de detalhes, tem forte valor probante, haja vista que "a jurisprudência dá maior credibilidade a confissão no inquérito que a retratação em juízo, desde que a primeira esteja corroborada por indícios e circunstâncias convincentes e a segunda totalmente divorciada do conjunto probatório" (Ap. Crim. n. 2007.024935-9, da Capital, rel. Des. Amaral e Silva, j. em 7-8-2007).


Leandro Carlos Leonor, por seu turno, mantivera a narrativa apresentada anteriormente:


que não está associado com o acusado Jeferson e com o propósito de comercializarem drogas; que conhece o acusado Jeferson há mais de um ano, sendo que embora more em bairros distintos, porém próximos; que no dia dos fatos estava ali na PC.3 e desde as 15:30 horas mais ou menos e ficava ali na rua conversando com conhecidos e amigos, sendo que quando a polícia chegou estava numa vídeo locadora; que no momento em que foi preso tinha consigo a importância em dinheiro de R$ 57,00 (cinqüenta e sete reais); que neste momento não estava com qualquer pedra de "crack" consigo; que o acusado logo após ter sido preso foi até a casa do acusado Jeferson e o próprio lhe contou que a polícia havia apreendido drogas na casa dele e inclusive falou que pegaram pedra e um pouquinho de "fumo", "maconha"; que a atividade laboral do interrogando, é guardar carros, quando tem jogo no estádio Orlando Scarpelli e cada vez que tem jogo fatura mais ou menos de R$ 60,00 (sessenta reais) a R$ 70,00 (setenta reais); que não gosta e não usa drogas, mas gosta de "Natu", ou seja whisky quando vai na balada; [...] que no dia dos fatos estava no local próximo a locadora e a uma quadra de distância da casa do acuasdo Jeferson e estava vendendo drogas; que estava vendendo "crack"; que já tinha vendido umas 05 (cinco) pedras de "crack" nesse dia, sendo que cada pedra vendia a R$ 10,00 (dez reias); que neste dia e enquanto estava vendendo pedras, o acuasdo Jeferson passou com a guria dele e convidou o acusado Jeferson para irem jogar video-game, na locadora, mas ele não foi e neste dia dos fatos o acusado Jeferson não vendia drogas; que disse que sabia que eram 09 (nove) pedras de "crack" as que foram encontrada na casa do acusado Jeferson; que não sabe exatamente o que, mas sabe que "tinha umas coisas lá na casa do acusado Jeferson que foram pegas pela polícia"; que já fazia duas semanas que estava vendendo drogas ali; que reconhece as fotos de folhas 66/73 como sendo o local onde estava comercializando drogas e se reconhece na foto de folhas 70 como a pessoa no centro das outras duas, sendo que duas casas depois ali desta fotografia em direção a direita de quem olha é a vídeo locadora; que em uma das fotos aparece o Jeferson caminhando com a guria dele; que o próprio interrogando quando viu as fotos mencionou a fotografia na qual o acusado Jeferson está passando com a guria dele e naquela hora chamou o acusado Jeferson para jogar vídeo game e apontou a fotografia de folhas 68; que a namorada do Jeferson, não sabe o nome, mas tem cabelos longos; que ela é morena; que a pessoa da namorada do acusado Jeferson é a que está ao lado dele e aparece de moletom claro e calça escura; que na casa do acusado Jeferson foram apreendidos alguns cartuchos de arma; que depois que seu amigo foi assassinado, no caso Jaison Gregore dos Santos, assassinado pelo Augusto, conhecido por "Guto", passou a ser ameaçado pelo "Guto", porque o interrogando era amigo do Jaison e morava atrás da casa dele; que com o dinheiro do tráfico, a irmã e também estava querendo uma arma "para não morrer"; que na delegacia não disse que o acusado Jeferson estava vendendo consigo, mas eles botaram tudo junto, sendo que na delegacia também botaram como se estivesse na posse de sete pedras, porém "não estava com nada, ou seja, com 'pedra'. (fls. 166/167)


Corroborando com a confissão judicial de Leandro e a extrajudicial de Jefferson, as declarações dos policiais militares encontram-se consonantes, em ambas as fases, em apontar a prática do tráfico de entorpecentes por ambos os acusados.


Luis Manoel da Silva, perante o magistrado, declarou:


que em relação aos fatos narrados na denúncia, já tinha ouvido falar e inclusive já era conhecido do depoente o acusado Leandro, que na verdade sempre foi conhecido como "Demanda" e nesta situação indaguei ao próprio acusado Leandro a esse respeito e o mesmo confirmou que o seu apelido é "Demanda", e diretamente envolvido com a prática do tráfico de drogas e isto há mais ou menos um ano e pouco; que o acusado Jeferson só o sabia "de vista e não era muito conhecido"; que no dia dos fatos a denúncia recebida dava conta da prática do tráfico sendo realizada lá no local dos fatos onde se desenvolveu a ação policial mencionado especificamente o "Demanda"; que por esta razão permaneceu no local dos fatos fazendo uma campana de uma hora e meia e inclusive permaneceu observando a movimentação "dos dois" com um binóculo e constatou ser intenso a prática do tráfico, ou seja, a comercialização e durante este período, viu em curso de sete a oito comercializações e durante este período o acusado Jeferson, pelo que reparou ficava "observando" enquanto que o acusado "Demanda" era quem repassava a droga e recebia dinheiro; que durante a campana o mesmo posteriormente não foi detido nenhum daqueles potenciais usuários interagindo na aquisição, ao que dava para ver sendo realizada; que no momento do ataque, propriamente dito, ambos os acusados foram revistados sendo que "no bolso da calça ou do moletom do acusado 'Demanda' foram encontradas sete pedras e com certeza mais de R$ 50,00 (cinquenta reais) em espécie, sendo que na posse do acusado Jeferson nada foi encontrado; que durante a campana o acusado Jeferson foi pelo menos umas três vezes até a casa dele, que na verdade era uma peça inteiriça e o próprio depoente encontrou num guarda roupas, em cima dele, 40 (quarenta) pedras de "crack" e ainda, neste local 07 (sete) munições de calibre .12, além de 02 (dois) rolos de papel alumínio, no forro desta casa e escondidos, sendo que para alcançar o forro, subiu num móvel e passou a mão e encontrou estes rolos; que na casa estava o pai do acuasdo Jeferson, uma pessoa que deu para ver, doente sendo que em nenhum momento foi pedido ou até mesmo mandaram que o acusado Jeferson fizesse uso de drogas naqueles momentos; que nesta casa haviam eletrônicos e acredita até máquina fotográfica e porque não foram apresentadas as notas fiscais e também porque não foi informada a procedência destes objetos, os mesmo foram apreendidos; que o acusado Leandro quando indagado admitiu que estava realizando a comercialização da droga naqueles momentos, sendo que o mesmo também disse que o fazia com o propósito de adquiri uma arma; que o acusado Jeferson falou que estava devendo R$ 400,00 (quatrocentos reais), mais não disse para quem e ainda disse que e estava comercializando drogas com o "Demanda", mas não foi indagado a quanto tempo o estava fazendo; que na fotografia de folhas 68 reconhece o acusado Jeferson e ao lado uma pessoa e do sexo feminino; [...] que esta feminina estava por ali e ia muitas vezes em uma casa ali de onde avistavam os fatos, dirigir-se a uma casa que no início acharam que a droga pudesse estar nesta casa, que na seqüência constatou-se ser uma lan house; que não percebeu se esta feminina poderia ser uma espécie de "namorada" do acusado Jeferson; que não notou nenhuma espécie de "afeto" entre esta feminina e o acusado Jeferson; que as outras pessoas que estavam próximas estavam ali por estar, mas pelo que deu para entender somente o acusado Jeferson e Leandro envolvidos diretamente com o tráfico; que ali de onde permaneciam, até a casa do acusado Jeferson e a casa de n.º 10, entre uma e outra, 03 (três) casas; que somente o acusado Jeferson é que foi até a casa dele durante o período de campana; que estas vezes foram bastante rápidas e por isso é que "levantou" suspeita; que quem comercializava mesmo era o acusado "Demanda", enquanto o acusado Jeferson ficava somente na "espia"; que os objetos "eletrônicos", a exemplo da câmera fotográfica, e porque não declarada, verbalmente a procedência, como de outros objetos, e também porque é e ocorre ocasiões em que estes tipos de bens são negociados por droga, estas circunstâncias todas fizeram com que o depoente apreendesse estes e somente estes tipos de bens ali daquela casa; ; que na fotografia de folhas 69 dá para ver o "Demanda" que acabou de entregar drogas para dois viciados; que o "Demanda" aparece sozinho a direita, os dois viciados juntos e para a esquerda e atrás do poste o acusado Jeferson; que na foto de folhas 66, em primeiro plano e de costas também parece o acusado Jeferson e de calça cumprida e com moletom de capuz na cabeça e também na foto 67; que durante o período todo de campana de uma hora e meia, o acusado Jeferson permaneceu por ali na cena onde se desenrolaram os fatos e retratados nas fotografias de folhas 66/74; [...] que não se recorda do horário específico da campana, mas para o final da tarde; que somente o acusado "Demanda" já havia sido preso, comercializando droga, e na "favelinha da PC3", e inclusive não tem bem certeza na época em que menor, e o dia dos fatos, o local em que estava sendo efetuada a campana no dia dos fatos, próximo daquele outro, sendo que o acuasdo Jeferson não foi preso em outras operações que o depoente tenha participado; que estavam há uma distância de mais ou menos 100 (cem) metros de distância dos acusados e estas fotos batidas há mais ou menos 50 (cinquenta) metros é que foram batidas; que no momento em que visualizou aquelas comercializações durante a campana, do local onde se encontravam não era possível efetuar a detenção do usuário adquirente da droga, segundo o que estava sendo visto; que não era possível porque entre aquele local e o local de campana haviam obstáculos e precisavam dar uma volta e a detenção já não seria mais possível; que as pedras na posse do acusado Leandro estavam soltas. (fls. 168/169)


