quarta-feira, 3 de março de 2010

Discurso da repressão - Narcodemocracia

Este é o capítulo 7 do meu livro Introdução Crítica ao Ato Infracional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. Embora se refira a adolescentes, o fundamento é o mesmo. Ele está sem as notas de rodapé.


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CAPÍTULO 7 – ADOLESCENTES E DROGAS: O DISCURSO DE APRENDIZ DE FEITICEIRO
“Já que o mundo se encaminha para um delirante estado de coisas, devemos nos encaminhar para um ponto de vista delirante. Mas vale perecer pelos extremos do que pelas extremidades.” Jean Baudrillard

§ 1o – Narcodemocracia

“Aviso a todos:/ o poeta (que era poeta),/ saiu empresar dinheiro/ para com-prar comida./ Deve demorar!” José Carlos de Camargo

1 – Esta mediação pretende – rapidamente – discutir a função da droga, como fala Olmo, na sociedade contemporânea, especificamente em face dos adolescentes. Parte de um desvelamento do condicionante econo-micista com o fim de demonstrar a importância da droga no cenário econômico mundial, no que se denominou como “Narcodemocracias” (Arbex Jr e Tognolli). Desvelado o condicionante econômico, retoma-se a influên-cia do modelo Neoliberal (Cap. 1o), no qual a vida humana, ao contrário do que defende Dussel, não é o funda-mento, podendo ser aniquilada – como de fato o é – pela ideologia de sociedade prevalente, no qual o direito infracional congrega um papel estratégico importante. Com a utilização ideológica do sistema de controle socialo e com o fim da guerra fria, o inimigo externo, então representando pelo Bloco Socialista, é astutatamente substi-tuído pelo inimigo interno, a droga. O discurso movimenta o que há de mais básico no ser humano: seu desalento constitutivo em busca de segurança. Para além deste discurso é preciso defender-se a Democracia, sem os falsos puritanismos e se dando conta, principalmente, do papel individual e ético de cada ator jurídico em face da soci-edade. Para isto é necessário que os Direitos Fundamentais sejam discutidos a partir de um fundamento, isto é, um critério material, indicado por Dussel como sendo a vida, sua reprodução e desenvolvimento .
2 – As questões históricas serão tocadas de maneira contigente, bem assim as de caráter processual, poden-do-se consultar farta bibliografia devidamente exorcizada , em especial Carvalho , Batista (Vera e Nilo) e De Olmo . De qualquer forma, no senso comum teórico (Warat) prevalecem as every day theories (Barat-ta). Este discurso, fomentado pela mídia impede o enfretamento da questão de maneira democrática e não na eterna luta ilusória entre o bem e o mal. Além do que, a adolescência não pode ser percebida apenas como fase pré-adulta, dado que sua a aproximação ética não pode se dar de maneira universal, sob pena de se desconsiderar as peculiaridades de cada singularidade, já que é nela que ocorre o encontro com o real do sexo (sempre traumá-tico), desligamento dos pais e perplexidade sobre o futuro, mormente numa realidade à margem do capitalismo, com declínio da figura parterna (Cap. 3o). Neste contexto é que se discute as possibilidades de intervenção ética perante adolescentes, com especial relevo aos envolvidos em atos infracionais, dada as condições sociais denun-ciadas pela Criminologia Crítica acerca da seleção e etiquetamento, bem assim que mesmo lotados de boa vonta-de, muitas vezes, a intervenção é totalitária. Entender o mecanismo da droga numa sociedade que se droga é o grande desafio, especialmente para o drogado não se torne o bode expiatório da culpa (nossa) de todos os dias.
3 – Por mais que se tenha boas intenções para com a questão da drogadição, é preciso se dar conta – os que não se dão são mais felizes, os nefelibatas de sempre – de que existe uma estrutura economicista que condiciona a sociedade, no caso do Brasil, à margem do capitalismo central e a seu serviço. Até porque não se dar conta disto é muita ingenuidade. Esta estrutura atual está fundamentada na volatilidade do dinheiro quente – hot money – que serve diariamente para os países ditos em desenvolvimento – eufemismo da pobreza – possam fechar suas contas. Esse capital surge nos mais diversos rincões do planeta, muitas vezes sem que se saiba ao certo a origem. Mas como para o capital o dinheiro é o que importa, não se costuma perguntar de onde vem. E ele se origina, em grande parte, dos narcodólares . Com este dinheiro o Brasil mantém suas contas, a economia. Isto se repete em diversos países da América Latina. Os EUA dependem em certa medida, no comércio internacional, da Amé-rica Latina. Então, se houver um controle e combate efetivo da droga, a economia do Brasil quebra, e a dos EUA resta fortemente atingida. Por mais duro que seja reconhecer isto, se depende do tráfico para se viver como de-mocracia . O Brasil é mais uma das Narcodemocracias . E isto interessa !
4 – Desta maneira, a abordagem da questão da drogadição pressupõe que se saiba que o discurso oficial es-camoteia o interesse no fomento da droga. Girando o discurso, ou seja, dizendo o que se quer que se acredite, induz-se a população no discurso do ‘inimigo interno’, do ‘mal’, da ‘cultura do medo’, mantidos com inconfes-sáveis interesses ideológicos. Com a queda do Muro de Berlim e o fim da guerra fria, para justificação da opres-são, precisou-se de um novo inimigo, não mais externo, mas interno. É bem verdade que agora os terroristas de qualquer lugar ocupam este lugar . Neste contexto, o discurso de almanaque tornou a droga o grande bode expiatório ¬– não era o Fernandinho Beira-Mar o grande problema da nação? Onde ele anda? –, convertendo-se em “todos os males que afligem o mundo contemporâneo porque a própria palavra está funcionando como este-riótipo, mais do que como conceito.” O desconhecido, o estrangeiro , o mito, o demônio com nova roupa-gem, materializado pela droga. Pouca gente se dá conta de que nas ‘Drogarias’ existem muitas que causam de-pendência sim, mas não constam da Portaria – que completa o inconstitucional tipo penal em branco da Lei. n. 11.343/06 – por questões mercadológicas e principalmente ideológicas. O diferencial é que são proibidas, só-mente. Não importam os efeitos, mas somente se está na lista . Procede, desta forma, o argumento de Del Omo: “O importante, portanto, não parece ser nem a substância nem sua definição, e muito menos sua capaci-dade ou não de alterar de algum modo o ser humano, mas muito mais o discurso que se constrói em torno dela. Daí o fato de se falar da ‘droga’, e não das ‘drogas’.” Assim é que se acresce ao condicionante econômico a conseqüência ideológica e geopolítica do manejo discursivo do inimigo, capaz de justificar a opressão no mundo da vida , da forma mais naturalizada possível, fazendo que muitos incautos sejam seduzidos por este discurso, tolerando inclusive a violação da Democracia em nome da internacionalização do combate, via agências ameri-canas. Vera Batista assinala: “Não há nada mais parecido com a inquisição medieval do que a atual guerra santa contra as drogas, com a figura do traficante – herege que pretende apossar-se da alma de nossas crianças. Essa cruzada exige uma ação sem limites, sem restrições, sem padrões regulativos. A droga se con-verte no grande eixo – moral, religioso, político e étnico – da reconstrução do inimigo interno, ao mesmo tempo em que produz verbas para o capitalismo industrial de guerra. Esse modelo bélico produz marcas no poder jurídico, produz a banalização da morte. Os mortos desta guerra têm uma extração social comum: são jovens, negros/índios e são pobres.” Mas não é só.
§ 2o – O Demônio e a Democracia

“Pegunta ao general que dirige a guerra contras as drogas: por que as prisões estão cheias de drogadinhos e vazias de baqueiros lavadores de narcodólares?” Eduardo Galeano

