quinta-feira, 1 de abril de 2010

Abuso de Autoridade +

Debora Dozza mandou:

recurso crime. abuso de autoridade. artigo 3º, alínea “a”, da lei 4.898/65 (duas vezes). tipicidade da conduta. suficiência probatória. Sentença condenatória.

1-Policial militar que invoca a sua autoridade para obrigar as vítimas a segui-lo, atentando contra a liberdade de locomoção daquelas. 2- Caracterizado o delito pelo fato de as vítimas não terem cometido qualquer crime, mas eventual infração administrativa, não sendo, assim, admissível que o policial invoque sua autoridade para violar o direito de ir de vir daquelas, constitucionalmente assegurado.

NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Recurso Crime Turma Recursal Criminal
Nº 71001686237 Comarca de Giruá
JOAO KLAHR RECORRENTE
MINISTÉRIO PUBLICO RECORRIDO
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, À UNANIMIDADE, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO A SENTENÇA CONDENATÓRIA.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Dr.ª Ângela Maria Silveira (Presidente e Revisora) e Dr. Alberto Delgado Neto.

Porto Alegre, 07 de julho de 2008.


DR.ª CRISTINA PEREIRA GONZALES,

Relatora.

RELATÓRIO

Versam os autos sobre recurso de apelação interposto pela defesa (fls. 91/98), que se insurge contra a sentença (fls. 79/89) que condenou João Klahr à pena de quarenta dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao artigo 3º, alínea “a”, da Lei 4.898/65 c/c artigo 69 do Código Penal.

Sustente a defesa: a) que o abuso de autoridade não ficou comprovado; b) que lícito o agir do policial, uma vez que cumpriu suas funções, agindo no intuito de velar pela segurança do trânsito; c) que eventual dúvida acerca do dolo deve beneficiar o réu, com a aplicação do princípio in dubio pro reo. Pede a absolvição com fundamento no artigo 386, incisos I, II ou VI, do CPP.

O fato ocorreu em 04/10/06.

O Ministério Público ofereceu denúncia (fls. 02/05). A transação penal não foi ofertada devido ao não comparecimento do réu à audiência preliminar. Quanto à suspensão condicional do processo, esta não foi aceita.

A denúncia foi recebida em 18/06/07 (fl. 47).

Durante a instrução probatória, foram inquiridas cinco testemunhas (fls. 47/52) e interrogado o réu (fls. 53/54), seguindo-se os memoriais pelo Ministério Público (fls. 56/71) e pela defesa (fls. 72/78), e a sentença condenatória (fls. 79/89), publicada em 17/10/07.

Houve a apresentação de contra-razões pelo recorrido (fls. 105/120) no sentido da manutenção da sentença.

O feito foi remetido ao Tribunal de Justiça, que declinou da competência para esta TRC.

Nesta instância recursal, o Parquet deixou de se manifestar, reportando-se à existência de parecer do Procurador de Justiça com atuação na 4ª Câmara Criminal (fls.122/125), no sentido do desprovimento do recurso.

VOTOS

Dr.ª Cristina Pereira Gonzales (RELATORA)

Conheço do recurso, uma vez que adequado e tempestivo, mas deixo de dar-lhe provimento por julgar correta a sentença de primeiro grau, que condenou o réu à pena de 40 dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

O delito imputado ao réu é o previsto no artigo 3º, alínea “a”, da Lei 4.898/65 (duas vezes), uma vez que ele teria atentado contra a liberdade de locomoção das vítimas, obrigando-as a segui-lo até o encontro de seus colegas, onde foram preenchidos os autos de infração de trânsito dos dois veículos envolvidos.

O crime de abuso de autoridade ficou evidenciado pelo boletim de ocorrência (fls. 07/08), pelos autos de infração de trânsito (fl. 37), bem como pelos depoimentos colhidos em fases policial e judicial.

No tocante à autoria, o réu declarou que após o veículo da vítima Edson cortar sua frente, comunicou-se com a guarnição, a fim de preencher uma ficha, sendo tal procedimento usual. Enquanto conversava com Edson, a vítima Henri se queixou que os veículos de ambos estariam obstruindo a estrada, o que segundo o acusado não era verdade. O policial, então, teria advertido que quem estava errado era a própria vítima, uma vez que levava passageiros em excesso em seu veículo. Após o ocorrido, o réu disse que seguiu para a cidade, sem conduzir ninguém até a guarnição com a qual se comunicou. Porém, os veículos seguiram-no e encontraram a viatura, momento em que foram autuados (fl. 53).