No mesmo sentido estão as declarações do miliciano Anderson José Leandro, in verbis:


que no dia dos fatos permaneceu durante todo o tempo e mais ou menos uma hora e meia, de campana, e durante este período viu o acusado Jeferson, que ora reconhece e que estava vestindo um moletom vermelho, reparou que volta e meia ele, que estava sempre por ali e ia até uma casa, e a casa de número 10, nela adentrava e saia rapidamente; que reparou que o acusado Jeferson ficava andando de um lado para o outro, conversando com as pessoas, enquanto que "o outro vendia e dava para perceber que vendia drogas"; que numa das ocasiões em que o acusado Jeferson foi até a casa de número 10, o foi tão logo uma moça dele se aproximou carregando uma sacola e viu quando o acusado Jeferson olhou o que havia na sacola e pegando esta sacola daquela moça foi diretamente até a casa de número 10 e de lá saiu sem esta sacola e mais tarde quando entraram e o próprio depoente entrou nesta casa viu aquela mesma sacola vista e constatou que dentro da sacola havia um aparelho de D.V.D, um dos objetos apreendidos como outros igualmente apreendidos na casa, além de droga e 07 (sete) munições calibre .12; [...] que durante a campana viu uma outra moça se aproximar do acusado Jeferson, que não aquela anteriormente referida e com a sacola, e viu que os dois foram até uma outras casa ali perto e isso porque sumiram da rua e demorou bastante tempo e inclusive "acharam que rolou alguma coisa" e depois viu a menina ir embora e o acusado Jeferson voltou a ficar por ali; [...] que os fatos ocorreram na parte final da tarde; que não viu o acusado Jeferson vendendo drogas. (fl. 170)


Nessa seara, verifica-se que as palavras dos policiais, tanto na delegacia quanto em juízo, são coerentes e respaldam a confissão de Leandro Carlos Leonor.


Especificamente quanto a Jefferson, tais declarações dão conta acerca da admissão do réu, no momento de sua prisão, de que estaria traficando para poder quitar uma dívida, fato este confirmado pelo próprio nas informações fornecidas na delegacia de polícia, de sorte a se poder conferir a tais argumentos relevância maior do que a retratação operada em juízo, porquanto uma vez corroborada com os demais elementos dos autos, é capaz de formar inconteste convencimento da participação do acusado no exercício da traficância.Especificamente quanto a Jefferson, tais declarações dão conta acerca da admissão do réu, no momento de sua prisão, de que estaria traficando para poder quitar uma dívida, fato este confirmado pelo próprio nas informações fornecidas na delegacia de polícia, de sorte a se poder conferir a tais argumentos relevância maior do que a retratação operada em juízo, porquanto uma vez corroborada com os demais elementos dos autos, é capaz de formar inconteste convencimento da participação do acusado no exercício da traficância.


Isso porque, como é cediço, para que se considere o exercício da traficância, não é imprescindível que seja apreendido com o acusado uma diversidade ou expressiva quantidade de drogas, nem tampouco que ele seja flagrado em conduta de efetiva mercancia e auferimento de lucros, uma vez que a lei tipifica várias espécies de condutas, não apenas o comércio, mas também "ter em depósito", "trazer consigo", "guardar", dentre outros, elementos estes próprios que evidenciam a destinação comercial da droga. Desse modo, pelos harmônicos depoimentos dos policiais, dando conta de que visualizaram o apelante em situação típica de comercialização de "crack" com usuário na residência daquele, permite-se concluir, seguramente, o tráfico ilícito de entorpecentes.


Assim, se as declarações dos policiais atestam que, na data da campana, o acusado serviu como "auxiliar", buscando drogas em sua casa, na qual, destaque-se, foram encontradas substâncias entorpecentes e armas, o simples fato de não ter sido flagrado em efetiva venda não descaracteriza a conduta criminosa.


Nesse sentido, colhe-se precedente do Superior Tribunal de Justiça:


RECURSO ESPECIAL. PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONFIGURAÇÃO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA EFETIVA TRADIÇÃO DO ENTORPECENTE.


O aperfeiçoamento do crime de tráfico de entorpecentes não exige a efetiva tradição da droga, sendo igualmente inexigível a comprovação da mercancia. In casu, resta devidamente demonstrada a participação do acusado na trama delituosa, o que torna imperiosa a sua condenação. Recurso conhecido, mas desprovido. (REsp n. 623.589/SC, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. em 7-4-2005)


E deste Tribunal de Justiça:


O comércio ilícito de drogas é comprovado pelas circunstâncias da prisão, pela razoável quantidade, pela forma e embalagem do material tóxico apreendido, pela conduta do acusado e pelas informações das testemunhas da prisão. Tais indícios levam à conclusão inequívoca da mercancia, admitindo a condenação na ação penal. (Ap. Crim. n. 2007.0422217-3, de Herval do Oeste, rel. Des. Solon d'Éça Neves, j. em 22-11-2007).


