quinta-feira, 8 de abril de 2010

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Jean Gomes de Mello


ALUNO: JEAN GOMES DE MELLO – MATRÍCULA: 08222044

DATA: 07.04.2010

Número do processo: 1.0024.03.147083-4/001(1) Númeração Única: 1470834-32.2003.8.13.0024 Acórdão Indexado!
Relator: BEATRIZ PINHEIRO CAIRES
Relator do Acórdão: BEATRIZ PINHEIRO CAIRES
Data do Julgamento: 14/02/2008
Data da Publicação: 12/04/2008
Inteiro Teor:
EMENTA: LITISPENDÊNCIA - INOCORRÊNCIA - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR PARA JULGAR OS RÉUS - TORTURA - ABUSO DE AUTORIDADE - CRIMES COMETIDOS POR POLICIAIS MILITARES - CONDENAÇÃO DOS RÉUS - APELAÇÕES EM SEU BENEFÍCIO - INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - INOCORRÊNCIA - INÉPCIA DA INICIAL LEVANTADA - AFASTAMENTO - NOTIFICAÇÃO PRÉVIA (CPP, ART. 514) - AUSÊNCIA - NULIDADE - ARGÜIÇÃO TARDIA - PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO - PRELIMINAR DESCONSIDERADA - PRETENSÃO PUNITIVA AFETA AO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE - PRESCRIÇÃO - DECLARAÇÃO - TORTURA - JULGAMENTO - COMPETÊNCIA - AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS - VÍTIMA - TESTEMUNHAS - PALAVRAS - VALOR - DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL LEVE - INVIABILIDADE - PERDA DE FUNÇÃO PÚBLICA - INTERDIÇÃO DE SEU EXERCÍCIO - PROVIMENTO PARCIAL DAS APELAÇÕES DOS RÉUS - REGIME PRISIONAL - PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. - Não se mostrando intempestiva a apelação movimentada pelo Ministério Público, diante de anterior recebimento de manifestação de sua lavra, como embargos declaratórios, cabe dela conhecer.- "A petição inicial só deve ser indeferida, por i-népcia, quando o vício apresenta tal gravidade que impossibilite a defesa do réu, ou a própria prestação jurisdicional" (STJ).- "Nos termos da jurisprudência desta Corte Su-perior de Justiça, a inobservância do procedimento previsto no art. 514 do CPP gera, tão-somente, nulidade relativa, a qual deve ser argüida no momento oportuno, acompanhada da comprovação de efetivo prejuízo à defesa" (STJ).- Prescrita a pretensão punitiva estatal, no que tange ao crime de abuso de autoridade, cumpre declará-la.- "Compete à Justiça Comum processar e julgar policial militar acusado de prática de crime de tortura. Essa infração não está definida como crime militar" (STJ).- Suficientemente comprovadas a autoria e a materialidade do delito de tortura, não sobra campo útil à absolvição dos réus ou à desclassificação para o crime de lesão corporal leve.- É grande o "valor do depoimento da própria ví-tima, pois ninguém melhor do que o sujeito passivo para descrever detalhadamente os suplícios a que foi submetido e os efeitos da tor-tura em relação à sua pessoa, segundo suas condições pessoais (sexo, idade, estado psíquico, saúde)" (Valéria Diez Scarance Fer-nandes Goulart).- O depoimento das testemunhas é "de grande relevância, principalmente se compatível com os vestígios encontra-dos e o relato do ofendido" (Valéria Diez Scarance Fernandes Gou-lart).- "O § 5º do art. 1º da Lei n. 9.455/97 estatui que a sentença condenatória, por tortura, desde que transitada em julga-do, acarretará a perda do cargo, função ou emprego público do a-gente público. Cuida-se, no caso, de efeito automático da condena-ção, não dependente de motivação ou do tempo de duração da con-denação" (Alberto Silva Franco). O mesmo ocorre em relação à pena acessória de interdição para o exercício de cargo, função ou empre-go público.- "O § 7º do art. 1º da Lei n. 9.455/97 determina que o regime inicial referente à pena reclusiva aplicada ao autor das diversas modalidades de tortura, exceção feita à hipótese do § 2º do art. 1º, deverá ser o regime fechado. A linguagem adotada pelo le-gislador denuncia seu propósito de aplicar, na execução da pena referente à tortura, o regime progressivo, com suas três etapas" (Alberto Silva Franco).
APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0024.03.147083-4/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS PRIMEIRO(A)(S), LUIZ CLÁUDIO DE AGUIAR OLIVEIRA SEGUNDO(A)(S), WILSON ANTÔNIO TEIXEIRA TERCEIRO(A)(S), EDSON OLIVEIRA DA SILVA QUARTO(A)(S), EDER RODRIGUES SOARES QUINTO(A)(S) - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, LUIZ CLÁUDIO DE AGUIAR OLIVEIRA, WILSON ANTÔNIO TEIXEIRA, EDSON OLIVEIRA DA SILVA, EDER RODRIGUES SOARES - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. BEATRIZ PINHEIRO CAIRES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR AS PRELIMINARES. DAR PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS DEFENSIVOS PARA JULGAR EXTINTA A PUNIBILIDADE FACE AO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. DAR PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL PARA MODIFICAR O REGIME PRISIONAL. MANDADOS DE PRISÃO.
Belo Horizonte, 14 de fevereiro de 2008.
DESª. BEATRIZ PINHEIRO CAIRES - Relatora
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13/12/2007
2ª CÂMARA CRIMINAL
ADIADO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0024.03.147083-4/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, LUIZ CLÁUDIO DE AGUIAR OLIVEIRA, WILSON ANTÔNIO TEIXEIRA, EDSON OLIVEIRA DA SILVA, EDER RODRIGUES SOARES - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, LUIZ CLÁUDIO DE AGUIAR OLIVEIRA, WILSON ANTÔNIO TEIXEIRA, EDSON OLIVEIRA DA SILVA, EDER RODRIGUES SOARES - RELATORA: EXMA. SRª. DESª. BEATRIZ PINHEIRO CAIRES
Produziu sustentação oral pelo quinto apelante, Éder Rodrigues Soares, o Doutor Marcelo Peixoto Melo.
A SRª. DESª. BEATRIZ PINHEIRO CAIRES
Como de costume, estive atenta à sustentação oral posta da tribuna, pelo Doutor Marcelo Peixoto Melo, que soube bem reproduzir os fundamentos de seu recurso e trouxe também uma preliminar.
Diante dos fundamentos trazidos, PEÇO VISTA para reexame. Fiz algumas anotações no voto que trago escrito. A hipótese dos autos é intrincada, a prova, examinei-a com cuidado e vou reexaminá-la. Trarei meu voto na próxima sessão, inclusive quanto à preliminar.
SÚMULA: PEDIU VISTA A RELATORA, APÓS SUSTENTAÇÃO ORAL.
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NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, por Éder Rodrigues Soares, o Dr. Marcelo Peixoto Melo.
O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES
O julgamento deste feito foi adiado na Sessão do dia 13/12/2007, a pedido da Relatora, após sustentação oral.
Com a palavra a Desª. Beatriz Pinheiro Caires.
A SRª. DESª. BEATRIZ PINHEIRO CAIRES
VOTO
Os 2º, 3º, 4º e 5º apelantes, policiais militares, foram denunciados pelo Ministério Público por alegada prática dos crimes de tortura (Lei n. 9.455/97, art. 1º, inciso II), com penas merecedoras de acréscimo (§§ 3º e 4º), e de abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65, arts. 3º, alínea "a", e 4º, alínea "h"), em concurso material (f. 2-5).
Foram todos condenados (f. 260-274) e, por isso, recorreram (f. 282, 286 e 287), também o fazendo o Ministério Público (f. 278), buscando alteração no regime prisional a eles imposto (f. 298-304). Aqui, a destempo, consoante manifestações de f. 313-314, 320 e 325-326.
