quinta-feira, 1 de abril de 2010

Abuso de Autoridade +

ALUNO: FRANCINE TOLEDO BENTO PEREIRA

PESQUISA DE JURISPRUDÊNCIA

Dados do acórdão
Classe: Apelação Criminal
Processo: 2000.023932-1
Relator: Irineu João da Silva
Data: 25/06/2002
Apelação criminal n. 00.023932-1, de Santa Cecília.

Relator: Des. Irineu João da Silva.

EMENTA: TORTURA (LEI N. 9.455/97) - ABUSO DE AUTORIDADE (LEI N. 4898/65) - LESÕES CORPORAIS (ART. 129, DO CP) - DISTINÇÃO - ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU - RECURSO DA ACUSAÇÃO - PROVA - PALAVRAS DO OFENDIDO - TESTEMUNHAS - ÁLIBI INSUBSISTENTE - PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS - CONDENAÇÃO.

Não é toda a conduta que produz sofrimento psíquico ou físico que implica a configuração do crime previsto no art. 1º, da Lei n. 9.455/97, mas somente aquela que, diante das circunstâncias fáticas, amolde-se à idéia de intensidade inerente ao conceito comum de tortura.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal n. 00.023932-1, da comarca de Santa Cecília (Vara Única), em que são apelantes a Justiça Pública, por seu Promotor, e o Assistente do Ministério Público, sendo apelado Antônio Rogério Ribeiro.

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, para condenar Antônio Rogério Ribeiro ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, mais a perda do cargo público exercido e a interdição para o exercício de cargo, função ou emprego público pelo dobro do prazo da pena aplicada.

Os autos indicam que, em 07.08.1998, por volta das 23h00minn, o apelado, no exercício de suas funções de Delegado de Polícia, a pretexto de cumprir investigação sobre alegada briga de casais, ingressou na residência de Aurino Alves de Oliveira, e, encostando uma arma no pescoço da vítima, realizou busca pessoal, não logrando encontrar nenhum objeto ilícito. Ato contínuo, o apelado deu voz de prisão à vítima, levando-a até o destacamento da Polícia Militar, onde, mediante empurrões e agressões com cacetete, levou-a à garagem, para, em seguida, desferir, por todo o corpo do preso, vários golpes com um cacetete, até que este não mais conseguisse ficar de pé. Neste instante, na seqüência de seu mister criminoso, ele algemou Aurino e o pendurou, continuando a desferir vários golpes de cacetete nas costas e nádegas deste, causando-lhe intenso sofrimento físico e psíquico. Finda a sessão de agressões, o denunciado ordenou que a vítima saísse do local, pedisse desculpas aos outros policiais, que estavam dentro do destacamento, e retornasse à sua casa.

No tocante à conduta realizada contra a Aurino Alves de Oliveira, o apelado, interrogado na fase policial, disse, em síntese, que estava sofrendo uma perseguição política, afirmando que, em relação a Aurino, apenas foi até a residência dele para apurar um chamado relativo a uma briga doméstica e que o alegado ferimento decorreu de um tombo que a vítima sofreu ao sair de casa; assinalou, inclusive, que tentou segurá-lo para que não caísse, acabando por rasgar a camisa do pretenso ofendido (fls. 74/84). Em juízo, manteve a sua versão (fls. 181/182).

[análise de provas testemunhais e laudo pericial certificando que Aurino Alves de Oliveira foi realmente agredido.]

Ora, todo esse conjunto de provas indica que, ao contrário do alegado pela defesa, houve, sim, a prática da sessão de tortura a que foi submetido Aurino Alves de Oliveira, incidindo, assim, o tipo penal previsto no art. 1o, §1o, da Lei n. 9.455/97, in verbis: Art. 1º. Constitui crime de tortura: (..) quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

No caso em tela, conquanto violenta e danosa a conduta realizada, ela não chega a configurar o intenso sofrimento psíquico ou físico necessário à configuração do crime de tortura. Ora, sendo um crime doloso, o delito de tortura, previsto no art. 1o, da Lei n. 9455/97, exige, necessariamente, não apenas a ciência do agente de que sua conduta impõe um elevado sofrimento à vítima (elemento cognitivo), mas também a vontade de produzir esta dor, moral e física (elemento volitivo). Em relação a este fato, não há indicativos de que fosse essa a intenção do agente e nem de que sua atitude tenha produzido a dor moral característica daquilo que se entende como tortura.

Embora reprovável a conduta do agente, as provas não indicam que ele quisesse impor sofrimento intenso às vítimas, mas apenas que houve um claro excesso - ainda que grave - no seu proceder, o que poderia, se não ocorrida a prescrição da pretensão punitiva, configurar o abuso de autoridade, consubstanciado na incidência da alínea (i) do art. 3º da Lei n. 4898/65, vale dizer, atentado à incolumidade física do indivíduo, cumulado com o crime de lesões corporais leves, previsto no art. 129, do CP.

Não é demais lembrar que, em tese, todas as condutas típicas produzem, em maior ou menor grau, certa dor psíquica à vítima; porém, isso não implica que, associada a qualquer prática delitiva, haja, também, a realização da tortura.

Como bem salientado pela doutrina:

"Não obstante procure atingir um número limitado de situações, o processo de tipificação mostra-se defeituoso diante da impossibilidade de reduzir a infinita gama de atos humanos em fórmulas estanques. Por tal motivo, o processo legislativo de tipificação é realizado de forma abstrata, alcançando também o que Engish chama de casos anormais. A imperfeição do trabalho legislativo faz com que possam ser consideradas formalmente típicas condutas que, na verdade, deveriam estar excluídas do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal" (Maurício Antônio Ribeiro Lopes, O Princípio da Insignificância no Direito Penal, SP: RT, 1997, p.62)

5. Por tudo isso, diante dos fatos cometidos, o apelo deve ser provido para condenar Antônio Rogério Ribeiro por infração ao disposto no art. 1o, §1o, da Lei n. 9455/97, c/c art. 1o, §4o, I, do mesmo diploma legal, e art. 129, quatro vezes, na forma do art. 71, ambos do CP.

Diante do exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento parcial, para condenar Antônio Rogério Ribeiro ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, mais a perda do cargo público exercido e a interdição para o exercício de cargo, função ou emprego público pelo dobro do prazo da pena aplicada.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Ex.mo. Sr. Des. Sérgio Baasch Luz, e lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Ex.mo. Sr. Luiz Fernando Sirydakis.

Florianópolis, 25 de junho de 2002.
Maurílio Moreira Leite
PRESIDENTE C/ VOTO
Irineu João da Silva
RELATOR

Comentários: No presente acórdão, o julgador questiona quando uma conduta violenta e danosa pode ser configurada como crime de tortura, já que em tese, “todas as condutas típicas produzem, em maior ou menor grau, certa dor psíquica à vítima; porém, isso não implica que, associada a qualquer prática delitiva, haja, também, a realização da tortura”. Para o relator, no caso em tela, não temos a intensidade de sofrimento suficiente para a configuração do crime de tortura. Ainda sobre o mesmo questionamento, o relator critica o modo do processo legislativo de tipificação da lei, que abre uma infinita gama de atos humanos capazes de serem configurados no tipo legal, sem, no entanto, configurarem o crime de tortura tal como ele é.

Referência: http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acpesquisa!pesquisar.action?qTodas=&qFrase=Apela%E7%E3o+criminal+n.+00.023932-1&qUma=&qNao=&qDataIni=02%2F02%2F1990&qDataFim=31%2F12%2F2002&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=Irineu+Jo%E3o+da+Silva&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=0000CC&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10

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