E ainda:


[...] CRIME DE TRÁFICO QUE SE CONSUMA COM A PRÁTICA DE QUALQUER DAS 18 CONDUTAS PREVISTAS NO TIPO PENAL. PRESCINDIBILIDADE DE ATO EFETIVO DE COMÉRCIO [...]. (Ap. Crim. n. 2007.008133-1, de Itajaí, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. em 7-12-2007).


Ademais, é cediço que as declarações dos agentes estatais, a princípio, são isentas de suspeita e só não possuem valor quando estes agem de má-fé, o que não é o caso. Desta forma, inexistindo circunstâncias que afastem a eficácia probatória do depoimento dos policiais e considerando que suas declarações foram ratificadas em juízo, mister é o reconhecimento de sua força probante.


Neste sentido, colhe-se do Supremo Tribunal Federal:


PROCESSUAL PENAL. PENAL. TESTEMUNHA POLICIAL. PROVA: EXAME. I. - O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que não há irregularidade no fato de o policial que participou das diligências ser ouvido como testemunha. Ademais, o só fato de a testemunha ser policial não revela suspeição ou impedimento. II. - Não é admissível, no processo de habeas corpus, o exame aprofundado da prova. III. - H.C. Indeferido. (HC 76557/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 4-8-1998)


No mesmo norte, encontram-se decisões deste Tribunal de Justiça:


DEPOIMENTO DE POLICIAIS COERENTES E EM HARMONIA COM OS OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE FORMAM O CONJUNTO PROBATÓRIO. VALOR INQUESTIONÁVEL. ALICERCE SEGURO PARA A CONDENAÇÃO.


O status funcional da testemunha por si só não suprime o valor probatório de seu depoimento, que goza de presunção juris tantum de veracidade, especialmente quando prestado em juízo, ao abrigo da garantia do contraditório. Por isso, as declarações de policial só não terão valor se não se coadunarem com os demais elementos de persuasão que formam o caderno processual, nem com eles se harmonizarem. [...] (Ap. Crim. n. 2006.018271-9, de Joinville, rel. Des. Sérgio Torres Paladino, j. em 14-8-2007).


E também:


[...] Ausente qualquer circunstância a indicar imparcialidade ou má-fé, é inviável desconsiderar a eficácia probatória do depoimento de policiais, que na qualidade de agentes estatais, incumbidos de concretizar a repressão penal (CF, art. 144, §§ 4º e 5º), ao efetuarem a prisão, apenas exercem o munus que lhes é exigível, notadamente quando suas declarações são integralmente ratificadas em juízo, sob a garantia do contraditório [...]. (Ap. Crim. n. 2008.080190-1, de Tubarão, desta relatora, j. Em 24-3-2009)


Neste norte, impossível não se aferir a conduta criminosa à Jefferson Francisco e Leandro Carlos Leonor, porquanto o acervo probatório construído nos autos, notadamente o depoimento dos policiais envolvidos na investigação, dão conta de que estes, na data dos fatos, conjuntamente, praticavam o tráfico ilícito de entorpecentes.


Ademais, a quantidade de drogas encontrada na residência do corréu Jeffersoni, juntamente com as pedras de crack apreendidas com Leandro, fazem derruir qualquer dúvida que possa pairar acerca do exercício do comércio ilícito.


Ressalte-se que, as fotos de fls. 66/74, embora não comprovem, inequivocadamente, a traficância, se analisadas em conformidade com as declarações dos policiais militares, constituem um forte elemento que aponta para a ocorrência do crime pelos dois acusados, os quais aparecem cercados por dois usuários.


Diante disso, têm-se que os elementos contidos nos autos, principalmente a uniformidade dos depoimentos prestados pelos policiais responsáveis pela prisão dos apelantes, as fotos de fls. 66/74, a quantidade de drogas apreendida com Leandro e na casa de Jefferson, justificam a reforma, no ponto, da sentença condenatória prolatada na origem.


A propósito, colhe-se julgado desta corte de justiça:


APELAÇÃO CRIMINAL ¿ TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06) ¿ APREENSÃO DE 242 GRAMAS DE "COCAÍNA" NA POSSE DO ACUSADO ¿ PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O CRIME DE PORTE PARA O USO ¿ IMPOSSIBILIDADE ¿ MATERIALIDADE DO DELITO DE TRÁFICO SOBEJAMENTE COMPROVADA ¿ DEPOIMENTOS UNÍSSONOS E COERENTES DE POLICIAIS QUE, ALIADOS ÀS CIRCUNSTÂNCIAS ENREDADAS, EVIDENCIAM A MERCANCIA ILEGAL ¿CONDENAÇÃO MANTIDA. (Ap. Crim. n. 2007.039263-6, de Chapecó, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em 7-11-2007).


E mais:


NARCOTRÁFICO ¿ PRELIMINAR ¿ PEDIDO BUSCANDO A NULIDADE PROCESSUAL EM RAZÃO DA COLETA INVERTIDA DE PROVA ¿ INOCORRÊNCIA.