1 – Segundo Laurent com a revolução do medicamento iniciada nos anos 50 e as sucessivas gerações de antidepressivos – assim como de softs de computador – “estamos hoje mergulhados no medicamento.” Subornando a falta constitutiva do sujeito clivado (Freud), o remédio promove um novo gozo que se apresenta como capaz de fazer esquecer a angústia, a dor (Cap. 2o). Está-se no registro do Imaginário dos ‘Paraísos Artifi-ciais’ que indicava Baudelaire , de acesso a um gozo novo para o sujeito , de algo que retorna . Sua atuação se dá em face de uma estrutura psíquica singular, onde inexistem intervenções éticas universais, salvo se colocando na posição do canalha (Lacan). É necessário reconhecer-se a singularidade. A posição ética indicada por Alberti é a de que, nem o psicanalista, nem o juiz, nem ninguém sabe o que é melhor para o adolescente, nem pode o explicar . De qualquer forma, esta postura totalitária – de se saber o que é melhor para o outro – é discursivamente apta às finalidades que se propõe, mormente numa sociedade capitalista em que o gozo prome-tido é impossível e que nem sempre a queda é bem assimilada , muito em face do declínio da figura paterna, cujo modelo neoliberal, definitivamente, não segura.
2 – Pelo senso comum ninguém quer o demônio e, como não se sabe muito bem quem ele é, aceita-se fa-cilmente a indicação do drogado, traficante, dentre outros, como seus representantes. Ledo engano imaginário para transferência da culpa. Além de encobrir o que realmente interessa numa sociedade que se diz democrática. O discurso ainda em moda diferencia os malvados fornecedores e usuários pobres, dos ‘bons filhos (ricos) de família’ que cederam às tentações. Para os ricos, tratamento. Para os pobres, internamento (Baratta). Esta ‘ideo-logia da diferenciação’ serve para justificar o injustificável, lançando-se mão do velho recurso retórico da distinção. O discurso faz com que certa parcela se acredite normal, apesar de depender diariamente do prozac, igrejas da salvação, viagra, TV, aspirina, cigarro, bebida, etc... O senso comum da auto-ajuda, também embala a classe média, eterna guardiã dos interesses de poucos, eclipsada em sua cultura de superfície e narcisística, ou seja, “um grande mercado de ilusão terapêutica.” Vagando em busca de uma identidade, com medo de sentir dor, condição de existir (Freud), acolhe-se, não raro, uma solução totalitária . Daí o sucesso das religiões , seitas, práticas alternativas, drogas lícitas (prozac, fluxotina, etc.) e ilícitas (maconha, cocaína, LSD, extasy, etc.), dentre outras, que ao indicarem “o” caminho da salvação, suturam – por pouco tempo, evidente – a falta de cada dia . No sucesso dos antidepressivos, enfim, da droga, o despero pela identificação da função social resta exposta. O modelo paranóico é reiterado, em regra, nas clínicas de tratamento das drogas . Separa-se, matrei-ramente, a sociedade entre os párias, ou seja, os que incomodam a estrutura social e os que drogam dentro da lei. Rojas afirma o cinismo do discurso: “Os principais responsáveis pela produção ou pelo mercado são retratados como psicopatas ou terroristas, criminosos desumanos que vivem num estado de orgia desenfreada contra a vida, são merecedores de um tratamento de exceção, distinto da lei normal capitalista. Para eles, a extradição, o ostracismo, o desterro, o fuzilamento e a publicidade com o objetivo da exemplaridade.” A questão é, pois, bem mais complexa e com nuanças decorrentes do entorno social brasileiro de exclusão.
3 – Neste pensar, no caso de porte de substâncias tóxicas inexiste crime porque ao contrário do que se di-funde, o bem jurídico tutelado pelo art. 28 da Lei. n. 11.343/06 é a ‘integridade física’ e não a ‘incolumidade pública’, diante da ausência de transcendência da conduta, e a Constituição da República (art. 3º, I e art. 5º, X), de cariz ‘Liberal’, declara, como Direito Fundamental, consoante a Teoria Garantista (Ferrajoli), a liberdade da vida privada, bem como a impossibilidade de penalização da auto-lesão sem efeitos a terceiros . Para seu reconhecimento pode-se declarar a nulidade parcial sem redução do texto do art. 28 da Lei. n. 11.343/06, nos casos de porte de pequenas quantidades para uso próprio (quer de adolescentes como adultos), nos quais os usuá-rios devem ser encaminhados, se quiserem, e não segregados, dado que o simples aniquilamento da liberdade pouco contribui para o efetivo enfrentamento da questão, como já demonstrado em diversos momentos (Salo de Carvalho e Del Omo).
