segunda-feira, 5 de abril de 2010

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cadêmico: João Clemente Wuerges

Das leis de abuso de autoridade e tortura (Lei n. 4.898/65 e Lei n.º 9.455/97)


Certo é que o intenso sofrimento, físico ou mental, previsto pelo artigo 1º, da Lei n 9.455 – a lei de tortura – deve ser considerado como sendo um sofrimento além do suportável no que diz respeito à materialidade da conduta. Contudo, é certo também que os tribunais vêm sendo complacentes na aplicação desta lei.

Nesse sentido, segundo Rodrigo Terra, membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a “tolerância relativa à prática de tortura deriva da falta de resolução firme da sociedade civil de enfrentar o problema de violação endêmica de direitos humanos e, sobretudo, da Lei da Tortura”.

Seguem acórdãos publicados pelo nosso Tribunal:
TORTURA (LEI N. 9.455/97) - ELEMENTOS FACTUAIS QUE NÃO SE SUBSUMEM AO TIPO LEGAL - ABUSO DE AUTORIDADE CONFIGURADO (LEI N. 4898/65) - LESÕES CORPORAIS - INCAPACIDADE PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE 30 (TRINTA) DIAS NÃO DEMONSTRADA EM EXAME COMPLEMENTAR - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME PREVISTO NO CAPUT DO ART. 129, DO CP, EM CONCURSO MATERIAL - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - REFORMA DA REPRIMENDA, DE OFÍCIO - RECURSO DESPROVIDO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, NA FORMA RETROATIVA DECLARADA, DE OFÍCIO.

Não é toda a conduta que produz sofrimento psíquico ou físico que implica a configuração do crime previsto no art. 1º, da Lei n. 9.455/97, mas somente aquela que, diante das circunstâncias fáticas, amolda-se à idéia de intensidade inerente ao conceito comum de tortura.

Responde pelo delito do art. 3º, “i”, da Lei n. 4.898/65 a autoridade policial que fisicamente agride elemento detido (TACRIM - SP - AC - Rel. Cunha Camargo JUTACRIM 43/172) (Apelação Criminal n. 2003.029651-4, Rel. Irineu João da Silva, j. em 27/04/2004) [não grifado no original]
TORTURA (LEI N. 9.455/97) - ABUSO DE AUTORIDADE (LEI N. 4898/65) - LESÕES CORPORAIS (ART. 129, DO CP) - DISTINÇÃO - ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU - RECURSO DA ACUSAÇÃO - PROVA - PALAVRAS DO OFENDIDO - TESTEMUNHAS - ÁLIBI INSUBSISTENTE - PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS - CONDENAÇÃO.

Não é toda a conduta que produz sofrimento psíquico ou físico que implica a configuração do crime previsto no art. 1º, da Lei n. 9.455/97, mas somente aquela que, diante das circunstâncias fáticas, amolde-se à idéia de intensidade inerente ao conceito comum de tortura (Apelação Criminal n. 2000.023932-1, Rel. Irineu João da Silva Data, j. em 25/06/2002).
Consoante o disposto nos incisos I e II do art. 1º da Lei n. 9.455/97, para a caracterização do crime de tortura exige-se do agente dolo específico, ou seja, a intenção de proporcionar à vítima "intenso sofrimento físico ou mental". Sem a existência desse dado anímico, a figura da tortura não se completa do ponto de vista típico, embora possa dar origem a fato criminoso de diversa qualificação jurídica (FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 117).

O denominado “intenso sofrimento” é aquele que excede os limites do suportável diante das condições pessoais de cada vítima. Trata-se de termo impreciso e vago, exigindo o complemento valorativo do magistrado à luz do caso concreto.

No presente caso, há elementos de provas suficientes que atestam a autoria delitiva, bem como o emprego de violência física perpetrada contra civis suspeitos de participação de infração penal. Contudo, referida prova encartada nos autos revela que a ação policial subsume-se ao delito de abuso de autoridade previsto na Lei n. 4.898/65, decorrente de excesso na execução de medida de força, produtora de ofensa à incolumidade física do indivíduo (art. 3º, “i”), e não crime de tortura praticada em plena via pública por policiais militares (Apelação Criminal n. 2009.020506-1, Rel. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. em 14/08/2009). [não grifado no original]
Ainda sobre o tema, do STJ:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ABUSO DE AUTORIDADE E TORTURA. POLICIAIS.

I - Policiais que, nos limites do exame em sede de writ, cometendo abuso de autoridade e tortura, aterrorizando, inclusive, a vítima a ponto de se exigir escolta policial, evidenciam, tais policiais, periculosidade a justificar a segregação antecipada.

II - Estando fundamentada a decretação, a primariedade e outros dados pessoais perdem, no plano da prisão ad cautelam, relevância em detrimento dos interesses da coletividade. Writ indeferido (Rel. Min. Felix Fischer, Julgamento: 15/12/1999, Órgão Julgador: Quinta Turma Publicação: DJ 14.02.2000).

Ressalta-se que os crimes de tortura e abuso de autoridade admitem concurso formal. Imagine-se, por exemplo, o crime de tortura acometido quando do abuso da autoridade policial.

Segue julgado a respeito:

As condutas dos acusados: de prenderem a vítima sem ordem judicial e sem flagrante e atentarem, no momento das suas prisões, contra a sua incolumidade física já são suficientes para a caracterização do abuso de autoridade. Ressalte-se que a vítima relatou e testemunhas confirmaram que todos os acusados participaram dos fatos.

A tortura se deu no trajeto até a delegacia, sob os olhos do povo, e parte dela, no interior da delegacia, sempre com relatos de participação de todos os acusados. Enquanto uns seguravam a vítima, os outros lhe aplicavam socos e pontapés (Processo n. 136/2002, Sentença prolatada pela Dra. Juíza de Direito Lúcia de Fátima Silva, São Bernardo, MA).

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