MATERIALIDADE E AUTORIA PATENTEADAS ¿ PROVA TESTEMUNHAL CALCADA NOS RELATOS HARMÔNICOS DOS MILICIANOS A DEMONSTRAR A VERACIDADE DOS FATOS ¿ DOIS RÉUS - ACUSADO QUE TRAZIA CONSIGO SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA COMERCIALIZAÇÃO ¿ DESCLASSIFICAÇÃO PARA PORTE PARA USO PRÓPRIO INVIÁVEL. (Ap. Crim. n. 2006.011592-1, de Blumenau, rel. Des. Souza Varella, j. em 31-10-2006).


Neste contexto, em restando devidamente comprovada a autoria e a materialidade da conduta delitiva descrita na peça acusatória, dá-se provimento ao recurso ministerial para condenar Jefferson Francisco pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, mantendo-se incólume a condenação de Leandro Carlos Leonor pelo mesmo delito.


2.2 Da associação para o tráfico (Lei n. 11.343/2006, art. 35, caput)


Compulsando-se os autos, vislumbra-se que o sentenciante condenou os denunciados pela prática do delito tipificado no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006 (associação para o tráfico).


De fato, não restam dúvidas a respeito da prática da conduta delitiva prevista no art. 33, caput, do mencionado comando normativo, haja vista que devidamente caracterizado o tráfico ilícito de entorpecentes.


Por outro lado, levando-se em conta o conjunto probatório formado nos autos, não se vislumbra a presença de elementos que, seguramente, demonstram o caráter permanente e estável do vínculo existente entre Jefferson Francisco e Leandro Carlos Leonor, no sentido de que teriam se unido e pré-articulado para o fim de comercialização da drogas.


Com efeito, o crime de associação para o tráfico (Lei n. 11.343/2006, art. 35), para restar configurado, depende da demonstração da convergência da vontade dos agentes, no sentido de se unirem de modo estável e permanente, com o fim específico de violar o disposto nos arts. 33 (tráfico) e 35 (associação para o tráfico) da novel Lei de Tóxicos.


A propósito da questão em referência, é expressivo o magistério doutrinário que encampa esta orientação de observância imperativa.


Ao comentar o tema, leciona Luiz Flávio Gomes:


O art. 35 traz modalidade especial de quadrilha ou bando (art. 288 do CP). Contudo, diferentemente da quadrilha, a associação para o tráfico exige apenas duas pessoas (e não quatro), agrupadas de forma estável e permanente, para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput (tráfico de drogas), e 34 (tráfico de maquinário) desta Lei. [...] Tipo Subjetivo ¿? É o dolo (animus associativo), aliado ao fim específico de traficar drogas ou maquinário. [...] `?Para o reconhecimento do crime previsto no art. 14 da Lei 6.368/76 [atual 35], não basta a convergência de vontades para a prática das infrações constantes dos arts. 12 e 13 [atuais arts. 33 e 34]. É necessário, também, a intenção associativa com a finalidade de cometê-las, o dolo específico¿? [...]" (Lei de Drogas Comentada. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 204/205)


Idêntica conclusão é revelada na doutrina de Guilherme de Souza Nucci:


Exige-se elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de associação, de caráter duradouro e estável. Do contrário, seria um mero concurso de agentes para a prática do crime de tráfico. Para a configuração do delito do art. 35 (antigo art. 14 da Lei 6.368/76) é fundamental que os ajustes se reúnam com o propósito de manter uma meta comum." (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 334)


Nessa mesma diretriz, é o entendimento de Abel Fernandes Gomes e outros:


O núcleo do tipo: associarem-se indica que pelo menos duas pessoas devem se aliar ou se congregar de forma estável, com o fim de praticarem os crimes previstos no art. 33, caput e §1º, e art. 34 da NLA. A estabilidade deriva da idéia de que a associação, com a finalidade que possui, tem como base e fundamento um plano criminoso que só se coaduna com a permanência estável dessa congregação, para atingir suas finalidades. (A Nova Lei Antidrogas. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 34)


Corroborando o exposto, convém mencionar a opinião de Isaac Sabbá Guimarães:


Há de registrar-se, ainda, que o disposto no art. 35 tem um alcance maior do que o contido no art. 288, CP. Enquanto que no crime de formação de quadrilha ou bando há a necessidade da associação de no mínimo quatro pessoas, o crime definido pelo art. 35 requer a convergência de vontade criminosa de duas ou mais pessoas. E mais.Com o específico fim de praticarem os agentes, reiteradamente ou não, o tráfico, nas modalidades definidas pelo caput do art. 33 e seu §1º, bem como quaisquer modalidades criminosas do art. 34. [...] O que importa para a configuração do crime é a convergência de vontades para a prática de tráfico, bem como dos crimes que o antecedem ou preparam as condições necessárias para o seu proveito, constituindo-se uma sociedade criminosa estável [...] (Nova Lei Antidrogas Comentada. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 106)


Das lições doutrinárias acima transcritas, verifica-se que a caracterização do delito de associação não depende exclusivamente da presença de comunhão de vontades voltada para o tráfico, tampouco que haja a contínua e efetiva prática da atividade de mercancia de entorpecentes em conjunto entre os agentes, uma vez que o próprio tipo afasta tal exigência, prescrevendo que a conduta (tráfico) pode ou não ser concretamente perpetrada ("...reiteradamente ou não..." art. 35). Assim, não é o exercício da traficância em si que interessa à configuração da associação.


Para que se legitime a imposição da sanção correspondente à prática do delito em questão (art. 35), a lei exige mais do que o exercício do tráfico em integração pelos criminosos, porquanto em tal situação, a conduta de cada qual, sem um animus específico e duradouro de violar os arts. 33 e 34 da Lei de Tóxicos, evidencia unicamente a coautoria.


O preceito legal refere-se à existência de "fim específico de praticar" o tráfico, o que evidencia tratar-se de crime formal, que naturalmente independe de resultado.


Tal expressão ("fim específico") revela fundamental à caracterização do delito de associação que duas ou mais pessoas ajustem-se previamente e então unam seus esforços para estruturar uma associação, conferindo-a certo grau de estabilidade e permanência, com o precípuo objetivo de traficar drogas ou portar, fabricar, equipamentos com este desiderato, reiteradamente ou não, conforme anotam Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues:


Consuma-se o crime da associação com o momento em que duas ou mais pessoas se ligam com o ânimo de permanência e estabilidade para o fim de cometer crimes descritos nos artigos 33, caput, 33, §1º, e 34 da Lei 11.343/06. Ressalta-se não ser necessário o efetivo cometimento dos crimes, haja vista se tratar de crime formal. [...] Contém o art. 35, caput, o elemento subjetivo do tipo condizente na finalidade reiterada ou não de praticar os crimes descritos no tipo penal. [...] Associação é a reunião de duas ou mais pessoas que tenham a vontade de se aliarem de maneira permanente e com certo grau de estabilidade. Na associação, exige-se vínculo subjetivo entre os participantes, no sentido da intenção de praticarem os fatos criminosos descritos no art. 35, caput, com uma percepção de que há uma união de aparente durabilidade. Objetivamente, os elementos do crime de associação podem ser fatiados em quatro: a) duas ou mais pessoas; b) acordo prévio dos participantes; c) vínculo associativo duradouro; d) finalidade de traficar drogas. [...] Em análise rigorosa, pode ser afirmado que a tipicidade deste artigo não será de fácil identificação, tendo-se em vista que, para alguém ser autor do tipo legal, é importante a prova da conduta voltada a associação, não bastando a mera integração ocasional a grupo. Não é possível o recurso da presunção para se afirmar a associação, pois a conduta deve ser taxativa e expressa [...]. (Nova Lei de Drogas: Comentários à Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 78/79)


Assim, frise-se, não é toda ocasião que restar evidenciada a convergência de vontades, vale dizer, mero concurso de agentes, que estará configurado o delito de associação, ressaltando, outra vez mais, a imprescindibilidade do animus associativo com o propósito final de traficar, como pondera Vicente Greco Filho:


Parece-nos, todavia, que não será toda a vez que ocorrer concurso que ficará caracterizado o crime em tela. Haverá necessidade de um animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris, em que a vontade de se associar seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Excluído, pois, está o crime, no caso de convergência ocasional de vontades para a prática de determinado delito, que determinaria a co-autoria. [...]


Diante, pois, destas considerações o crime de associação (art. 14) como figura autônoma há de ser conceituado em seus estreitos limites definidores. Jamais a simples co-autoria, ocasional, transitória, esporádica, eventual configuraria o crime de associação. Para este é mister inequívoca demonstração de que a ligação estabelecida entre A e B tenha sido assentada com esse exato objetivo de sociedade espúria para fins de tráfico, ainda que este lance final não se concretize, mas sempre impregnada dessa específica vinculação psicológica, de se dar vazão ao elemento finalístico da infração (Diante, pois, destas considerações o crime de associação (art. 14) como figura autônoma há de ser conceituado em seus estreitos limites definidores. Jamais a simples co-autoria, ocasional, transitória, esporádica, eventual configuraria o crime de associação. Para este é mister inequívoca demonstração de que a ligação estabelecida entre A e B tenha sido assentada com esse exato objetivo de sociedade espúria para fins de tráfico, ainda que este lance final não se concretize, mas sempre impregnada dessa específica vinculação psicológica, de se dar vazão ao elemento finalístico da infração (Tóxicos, 10. ed., atual., São Paulo, Editora Saraiva, 1995, pp. 109/111).


No caso em tela, observa-se que os elementos amealhados nos autos, ainda que suficientes para caracterizar o tráfico em relação aos acusados, não permitem, também, vislumbrar que a ligação entre os rés se concretizou com o desiderato de estabelecer uma sociedade espúria para fins de tráfico.


Isso porque, embora os policias tenham declarado que, na data da campana, Jefferson atuava no suporte de Leandro, ao passo que este praticava a venda, caracterizando uma divisão de tarefas, também deixam claro que não havia notícias de atividades ilícitas praticadas pelo primeiro, sendo o mesmo pouco conhecido da polícia, razão pela qual não se pode aferir estabilidade na associação dos acusados.


Desse modo, por entender inexistentes provas suficientes acerca do dolo específico, vale dizer, da articulação prévia dos agentes, no sentido de congregarem esforços para traficarem de modo estável e permanente, a medida imperiosa é a absolvição de Leandro Carlos Leonor do delito de associação para o tráfico.


Por último, impende ressaltar que, ex vi do art. 580 do CPP, estende-se a absolvição a Jefferson Francisco.


3 Da dosimetria


Inicialmente, perquire-se o cálculo de pena para Jefferson Francisco, pelo crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.


Na primeira fase, momento propício para a análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal, verifica-se que todas são normais à espécie, razão pela qual se fixa a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 5 (cinco) anos de reclusão, além do pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa.


Na etapa intermediária, não se vislumbram agravantes a serem sopesadas e, embora de cunho extrajudicial, conforme mansa jurisprudência ¿ vide Ap. Crim. n. 2008.067018-6, de São José, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em 28-4-2009 ¿, deve-se reconhecer a atenuante da confissão espontânea (CP, art, 65, III, "d"), bem como a da menoridade (CP, art. 65, I), as quais não trazem efeitos praticados, em virtude do enunciado sumular n. 231 do STJ.


Na fase derradeira, não há causas de aumento a serem sopesadas, e, acerca das causas de diminuição, o representante do Parquet requereu a aplicação da benesse prevista no art. 33, §4º da Lei n. 11.343/2006.


Nesse liame, deve-se, necessariamente, analisar os requisitos elencados no art. 33, §4º da Lei n. 11.343/2006, para perquirir acerca do cumprimento dos requisitos elencados no comando normativo.


Com efeito, para o reconhecimento da figura benéfica prevista no referido dispositivo, é imprescindível a satisfação de 4 (quatro) requisitos essenciais e cumulativos. De fato, necessário atestar-se a primariedade do réu, ou seja, que não ostente condenações transitadas em julgado no lapso de 5 (cinco) anos anteriores aos fatos (CP, arts. 63 e 64); deve, ainda, possuir bons antecedentes, consistentes na inexistência de condenações definitivas anteriores e não aptas a gerar a reincidência; bem como não se dedicar a atividades delituosas e não integrar organizações criminosas.Com efeito, para o reconhecimento da figura benéfica prevista no referido dispositivo, é imprescindível a satisfação de 4 (quatro) requisitos essenciais e cumulativos. De fato, necessário atestar-se a primariedade do réu, ou seja, que não ostente condenações transitadas em julgado no lapso de 5 (cinco) anos anteriores aos fatos (CP, arts. 63 e 64); deve, ainda, possuir bons antecedentes, consistentes na inexistência de condenações definitivas anteriores e não aptas a gerar a reincidência; bem como não se dedicar a atividades delituosas e não integrar organizações criminosas.


Nesse sentido é lição de Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e William Terra de Oliveira:


No delito de tráfico (art. 33, caput) e nas formas equiparadas (§ 1º), as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário (não reincidente), de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (traficante, agindo de modo individual e ocasional). Os requisitos são subjetivos e cumulativos, isto é, faltando um deles inviável a benesse legal. (Lei de drogas comentada. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 197)


E da obra de Guilherme de Souza Nucci:


Causa de diminuição de pena: cuida-se de norma inédita, visando à redução da punição do traficante de primeira viagem, o que merece aplauso. Portanto, aquele que cometer o delito previsto no art. 33, caput ou §1º, se for primário (indivíduo que não é reincidente, vale dizer, não cometeu outro delito, após ter sido definitivamente condenado anteriormente por crime anterior, no prazo de cinco anos, conforme arts. 63 e 64 do Código Penal) e tiver bons antecedentes (sujeito que não ostenta condenações definitivas anteriores), não se dedicando às atividades criminosas, nem integrando organização criminosa, pode-se valer de pena mais branda. Estranha é a previsão a respeito de não se dedicar às atividades criminosas, pois não diz nada. Na norma do §4º, para que se possa aplicar a diminuição da pena, afastou-se a possibilidade de ser reincidente ou ter maus antecedentes. Portanto, não se compreende o que significa a previsão de não se dedicar às atividades criminosas. Se o sujeito é reincidente ou tem maus antecedentes pode-se supor que se dedique à atividade criminosa. No mais, sendo primário, com bons antecedentes, não há cabimento em se imaginar a dedicação a tal tipo de atividade ilícita. A parte final, entretanto, é razoável: não integrar organização criminosa. Pode o agente ser primário e ter bons antecedentes, mas já tomar parte em quadrilha ou bando. (Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 330)


De fato, da análise dos elementos probatórios, uma vez que os próprios milicianos afirmaram que Jefferson se tratava de figura desconhecida dos investigadores, pode-se considera-lo como "estreante" no ramo do comércio odioso, a ponto de se reputar viável a concessão do benefício, porquanto preenchidos os requisitos para tanto, todavia, ante a quantidade razoável e natureza das drogas apreendidas em sua casa (quarenta pedras de crack um pequeno torrão de maconha), deixa-se de aplicar a causa de diminuição no máximo, estabelecendo-se-a em um 1/2 (um meio).


Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência catarinense:


MÉRITO. REQUERIDO O AFASTAMENTO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI N. 11.343/06 OU A REDUÇÃO DO PATAMAR FIXADO. RÉU QUE PREENCHE OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DA BENESSE, PORQUANTO É PRIMÁRIO, NÃO APRESENTA MAUS ANTECEDENTES NEM SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS ("CRACK" E COCAÍNA) QUE NÃO AUTORIZAM A FIXAÇÃO NO PATAMAR MÁXIMO. REDUÇÃO RECONHECIDA. PENA ADEQUADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Ap. Crim. n. 2008.070847-8, de Araranguá, rel. Des. Torres Marques, j. em 6-3-2009)


Dessa forma, ante as reformas operadas nesta instância, fixa-se a pena definitiva em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, além do pagamento de 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa, individualizados no mínimo legal.


Com relação à Leandro Carlos Leonor, o togado a quo, na dosimetria atinente ao tráfico ilícito de entorpecentes, estabeleceu a pena-base, corretamente, em 5 (cinco) anos de reclusão, bem como pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa.


Na segunda etapa, também reconheceu acertadamente a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d") e a inexistência de agravantes, deixando a pena no patamar fixado alhures.


Da mesma forma como ocorreu com o corréu, não se verifica causas de aumento.


Por outro lado, no que toca à aplicação da causa de diminuição preconizada no art. 33, §4º, da Lei de Drogas, diversa é a sorte de Leandro Carlos Leonor.


De fato, o policial militar Luiz Manoel da Silva, no que é corroborado pelo colega de investigação Anderson José Leandro, deixou claro que há mais de um ano sabe da participação de Leandro, vulgo "Demanda", em atividades ilícitas, o qual, inclusive, já havia sido preso sob essa suspeita.


Nessa toada, aproveitando-se o estudo acima realizada, não se pode apontar Leandro Carlos Leonor como "traficante de primeira viagem", uma vez que demonstrada sua dedicação à atividade criminosa, a ponto de afastar-se a causa de diminuição aplicada na origem.


Assim sendo, torna-se definitiva a pena de Leandro Carlos Leonor em 5 (cinco) anos de reclusão, além do pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, cada qual no valo mínimo legal.


Importante ressaltar que o crime (tráfico) se equipara ao hediondo e, portanto, a substituição da pena privativa de liberdade pela fixação de alguma das penas substitutivas seria insuficiente à repressão penal que deve ser imposta com relação aos crimes de alta gravidade, sendo, inclusive, expressa na lei essa impossibilidade, em seu art. 44, caput, in fine.


A propósito, colhe-se precedente desta corte de justiça:


PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CRIME HEDIONDO. IMPOSSIBILIDADE.


A substituição da pena privativa de liberdade visa a evitar o encarceramento nos crimes menos gravosos e não nos crimes de grande gravidade, como o tráfico de drogas, aos quais deve ser reservada a pena de prisão para a sua repressão e prevenção. (Ap. Crim. n. 2007.053372-0, de Canoinhas, rel. Des. Solon d'Éça Neves, j. em 6-12-2007)


Sendo assim, inviável a substituição da pena no caso em comento, devendo permanecer a pena privativa de liberdade imposta aos apelantes.


Outrossim, não há que se manter a substituição efetuada na origem para Jefferson Rodrigues, uma vez que foi absolvido do delito que originou a reprimenda substituída.


Isso posto, conhece-se em parte do recurso de Leandro Carlos Leonor e, nesta extensão, dá-se-lhe parcial provimento para absolvê-lo da prática do crime de associação para o tráfico, estendendo-se os efeitos da decisão à Jefferson Francisco, ex vi do art. 580 do CPP, e conhece-se e dá-se provimento ao reclamo deduzido pelo Ministério Público, para condenar Jefferson Francisco pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e excluir-se a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º da Lei de Drogas no que tange à Leandro Carlos Leonor, restando a pena deste em 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, além do pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, individualizados no mínimo legal, e de Jefferson Francisco em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, e pagamento de 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa, cada qual no patamar mínimo estabelecido em lei, ambos pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006

DECISÃO


Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, conhecer em parte do recurso de Leandro Carlos Leonor e, nesta extensão, dar-lhe parcial provimento para absolvê-lo da prática do crime de associação para o tráfico, estendendo-se os efeitos da decisão à Jefferson Francisco, ex vi do art. 580 do CPP, e conhecer e dar provimento ao reclamo deduzido pelo Ministério Público, para condenar Jefferson Francisco pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e excluir-se a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º da Lei de Drogas no que tange à Leandro Carlos Leonor, restando a pena deste em 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, além do pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, individualizados no mínimo legal, e de Jefferson Francisco em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, e pagamento de 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa, cada qual no patamar mínimo estabelecido em lei, ambos pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.


Participaram do julgamento, em 11 de novembro de 2009, os Exmos. Srs. Desembargadores Sérgio Paladino (Presidente) e Tulio Pinheiro.


Florianópolis, 17 de novembro de 2009.


Salete Silva Sommariva


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