4 – Cumpre recordar a discussão proposta por Rodriguez entre os modelos de Hart e Dworkin acerca dos casos difíceis (Hard cases), na qual analisa o julgamento de um cidadão que requereu junto à Corte Suprema da Colômbia a autorização para o porte e o consumo de doses pessoais de droga. Após discorrer sobre a textura aberta das normas jurídicas, os problemas da discricionariedade judicial, a partir da proposta de Hart, Rodri-guez assevera que a inconstitucionalidade da proibição do porte e uso de quantidades pessoais de droga encontra apoio na princípio constitucional do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa humana. Isto porque o Estado não deve assumir uma postura dirigista frente ao cidadão. Deve garantir o direito imposter-gável deste de conduzir sua vida conforme lhe convier, desde que não violados direitos de terceiros. “Herbert sigue sus convicciones morales y políticas liberales y sostiene que del derecho al libre desarrollo de la persona-lidad se sigue sin duda la inconstittucionalidad de la prohibición.” De outra face, com base em Dworkin e seu método Hércules, fundamentado nos princípios, Rodriguez defende que existe a possibilidade de se apurar a resposta correta (Direito como integridade ) e, na hipótese, o Juiz-Hércules deve se basear nos princípios mais valiosos do ponto de vista moral e político, compatíveis com as práticas constitucionais. Assim é que “La deci-sión de Hércules no es determinada por el hecho de que la mayoria de los ciudadanos piense que se debe pena-liza el porte y consumo de dosis personales de droga, porque la tarea del juez es proteger derechos, incluso – y sobre todo – contra el parecer de la mayoria. En este caso, la protección del derecho al libre desarollo de la personalidade milita em favor de la inconstitucionalidad de la prohibición.”
5 – Na mesma linha foi a decisão da Corte Suprema Argentina, a qual declarou inconstitucional a crimina-lização de pequenas quantidades de droga para consumo próprio, consoante explica Sckmunck, da Universidade de Córdoba: “En dichos fallos se estabelece que: El art. 19 C.N. impone límites a la actividad legislativa consis-tentes en exigir que no se prohíba una conducta que desarrolle dentro de la esfera privada entendida ésta no como la de las acciones que se realizan en la intimidad, protegidas por el art. 18 C.N., sino como aquellas que no ofendan al orden, a la moralidad pública, esto es que no prejudiquen a terceros. Las conductas del hombre que se dirijan sólo contra sí mismos, quedan fuera del ámbito de las prohibiciones. No está probado – aunque si reiteradamente afirmado dogmáticamente – que la incriminácion de simple tenencia de estupefacientes, evite consecuencias negativas concretas para el bienestar y la seguridad general. La construcción legal del art. 6 de la ley 20.771, al preveer una pena aplicable a un estado de cosas, y al castigar la mera creación de un riesgo, permite al intérprete hacer alusión simplesmente a prejuicios potencilaes y peligros abstractos y no a danõs concretos a terceros y a la comunidad (Fallos de la C.S.J.N/86:1392).” Assim é que a decisão invocada, proferida pela Corte Suprema Argentina, longe de autorizar o consumo ilimitado, pretende, resgatando o prima-do constitucional da liberdade de autogoverno dos cidadãos da República, sem discursos totalitários (no caso da droga, americanizados), ensejar a escolha democrática daqueles envolvidos com droga ao invés do simples ani-quilamento . É, em suma, reconhecer a dignidade da pessoa humana (Sarlet), enfrentando a questão da droga de maneira séria e democrática. Havendo demanda pode-se auxiliar. Aniquilar, excluir, nunca foi, nem será, uma solução democrática. Essa mudança de perspectiva é necessária para o efetivo cumprimento da promessa de dignidade da pessoa humana e do reconhecimento do adolescente como sujeito. Destaque-se, ainda, a visão lúcida de Nilo Batista: “Pessoas que realmente sejam viciadas em drogas – lícitas ou ilícitas – precisam de ajuda, e sua família, seus amigos, sua comunidade, seus colegas, seus companheiros de trabalho, grupos espe-cialmente capacitados de pessoas que vivenciaram o mesmo problema, e até médicos, devem-lhes essa ajuda. O Estado pode fomentar os caminhos dessa assistência, mediante programas que facilitem recursos para sua exe-cução. O sistema penal é absolutamente incapaz de qualquer intervenção positiva sobre o viciado. A descrimi-nalização do uso de drogas abre perspectiva para uma abordagem adulta do problema e renuncia a tomar a sentença criminal como exorcismo.”
6 – De outra parte, ainda, poder-se-ia recordar os aspectos neoliberais (Friedman e Hayek), dos quais não compartilho e apenas noticio juntamente com a crítica consistente de Jacinto Nelson de Miranda Couti-nho: “Sua Excelência, o consumidor!; eis a representação da questão de fundo neoliberal. O ponto final, quem sabe, o cúmulo do absurdo, segue sendo a defesa que fazem os neoliberais da legalização do uso das drogas. Sua Excelência, o consumidor, aqui, gira o sentido bonificador com que se apresentam os neoliberais, para apresentar suas verdadeiras faces, mutatis mutandis, como em um ato falho. Tomemos um exemplo do excelente trabalho de Luis Días Müller: ‘Los partidarios de la legalización del consumo de drogas argumentan que la prohibición corrompe a la sociedad y mata al ciudadano, no la droga. El premio Nobel de Economía (1976), Milton Friedman, estima que es inevitable legalizar las drogas y que la legalización es el único camino para acabar con la violencia que rodea al narcotráfico: ‘El gobierno debe hacerse responsible ante la sociedad de los miles di víctimas inocentes que causa la droga por ser una mercancía ilegal. El ciudadano es la última víc-tima de esa gran locura.’ (FRIEDMAN, Milton. Libre competencia para la droga, Madrid, Cambio 16 América, nº 1069, 18.05.92, p. 20). Friedman opina que es un problema de mercado: cuanto más difícil resulte conseguir el producto, mucha más demanda habrá y mucho más caro será su precio. Opina que la liberalización del mer-cado de las drogas elimina de inmediato los beneficios desproporcionados que aporta un producto ilegal. Cita, en su favor, el caso de la prohibición del alcohol, durante los anos 20 en Estados Unidos: ‘Imagino que Estados Unidos tendrían la mitad de presos en las cárceles, 10.000 homicidios menos cada ano, desaparecería la violen-cia de los ghettos, la gente podría salir a las calles sin temer por sus vidas, y los que hoy son adictos a las dro-gas, no tendrían que convertirse en criminales para poder conseguir cada una de sus dosis, además de estar seguros de la calidad del producto.’ (FRIEDMAN, Milton. Ob. Cit., p. 28).’ (MULLER, Luis Días. El imperio de la razón: drogas, salud y derechos humanos, México : UNAM, 1994, pp. 101-102).”
7 – Mas a legalização implicaria no fim da razão (cínica, é claro) que os EUA construíram para agir no ter-ceiro mundo, além de colocar em risco a economia dos países abaixo do Equador, com efeitos nos próprios ame-ricanos. Significaria, ademais, o rompimento do círculo vicioso instaurado entre políticos, agentes públicos, dentre outros, corrompidos pelo dinheiro fácil advindo deste negócio e os responsáveis pela produção e comércio da droga . Desta forma, presente o primado material da Constituição (Ferrajoli), bem assim da existência do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito impostergável de escolha (liberdade) do sujeito por situa-ções que lhe digam respeito (CR, art. 3º, I e 5º, X), inalienados – por serem fundamentais –, utilizando-se, ainda, do recurso hermenêutico da nulidade/inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, cumpre declarar a inconstitucionalidade material sem redução do texto do tipo de uso, na hipótese de porte e consumo de doses pessoais de droga , rejeitando-se, assim, a teoria da existência de uma difusa saúde pública ! Como bem pondera Miranda Coutinho, em complemento: “Pois bem, é imprescindível, hoje, discutir a questão das dro-gas, quiça para liberalizá-las; nunca, porém, a partir de uma visão caolha, eficientista desde que mercadológi-ca, desumana desde que liberar, aqui, significa descomprometer os governos no auxílio aos usuários; e hipócri-ta porque, no fundo, remaneja o lugar do lucro. A única coisa que não é, é ser ilógica: seria estúpido a um neo-liberal pensar diferente! Tudo, enfim, está na protocélula: a epistemologia neoliberal e sua vertenten racional-economicista.” Para pensar.
§ 3o – O Discurso de Fachada esconde o Ideológico