Edson José Schuh contou que após o acusado tentar ultrapassá-lo em momento inoportuno, acabou por cortar a frente do policial, que se irritou e parou seu veículo, dizendo que ia multá-lo e solicitando a Brigada uma viatura, que não compareceu ao local. Enquanto isso, chegou a vítima Henri, que pediu aos dois que retirassem seus veículos, a fim de desobstruir a passagem, momento em que o réu “encrencou” por excesso de passageiros no carro de Henri. O policial obrigou as vítimas a segui-lo até o local onde “havia uma viatura e dois policiais esperando-os para multá-los” (fl. 51).

Henri Brouwers contou que estava na sua propriedade quando encontrou dois veículos obstruindo a estrada, pedindo aos motoristas que os retirassem, “ocasião em que o réu disse que teria antes que terminar o que estava conversando com Edson Schuh. Disse ao depoente que iria autuá-lo caso não o seguisse até a cidade, quando foi multado.... o réu disse que se o depoente não o seguisse ‘ iria ver o que aconteceria depois, porque estava de marcação’” (fl. 47).

Suzete Gonçalves Brouwers ratificou o depoimento de seu marido no sentido de que o acusado impediu a passagem, alegando que quem mandava no local era ele. Acrescentou que “o réu se identificou como policial, obrigando o automóvel da depoente, assim como de Edson Schuh a seguirem-no até a cidade, ocasião em foram multados” (fl. 49).

No mesmo diapasão as declarações de Felipe Gonçalves Brouwers (fls. 50)

O policial militar Valtair Godói da Silva relatou que se deslocou ao encontro dos veículos com infrações de trânsito, uma vez que o réu havia comunicado a sala de operações. Não sabe se as vítimas estavam seguindo o réu, já que todos chegaram juntos ao local onde estava a viatura. Atuaram os motoristas dos veículos porque Edson Schuh estava sem o cinto enquanto Henri trafegava com excesso de passageiros (fl. 52).

Conforme examinado, com exceção do relato do denunciado, os depoimentos são coerentes e harmônicos no sentido de que o réu atentou contra a liberdade de locomoção das vítimas, sendo a prova suficiente para ensejar um decreto condenatório.

A negativa do réu, além de insulada nos autos, mostra-se inverossímil, pois certo que se o policial realmente não tivesse obrigado as vítimas a segui-lo, estas não iriam por vontade própria ao encontro da guarnição, para justamente serem autuadas, tampouco deixariam de sanar as irregularidades ditas verificadas pelo réu.

E nem se diga que ele agiu no estrito cumprimento de suas funções. A prova revela que ele agiu com arbitrariedade porque ele não poderia obrigar as vítimas a segui-lo, pelo simples fato de estas não terem cometido nenhum delito, mas, quiçá, eventual infração administrativa.

Para a configuração do delito em tela, é necessário que a autoridade restrinja, sem respaldo legal e com a intenção de abusar do poder, a liberdade de locomoção das vítimas, atingindo, assim, o direito fundamental de ir e vir, previsto no artigo 5º, inciso XV, da Constituição, in verbis: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens”. Portanto, à autoridade é vedado restringir a liberdade do indivíduo de ir e vir sem o devido respaldo legal, abusando do poder que lhe é conferido.

Ressalto que no presente caso ficou perfeitamente demonstrada a conduta típica do réu, que mesmo fora do exercício de sua função de policial militar, invocou sua autoridade para obrigar as vítimas a segui-lo até a viatura policial para serem autuadas, tudo em razão de pequeno incidente de trânsito, ocorrido no interior de uma propriedade rural.

Impõe-se, assim, a confirmação da sentença condenatória lavrada pela Dra. Vanessa Lima Medeiros.

Voto, então, no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a sentença condenatória por seus próprios e jurídicos fundamentos.


Dr.ª Ângela Maria Silveira (REVISORA) - De acordo.
Dr. Alberto Delgado Neto - De acordo.

DR.ª ÂNGELA MARIA SILVEIRA - Presidente - Recurso Crime nº 71001686237, Comarca de Giruá: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO A SENTENÇA CONDENATÓRIA."

Juízo de Origem: 2 VARA GIRUÁ - Comarca de Giruá





Comentário
A partir da análise do caso em questão, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, é possível verificar a ocorrência de crime de abuso de autoridade; o qual foi praticado por policial militar, mesmo este estando fora de exercício de suas funções.

O crime de abuso de autoridade verificou-se no fato de o policial, a pretexto do poder que lhe é conferido pela sua função, ter obrigado os representados pelo Ministério Público a seguirem-no até a guarnição para serem autuados, sem respaldo legal para tal. Dessa forma, conforme o artigo 3, alínea “a” da Lei n. 4898/1965, cometeu abuso de autoridade por ter atentado à liberdade de locomoção, o qual se verifica como um direito fundamental do cidadão assegurado pela Constituição Federal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário