quinta-feira, 8 de abril de 2010

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FILIPE AUGUSTO COSTA FLESCH



Dados do acórdão
Classe: Apelação Criminal
Processo: 2009.055269-2
Relator: Irineu João da Silva
Data: 19/03/2010



Apelação Criminal n. 2009.055269-2, de Campos Novos

Relator: Des. Irineu João da Silva


ABUSO DE AUTORIDADE (ART. 3º, "I", DA LEI N. 4.898/65) E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339 DO CÓDIGO PENAL). PRELIMINAR. AFASTAMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ILÍCITOS EM CONCURSO MATERIAL QUE, SOMADOS, ULTRAPASSAM O LAPSO TEMPORAL PREVISTO NO ART. 61 DA LEI N. 9.099/95. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DO OFENDIDO CONVERGENTE COM A PROVA TESTEMUNHAL, BEM COMO COM AS CONCLUSÕES DOS EXAMES PERICIAIS. POLICIAIS MILITARES QUE, DOLOSAMENTE, AGRIDEM VÍTIMA ALGEMADA, CAUSANDO-LHE OFENSAS FÍSICAS PELO EMPREGO DE GOLPES DE CASSETETE E CORONHADAS NOS GENITAIS. ELEMENTARES DO ABUSO DE AUTORIDADE CARACTERIZADAS. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. REGISTRO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA, CONFECÇÃO DE AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E POSTERIOR INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL POR CRIMES QUE OS RÉUS SABIAM SER A VÍTIMA INOCENTE. INFRAÇÃO PENAL DO ART. 339 DO CÓDIGO PENAL PATENTEADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.055269-2, da comarca de Campos Novos (Vara Criminal), em que são apelantes Anderson Murilo Petrikoski e Cleiton José Vieceli, e apelada a Justiça Pública, por seu promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO


O representante do Ministério Público oficiante na Vara Criminal da Comarca de Campos Novos ofereceu denúncia contra Anderson Murilo Petrikoski e Cleiton José Vieceli, como incursos nas sanções dos arts. 339, "caput", e 342, "caput", ambos do Código Penal, bem como do art. 4º, "a", da Lei n. 4.898/65, pelos seguintes fatos descritos na proemial acusatória (fls. I/III):


No dia 24 de outubro de 2006, por volta das 11h30min, na Rua Juvelino Fernandes, Bairro Aparecida, na Cidade de Campos Novos, os denunciados CLEITON JOSÉ VIECELI e ANDERSON MURILO PETRIKOSKI, Policiais Militares em atuação no Grupo de Resposta Tática, avistaram Nilson dos Santos Souza, de alcunha "Queixo", conduzindo o automóvel VW/Logus, placas LZL 9609.


Neste momento, sabendo que "Queixo" não possuía carteira de habilitação, os denunciados passaram a persegui-lo com a viatura policial, permanecendo o denunciado ANDERSON ao volante.


Em determinado momento da perseguição, quando conseguiu aproximar a viatura do policial do automóvel de "Queixo", que se recusava a atender a ordem de parada, o denunciado ANDERSON passou a bater seguidamente a viatura na traseira do carro perseguido, fazendo com que este perdesse o controle, acabando por colidir com o automóvel VW/Fusca, placas final 2423, que estava estacionado.


Ato contínuo, Nilson dos Santos Souza conseguiu se evadir novamente, rumando em direção à sua residência, onde abandonou o automóvel que guiava e entrou rapidamente no imóvel.


Neste momento, os denunciados ANDERSON e CLEITON, que continuavam em perseguição a "Queixo", invadiram a sua residência e passaram a espancá-lo violentamente, provocando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito de fl. 21.


Depois de prenderem Nilson e de levarem-no até a Delegacia de Polícia, os denunciados registraram contra ele boletim de ocorrência, imputando-lhe falsamente a prática dos crimes de desacato, resistência e ameaça, que sabiam que ele não havia cometido, dando causa à instauração de inquérito policial e ação penal n. 014.06.005159-4.


Por fim, durante a instrução do processo criminal, os denunciados prestaram falso testemunho em Juízo, quando afirmaram que Nilson foi quem provocou a colisão contra o automóvel VW/Fusca e, depois, ao dar marcha-ré, bateu contra a viatura.


Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada parcialmente procedente, para condenar os réus ao cumprimento da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) mês de detenção, em regime semi-aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor de 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65 e art. 339, "caput", do Código Penal, restando absolvidos do ilícito previsto no art. 342, "caput", do Estatuto Repressivo (fls. 264/293).


Inconformados com a prestação jurisdicional, os acusados apelaram, requerendo, em preliminar, a incompetência da Justiça Comum para processar e julgar o delito de abuso de autoridade, por ser de menor potencial ofensivo, e, no mérito, a absolvição, ao argumento de insuficiência de provas para condenação (fls. 299/306).


Com as contra-razões (fls. 307/319), nesta Instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Paulo Roberto Speck, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 337/352).
[...]

No mérito, os elementos probatórios amealhados no decurso da instrução processual convencem da responsabilidade criminal dos denunciados pela prática dos delitos de abuso de autoridade e denunciação caluniosa.


A materialidade está calcada nos boletins de ocorrência (fls. 4 v. e 17), no auto de prisão em flagrante (fls. 6/13), no termo de exibição e apreensão (fl. 16), na ficha de ocorrência da polícia militar (fls. 18/19 v.), auto de resistência à prisão (fl. 20), no exame de corpo de delito (fl. 21) e na cópia dos autos n. 014.06.005159-4 (fls. 49/99).


A autoria, embora negada pelos réus, vem confortada pelo relato da vítima e através dos depoimentos das testemunhas presenciais dos fatos.
[...]

O que exsurge do contexto das provas é que, na residência da genitora do ofendido, os acusados dolosamente abusaram de sua autoridade, agredindo a vítima, saliente-se, algemada, e submetendo-a à prisão, sem que ela esboçasse resistência, e que apreenderam duas facas, utilizadas por familiares do ofendido no desjejum, com o duplo propósito de legitimar a criminosa atuação policial, construindo uma inexistente situação de legítima defesa, e de ensejar a persecução criminal por delitos que sabiam não ter ele perpetrado.


Não satisfeitos, novamente praticaram agressões contra o ofendido, fato ocorrido durante o percurso até a delegacia de polícia, e evidenciado pelo atraso da viatura em chegar com o preso à referida repartição.


As conclusões do douto sentenciante foram precisas (fls. 281/282):


Não bastassem as agressões que a vítima sofreu ao ser algemada, emergem dos autos evidências contundentes de que voltou a ser agredida quando estava contida na viatura, a caminho da Delegacia de Polícia Civil.


Os elementos circunstanciais demonstraram que a viatura demorou tempo além do normal no trajeto entre a casa onde ocorreu a prisão e o Departamento Policial.

Comentário:

O crime de abuso de autoridade tem caráter subsidiário, só devendo ser aplicado em casos especiais, em que nenhum tipo penal abarca completamente a conduta realizada pelo agente. No caso ora em questão, conclui-se dos autos que o sofrimento da vítima não foi intenso, o que descaracterizaria o crime de tortura. Apesar de ser um caso em que não há somente uma resposta certa, pois qualquer uma das 3 teses é passível de defesa - tortura, lesão corporal e abuso de autoridade - entendo que no caso concreto devesse ser aplicado o art. 129 caput do CP, ou seja, crime de lesão corporal.

xxxx

FILIPE AUGUSTO COSTA FLESCH

Dados do acórdão
Classe: Apelação Criminal (Réu Preso)
Processo: 2009.054039-8
Relator: Rui Fortes
Data: 22/02/2010


Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.054039-8, de Herval D oeste

Relator: Des. Rui Fortes


APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE TORTURA NA MODALIDADE "CASTIGO" - DELITO PRATICADO PELO

PADRASTO CONTRA O ENTEADO - INTELIGÊNCIA DO ART. 1º, II, C/C O § 4º, II, DA LEI 9.455/97 - ALMEJADA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE "MAUS-TRATOS" OU "LESÕES CORPORAIS" - IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - MENOR SUBMETIDO A INTENSO SOFRIMENTO FÍSICO E MENTAL - RECURSO DESPROVIDO.


CRIME DE TORTURA - CONDENAÇÃO DA GENITORA DA VÍTIMA NA MODALIDADE OMISSIVA - EXEGESE DO ART. 1º, C/C OS §§ 2º E 4º, II, DA LEI N. 9.455/97 - INÉRCIA QUANTO AO DEVER DE AGIR PARA EVITAR OS ABUSOS COMETIDOS PELO SEU COMPANHEIRO CONTRA O FILHO MENOR DE IDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - DEVER DE ZELO E PROTEÇÃO - ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL - PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA - REDUÇÃO DO QUANTUM - ADEQUAÇÃO À SITUAÇÃO FINANCEIRA DA RÉ - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.


DOSIMETRIA DA PENA - ELEVAÇÃO DA REPRIMENDA DEVIDO À PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS E AGRAVANTE, QUE ORA SE CONFUNDEM COM ELEMENTARES DO CRIME, ORA SE CONFUNDEM COM CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA - PRESENÇA DE BIS IN IDEM - ADEQUAÇÃO DA PENA EX OFFÍCIO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.054039-8, da comarca de Herval D oeste (Vara Única), em que são apelantes Nilson de Andrade e Sueli Terezinha Alves, e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso de Nilson de Andrade; prover parcialmente o recurso de Sueli Terezinha Alves; e, ex officio, adequar as penas de ambos os réus. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO


O representante do Ministério Público, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia contra Nilson de Andrade, dando-o como incurso nas sanções do art. 1º, II e § 4º, II, da Lei n. 9.455/97, c/c o art. 147 do CP, e contra Sueli Terezinha Alves, dando-a como incursa nas sanções do art. 1º, §§ 2º e 4º, II, da Lei n. 9.455/97, c/c o art. 13, § 2º, a, do CP, em razão dos fatos assim descritos na inicial acusatória, in verbis:


(...)


Consta no presente Inquérito Policial que no dia 10 de agosto de 2008, em horário que a instrução poderá precisar, no interior de sua residência localizada na Rua Daniel Guiggi, s/n, Bairro São Jorge, neste município de Herval d´Oeste, Nilson de Andrade, ora denunciado, submeteu seu enteado, William Alves (nascido em 5 de janeiro de 1998), bem como suas filhas Vanessa Alves de Andrade (nascida em 30 de novembro de 2000) e Karen Cristina Alves de Andrade (nascida em 18 de setembro de 2003), respectivamente com sete e quatro anos de idade à época, todos sob sua guarda, a intenso sofrimento físico, como forma de lhes aplicar castigo corporal, por ficar contrariado com as brincadeiras típicas de idade, que as crianças faziam entre si.


Naquela data, munido de uma vara de madeira, o denunciado desferiu vários golpes em todo o corpo das vítimas, notadamente em William, provocando os ferimentos descritos nos laudos de fls. 24-26 e fotografado às fls. 7-10.


Ainda, em data e horário que a instrução poderá precisar, mas durante o mês de abril de 2008, o denunciado submeteu seu enteado William Alves a intenso sofrimento físico, como forma de lhe aplicar castigos corporais, também contrariado com as brincadeiras das crianças, desferindo-lhe golpes com vara de madeira, chegando, inclusive, a cravar um pedaço da vara, que havia se partido, na perna do menor. Diante de tal ferimento, foi necessária a intervenção médica, vez que William recebeu sete pontos no local e ficou internado por alguns dias.


Na oportunidade, o denunciado coagiu William a dizer aos médicos que o ferimento foi causado por uma queda, ameaçando causar-lhe mal injusto e grave caso contasse a verdade sobre a origem da lesão, dizendo que o espancaria ainda mais.


Já a denunciada Sueli Terezinha Alves, mãe das crianças vítimas, mesmo tendo plena consciência do que se passava com seus filhos, tendo o dever de protegê-los contra os atos bárbaros praticados pelo denunciado Nilson e presente nas oportunidades em que os infantes eram torturados, nada fez para evitar as torturas.


Assim agindo, o denunciado Nilson de Andrade incorreu nas sanções do 1º, II, c/c § 4º da Lei nº 9.455/97 e do art. 147, do Código Penal, enquanto a denunciada Sueli Terezinha Alves incorreu na sanção do § 2º c/c § 4º, ambos do art. 1º da Lei 9.455/97, c/c alínea "a" do § 2º do 13 do Código Penal.

[...]


Postula o apelante a desclassificação do crime de "tortura" para o delito de "maus tratos", ou, alternativamente, para "lesões corporais", ao argumento de que apenas usou dos meios de que dispunha e conhecia, para educar o enteado.


O recurso, todavia, não merece provimento.


Com efeito, a materialidade do delito encontra-se devidamente comprovada pelas fotografias (fls. 7 a 10), pelo boletim de ocorrência (fls. 22 e 23) e pelo exame de corpo de delito (fls. 24 a 26).


A autoria também está suficientemente comprovada pelos depoimentos colhidos ao longo da instrução (fls. 136 a 139 e 197 a 202), especialmente pelas palavras do menor, que claramente evidenciam a prática, pelo réu, do ilícito pelo qual restou condenado.

[...]

1. Tortura: "designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminações de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüências unicamente de sanções legítimas, ou sejam inerentes a tais sanções ou dela decorram" (Convenção da Organização das Nações Unidas, de Nova Iorque, art. 1º, 1). Preferimos, no entanto, um conceito mais abrangente, entendendo por tortura qualquer método de submissão de uma pessoa a sofrimento atroz, físico ou mental, contínuo e ilícito, para a obtenção de qualquer coisa ou para servir de castigo por qualquer razão.


(...).


7. Sofrimento físico e mental: o padecimento de um ser humano pode dar-se em nível de dor corpórea (sofrimento físico) ou de aflição e angústia (sofrimento mental).


(...).


17. Análise do núcleo do tipo: submeter significa dominar, sujeitar, dobrar resistência. O objeto é a pessoa que está sob guarda (vigilância), poder (força típica da autoridade pública) ou autoridade (força advinda de relações de mando, inclusive na esfera cível, como o tutor em relação ao tutelado, o curador em relação ao curatelado e mesmo os pais em relação aos filhos menores).


(...).


21. Castigo pessoal ou medida de caráter preventivo: essa forma é a denominada "tortura-castigo", visando a aplicação de medida repressiva ou preventiva. (...) Outro exemplo é o espancamento de crianças pequenas, realizado por pais ou outros responsáveis por sua guarda (...). (In Leis penais e processuais penais comentadas. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 734-738).


Comentário:

Apesar de em uma primeira análise ser possível confundir quando o crime cometido é tortura castigo ou lesão corporal, tais crimes não se confundem. Tortura castigo ocorre quando se submete alguém sob guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Logo, se a finalidade for de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo o crime será de tortura. Se a finalidade não for essa o crime é lesão corporal. Se o crime for praticado como um castigo, mas por quem não tem poder nem autoridade sobre a vítima o crime será de lesão corporal. Vale lembrar que, conforme o próprio tipo, para a consumação da tortura o sofrimento físico ou mental deve ser intenso.

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