“Verdadeiro é aquilo que nos habituaram a aceitar como verdadeiro, por força ou pela persuasão dos costumes.” Jurandir Freire Costa

1 – Demonstrou-se que o estar na adolescência nem sempre é tranquilo (Cap. 3o). A droga é uma das saí-das, tanto para dar conta da vida, como dos ‘ideais de eu’ . Significa, muitas vezes, diz Cahn, “um compro-misso entre o desejo de não mais pensar uma realidade muito difícil ou muito frustante e a impossibilidade de recorrer a soluções delirantes.” Arriscar-se no ato de sair da cadeia significante mediante o jogo com a mor-te que a droga pode representar, além do efêmero nirvana que propicia. Retoma-se, desta forma, a aproximação com a psicanálise e, por via de conseqüência, a relação do sujeito com a castração, sua eventual inscrição do Nome-do-Pai, do trilhamento do Complexo de Édipo (Cap. 3o). Conforme assinala Inem: “A experiência clínica permite diferenciar duas vertentes no gozo do ‘dito’ toxicômano. De um lado, ele se oferece como objeto para o gozo do Outro a fim de completar a falta que aparece como insuportável: ele se faz o produto do gozo do Outro. Do outro, usa a droga como aquilo que o faz subtrair-se ao gozo do Outro. Ele não goza da droga, mas do fato de desligar-se do gozo do Outro. Nesse sentido, o que parece fundamental é pensar a relação do sujeito com a demanda do Outro, pois o recurso à droga parece ser um modo de resposta aos impasses do sujeito em face da castração. Depreende-se que os usuários de drogas não são perversos ou portadores de qualquer patologia psíquica: encontram-se ‘toxicômanos’ inseridos nas diferentes estruturas clínicas, neurose, psicose e perver-são.” Dito isto, resta evidenciado que saídas de ‘combate’ universais são tão fáceis quanto ilusórias .
2 – Considerando, todavia, que este caminho ainda é trilhado por poucos. A massa jogada na inautenticida-de, diria Heidegger, prefere o discurso f(l)áci(d)o do combate de fachada do narcotráfico, criando-se, desta for-ma, “um estúpido círculo vicioso, cuja lógica é a da violência.” E os adolescentes? Sabe-se que a adolescên-cia é um momento de acertamento subjetivo e o uso de droga devolve, em alguns casos, a sensação de nirvana, plenitude, tão cara a todos, que se procura em outra coisa. Para maioria o objeto a é outro. O deles não. Poderia ser o esporte, o estudo, as LanHouses, o sexo, etc... E são livres para escolher. Em qualquer caso, usuários ou não de droga, o gozo precisa ser interditado. Duas posições frente a esta situação atual: a) impor tratamento, substituindo uma droga por outra – não tenham muitas dúvidas que uma droga é legalizada e a outra não, além de não se tocar na questão que causa a dependência, reeditando-se, ademais, a falácia desenvolvimentista, de regra, com a aniquilação da subjetividade do sujeito adolescente; b) respeitar a escolha e propor alternativas. Nesta útlima hipótese, surge uma situação incômoda: assumindo-se uma postura democrática é necessário espe-rar que haja demanda , sendo antidemocrático impor-se qualquer tratamento , salvo, no limite, nos casos extremos de colocação em risco de sua integridade .
3 – É preciso, assim, rejeitar – com veemência – o discurso cínico de que os EUA são a grande vítima da droga, porque, em verdade, fomentam seu cultivo, apesar de o discurso oficial – cínico por excelência –, o negar, justamente por esconder os aspectos econômicos e políticos que servem de argumento para o controle e inter-venção na América Latina . O saudoso professor Alessandro Baratta deixou evidenciado em toda sua obra que a maior resistência à descriminalização é da (manipulada) opinião pública. Todavia, essa atitude repressiva desfruta do aspecto simbólico e proporciona a ilusão da segurança, bem como da resolução do conflito . A ilusão é perfeita na cultura do repasse de responsabilidades, as quais, ao final, acabam incidindo na pessoa da própria vítima/autor. Disto resulta que a questão não pode ser trabalhada com o discurso de aprendiz de feiticeiro prevalecente, sob pena de se manejar um poder maior do que se pode e, assim, queimar-se, como diria Marcelo D2, até a última ponta.

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