Sem razão, a meu ver, parecendo-me razoável que, diante dos dizeres do art. 1º, § 7º, da Lei n. 9.455/97, o Ministério Público entendesse ter ocorrido mero erro material (f. 275) ao tempo da fixação do inicial regime semi-aberto para os réus (f. 270, 271, 273 e 274), o que restou afastado pelo ilustre sentenciante a quo (f. 275 verso).
Num quadro tal, em nada espanta a solicitação de f. 276, recebida como embargos declaratórios, rejeitados (f. 277), indo o processo ao Ministério Público em 31 de março de 2006 (f. 277) e, na mesma data, sendo ofertada apelação (f. 277 verso e 278).
Não me parece, assim, extemporâneo o inconformismo da acusação (f. 278), ao que dele conheço, o mesmo fazendo em relação aos dos réus (f. 282, 286 e 287), por entender presentes os pressupostos de admissibilidade a tanto necessários.
Aqui, no dizer da inicial, em 2 de fevereiro de 2003, Renato Lucas Nobre Matias teria sido abordado pelos réus, quando transitava sozinho no pátio do conjunto residencial onde morava, sendo-lhe perguntado onde estariam "os meninos que haviam descido correndo".
Ao dizer que não sabia, fora, de pronto, algemado. Comparecendo sua mãe (Iolanda da Silva Nobre) ao local, acabara violentamente empurrada, caindo ao solo, sofrendo escoriações nos braços e pernas e desfalecendo - abuso de poder.
Na seqüência, Renato Lucas teria sido levado a um local ermo e, ainda algemado, recebera golpes com bastão de madeira, especialmente nas costas, nádegas e pernas, vindo a sofrer fratura no braço direito, a par de que, em sua cabeça, fora colocado saco plástico, em tentativa de asfixiá-lo. Caindo ao solo, restara pisoteado no pescoço, daí advindo várias escoriações no rosto - tortura.
Desesperado, se disse menor, sendo então encaminhado à DOPCAD, onde, a um detetive, revelou a idade real (18 anos), sendo conduzido à Seccional Centro.
De sua parte, necessitando os policiais de motivo justificador da condução de Renato àquela repartição, a solução encontrada fora a de forjar flagrante de uso de entorpecentes, com utilização de buchas de maconha que, em verdade, estariam sob sua posse, de tudo lavrando-se boletim de ocorrência de falso conteúdo.
No mais, cessada a tortura, a vítima em apreço teria sido orientada a dizer que caíra de um barranco ao ser presa (f. 2-5).
Com base nisso, os réus falaram em inépcia da peça exordial, porque, em suma, não teria individualizado a atuação de cada um (f. 348-349, 367-369, 385-389 e 425-426).
A propósito, de lição de João Mendes de Almeida Júnior (O Processo Criminal Brasileiro, Editora Freitas Bastos, 1959, p. 183), extrai-se que a denúncia:
"É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o maléfico que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira porque a praticou (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). (Segundo enumeração de Aristóteles, na Ética a Nicomaco, 1. III, as circunstâncias são resumidas pelas palavras quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando, assim referidas por Cícero (De Invent, I)). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes " .
Se assim é - e disso não se duvida -, até mesmo uma singela leitura do teor da inicial é suficiente a guarnecer a certeza de que os requisitos de ordem formal e material da acusação foram observados, com atenção aos dizeres do art. 41 do Código de Processo Penal e de molde a nada prejudicar a oferta de defesas - sempre bem estruturadas - e a vinda de sentença, dentre tantos outros atos processuais.
Daí, estar assente:
"A petição inicial só deve ser indeferida, por inépcia, quando o vício apresenta tal gravidade que impossibilite a defesa do réu, ou a própria prestação jurisdicional" (STJ, REsp n. 193.100/RS, DJU de 4.2.2002, p. 345).
Rejeito, por conseguinte.
Noutro giro, refere-se a defesa de Éder Rodrigues Soares a ter sofrido cerceamento, decorrente da não observância dos dizeres do art. 514 do Código de Processo Penal, ao que se faria de mister a declaração da nulidade de todos os atos praticados após o oferecimento da denúncia, dada a ausência da notificação prévia para a apresentação de defesa preliminar (f. 389-391, TJ).
Sobre o tema, mostra-se oportuna a motivação expendida pelo culto sentenciante de 1º grau, ao lembrar que o crime de tortura não é afiançável nos exatos termos da lei, enquanto o de abuso de autoridade disporia de procedimento próprio que não prevê tal fase processual, tendo sido, ademais, absorvido pelo procedimento do delito de tortura (f. 261-262).
De lição de José Geraldo da Silva, Wilson Lavorenti e Fabiano Genofre (Leis Penais Especiais Anotadas, Editora Millennium, 4ª edição, 2003, p. 135), é dado aprender:
"A matéria encontra-se sedimentada no art. 5º, III, da Constituição Federal da República, que diz: 'Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante'. Diz-nos, ainda, no inciso XLIII do art. 5º, Constituição Federal/88: 'A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem'".
Mas se, ainda assim, se quisesse considerar presente uma irregularidade, não caberia olvidar:
"(...) 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, a inobservância do procedimento previsto no art. 514 do CPP gera, tão-somente, nulidade relativa, a qual deve ser argüida no momento oportuno, acompanhada da comprovação de efetivo prejuízo à defesa.
Ademais, estando a denúncia devidamente instruída com inquérito policial, torna-se dispensável a audiência preliminar do acusado, conforme o teor da Súmula 330 deste Tribunal" (STJ, Habeas Corpus n. 57.473/PI, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 12.3.2007, p. 273);
"(...) Em princípio, havendo nulidade, a parte interessada deve argüi-la na primeira ocasião em que se manifestar no processo, após o ato que a prejudica, demonstrando não aceitar o ato viciado (...) (Mirabete)" (TJMG).
A tal jaez, nunca o apelante em tela (5º) ou algum de seus companheiros questionou em torno do assunto ora enfocado, daí valer registrar:
"Não se decreta nulidade de nenhum ato processual, se dele não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa e, bem assim, se não houve influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa (arts. 563 e 566 do CPP). Compete à parte demonstrar, comprovadamente, o prejuízo que alega" (STJ, Habeas Corpus n. 15.953/SP, relator Ministro Paulo Medina, DJ de 16.8.2004, p. 284);
"Nulidade processual. Prejuízo para a defesa. Arts. 563 e 566 do Código de Processo Penal.
- Sem a prova da ocorrência de prejuízo para a acusação ou para a defesa, não se anula ato processual" (STJ; RSTJ 17/172).
Rejeito.
Finalmente, não há que se falar em litispendência, à míngua de provas suficientes de que os réus foram julgados, ou respondem a ação penal, pelos mesmos fatos junto à Justiça Militar.
De todo modo, ainda que tramitasse junto à Justiça Militar ação penal contra os réus, repetindo a presente, seria o caso de se anular o processo corrente perante a Justiça Castrense, sabendo-se que a competência para o julgamento de policial militar acusado do crime de tortura é da Justiça Comum.
Rejeito.
Quanto ao mérito, os réus entendem insuficientes ao amparo do decreto condenatório as provas aqui produzidas, destacando a inexistência de testemunhas presenciais, não sendo bastante a incriminá-los a só palavra da vítima, sobretudo quando confrontada com suas veementes recusas.
Sustentam, mais, a legitimidade de suas ações (estrito cumprimento de dever legal; Código Penal, art. 23, inciso III) e, lembrando lição de Heráclito Mossim, enfatizam que "o constrangimento com o emprego de violência física ou grave ameaça deve produzir dor na vítima", devendo tudo estar direcionado à obtenção de informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa.
Caso em que as lesões descritas em ACD não seriam típicas de tortura, mas meros arranhões e problemas oriundos da moderada força exercida sobre a vítima, para não deixá-la fugir, não se olvidando, de outro lado, o fato de nunca ter estado presente a finalidade de obter informes, confissão ou pronunciamentos de Renato Lucas.
Com isso, deveriam ser absolvidos.
Penso diferentemente, lembrando que houve testemunhas presenciais, sim, que falaram desfavoravelmente aos anseios dos acusados, no tocante às agressões impostas ao referido Renato e ao violento empurrão aplicado em sua mãe Iolanda, tudo podendo ser comprovado às f. 67-68 (em Inquérito Policial Militar), 103 e 104-105 (depoimentos prestados à Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos).
É certo que a ampla e esclarecedora narrativa de f. 104-105 (Adermo Amaro Bento) foi deixada para trás, singelamente, em juízo (f. 163), não convencendo a última, diante da riqueza de detalhes inicialmente trazidos a lume - ou, então, dita testemunha mentiu descaradamente, quando ouvida na mencionada Promotoria, onde está:
"(...) Que o declarante pôde ver pelo menos três policiais envolvidos nos fatos, estando um deles mais exaltado, a ponto, inclusive, de desferir um violento empurrão na Sra. Iolanda, quando esta tentava interceder em favor de seu filho; Que, quando a Sra. Iolanda interveio, os policiais estavam agredindo Renato a socos e cassetetadas; Que, embora bastante preocupado com a situação, mas temendo que os policiais pudessem também abusar das pessoas que testemunhavam aquelas agressões, o declarante houve por bem ir para o seu apartamento (...)" (f. 104).
Maria das Graças Ricardo também mudou - mas pouco - os dizeres iniciais, no tocante ao número de agressores, relatando que vira tudo de longe (f. 103 e 166).
Contudo nem tão longe deveria estar, pois ouvira populares pedindo "para os militares socorrerem a Sra. Iolanda", que ela teria visto sendo "violentamente arremessada na pista de rolamento da rua, o que causou-lhe várias lesões" (f. 103), tendo o agressor, ao ensejo, afirmado: "eu não sou médico" (f. 103).
Ela disse mais:
"(...) que, como as agressões se intensificaram, duraram mais de vinte minutos, a declarante ouviu alguém gritar: 'Eu tô filmando, eu tô filmando' (...)" (f. 103).
Ora, o não ser médico aparece também em declarações de Iolanda (f. 61) e, sobre a filmagem, a testemunha ouvida à f. 67 do IPM asseverou que um dos milicianos dissera: "desce aqui para filmar mais de perto!".
Assim, um ou outro "vacilo" de testemunhas, em casos como o dos autos, deve ser visto com cuidado, valendo lembrar que Renato (vítima), em juízo, relatou que duas testemunhas a ele favoráveis, por uma questão de medo, não se dispuseram a falar a respeito dos acontecimentos (f. 165).
Dessarte, em verdade, muitos a tudo assistiram, confirmados, então, dizeres dos réus quanto a ter se formado um tumulto no local (f. 71-73 e 74-75), mas, ainda que assim não fosse, haveria ainda a versão da vítima - contundente, na espécie (f. 7-8, 35-37, 58-60 e 165) -, só descartável em situações onde, justificadamente, gere dúvidas, apareça dissociada das provas, denote o vil escopo de inculpar pessoa inocente, não sendo esta a visão emergente dos autos em exame.
Confira-se, mutatis mutandis:
"Não se olvida, outrossim, o grande valor do depoimento da própria vítima, pois ninguém melhor do que o sujeito passivo para descrever detalhadamente os suplícios a que foi submetido e os efeitos da tortura em relação à sua pessoa, segundo suas condições pessoais (sexo, idade, estado psíquico, saúde). Como, na maioria dos casos, a tortura é praticada em ambientes ocultos, sem a presença de testemunhas, ao depoimento do torturado deve ser atribuído o mesmo valor que os Tribunais destinam às afirmações das vítimas de crimes sexuais" (Valéria Diez Scarance Fernandes Goulart, Tortura e Prova no Processo Penal, Editora Atlas, 2002, p. 66);
"Os crimes de abuso de autoridade, assim como os crimes contra os costumes, são geralmente cometidos às escondidas e não contam com a presença de testemunhas. Daí porque a palavra firme e coerente da vítima, em todas as oportunidades em que foi ouvida, aliada a indícios concatenados, concludentes e seguros, é prova suficiente à condenação" (TJMG; JM 146/343).
Sobre o valor do relato de testemunhas - muitos aqui, como visto -, destaco:
"Normalmente, a tortura não é praticada na presença de terceiros, mas em locais afastados ou inacessíveis ao público. Quando existentes, são familiares do ofendido, pessoas detidas na mesma oportunidade, ou pessoas que, logo após o suplício, viram os ferimentos ou ouviram o relato do torturado. Assim, o depoimento das testemunhas será de grande relevância, principalmente se compatível com os vestígios encontrados e o relato do ofendido" (Valéria Diez Scarance Fernandes Goulart, obra citada, p. 94).
Incabíveis, assim, as pretendidas absolvições e, ainda, a idéia de que tudo se fizera de molde a indicar um agir em estrito cumprimento de dever legal, a merecer o amparo do art. 23, inciso II, do Código Penal (exclusão da ilicitude), pois, verdadeiramente, o que os autos mostram, de maneira cristalina, é o exercício pelos réus de ilegalidade e brutalidade injustificáveis, a ponto de, dentro da própria esfera militar, nada ter vindo em seu favor. Ao contrário, aparece bem ilustrador do ocorrido o relatório elaborado no inquérito policial militar, desfavorável a todos eles (f. 91-97).
Suas estórias, algumas vezes contraditórias (f. 69-70 e 111; 71-73 e 113; 74-75 e 114; 76-77 e 112), não convencem em momento algum - se fossem verdadeiras, qual a razão de não ter sido lavrado Auto de Resistência?
Aconteceu, em verdade, um atentado contra a dignidade humana, que levou a vítima e sua mãe, corajosamente, a denunciá-lo, mesmo cientes do "perigo" daí decorrente, em relação a suas pessoas - a propósito, até passaram a residir em outro endereço.
Anote-se:
"A Polícia é instituída para realizar o bem comum. Devendo inspirar no homem do povo um sentimento de confiança, não de medo (...)" (TACrimSP, Apelação Criminal, relator Juiz Silva Pinto; JUTACRIM 24/433);
"O policial militar adestrado para o serviço de policiamento civil não é homem comum, devendo conhecer os direitos do cidadão e os limites de sua própria autoridade (...)" (TACrimSP, Apelação Criminal, relator Juiz Geraldo Ferrari; JUTACRIM 24/433-434);
"A tortura transcende o animus laedendi que irrompe nas situações corriqueiras da agressão entre pessoas, para, em patamar acima, significar o mais completo desprezo pela integridade do indivíduo, na culminância consciente de todo um sofrimento que já o fez humilhado, vencido e inerte, ante os que dele dispõem, na fragilidade do físico depauperado e da mente que já não controla mais" (Denisart Dourado, Tortura, Leme: Editora de Direito, 2001).
Dor física - houve fratura em um dos braços de Renato - e sofrimento psíquico em detrimento dele, é evidente que aconteceram, motivados pelo fato de não ter apontado - não sabia a respeito - "(onde) estavam os meninos que haviam descido correndo" - castigo pessoal, pois.
Tenha-se em mira, ao ensejo, que "o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa", mencionado pelos réus, é figura estranha à capitulação procedida pelo Ministério Público, interessando-lhe, sim, o aludido "castigo pessoal" imposto a Renato Lucas (Lei n. 9.455/97, art. 1º, inciso II; f. 5), estando em lição de Juarez Tavares (A Delimitação da Autoria no Crime de Tortura, Informe TRF/5ª Região, abril-maio de 1997, p. 8):
"O legislador condiciona ao seu reconhecimento típico um dado que é sua conseqüência, e não seu elemento diferenciador, que é a ocorrência de sofrimento físico ou psíquico da vítima. A tortura, entretanto, deve ser tomada menos pelo sofrimento que causa, o que pode ocorrer em qualquer delito mais grave contra a vida, a integridade física ou a liberdade, e muito mais como expressão de abuso de poder por parte da autoridade ou de seus delegados".
Com subsídios tais, não há falar em desclassificação para lesão corporal ou reconhecimento, só, da figura do abuso de autoridade - este, também objeto de perseguição criminal, com êxito (f. 269-274).
A seu respeito, no entanto, concretizou-se a figura da prescrição da pretensão punitiva estatal, como alertado pelos réus e reconhecido pela acusação e pela Procuradoria-Geral de Justiça, uma vez que pela referida infração foram os réus ora apelantes condenados a pena inferior a 01 ano de detenção, hipótese em que a prescrição se opera em 02 anos (art. 109, VI, CP), lapso temporal já alcançado entre o recebimento da denúncia, em 11.11.03, e a publicação da sentença, ocorrida no dia 03/03/2.006 (f. 274 verso).
Seguindo, há referências a que "a decretação da perda da graduação militar (requer a adoção de) procedimento específico perante o Tribunal de Justiça Militar" - inexistente na espécie (f. 375-377) -, o que, na verdade, inocorre, consoante manifestação do culto sentenciante de 1º grau (f. 268-269), que adoto como parte integrante deste voto, trazendo à colação:
"Constitucional - Competência - Policial militar - Crime de tortura.
- Compete à Justiça Comum processar e julgar policial militar acusado de prática de crime de tortura. Essa infração não está definida como crime militar" (STJ, CC n. 14.893/SP, relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro);
"(...) Compete à Justiça Comum processar e julgar policial militar acusado de prática de crime de tortura. Essa infração não está definida como crime militar (...)" (TJMG, Apelação Criminal n. 1.0686.02.043104-1/001 (1), que relatei, publicação em 17.11.2006).
Quanto à perda de função, sabe-se que a Lei n. 9.455/97, em seu art. 1º, § 5º, contém disposição expressa a respeito, representativa de efeito automático do próprio decreto condenatório, vindo neste sentido decisão proferida pelo TJDF, na Apelação Criminal n. 19980110383667, julgada em 10.8.2000.
Foi como votei, por exemplo, como relatora, na Apelação Criminal n. 1.0686.02.043104-1/001 (1).
A doutrina não destoa:
"O § 5º do art. 1º da Lei n. 9.455/97 estatui que a sentença condenatória, por tortura, desde que transitada em julgado, acarretará a perda do cargo, função ou emprego público do agente público. Cuida-se, no caso, de efeito automático da condenação, não dependente de motivação ou do tempo de duração da condenação. Além disso, o legislador penal, em discrepância com o que foi estabelecido na Reforma Penal de 1984, ressuscitou a pena acessória de interdição para o exercício de cargo, função ou emprego público. Tal interdição deverá ter a duração do dobro do prazo da pena aplicada. No entanto, como ressalta Luiz Flávio Gomes (op. Cit., p. 127), 'ultrapassado esse prazo, pode o sujeito concorrer a cargos públicos, porque nenhuma pena pode ser perpétua. Mas jamais voltará para o cargo que ocupava" (Alberto Silva Franco, Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial - Tortura, Editora Revista dos Tribunais, 7ª edição, volume 2, p. 3.109).
Incensurável, portanto, a respeitável decisão de 1º grau, no tocante aos recursos movimentados pelos réus, o mesmo não ocorrendo, porém, relativamente ao da acusação, diante dos claros dizeres do art. 1º, § 7º, da Lei n. 9.455/97, não estando a matéria dos autos afeta ao § 2º do mencionado art. 1º.
O mesmo Alberto Silva Franco (obra citada, p. 3.110) bem esclarece:
"O § 7º do art. 1º da Lei n. 9.455/97 determina que o regime inicial referente à pena reclusiva aplicada ao autor das diversas modalidades de tortura, exceção feita à hipótese do § 2º do art. 1º, deverá ser o regime fechado. A linguagem adotada pelo legislador denuncia seu propósito de aplicar, na execução da pena referente à tortura, o regime progressivo, com suas três etapas (...)".
Assim convicta, rejeito as preliminares lançadas pelos réus recorrentes e, no mérito, provejo em parte as apelações que movimentaram, para o fim de declarar a extinção da pretensão punitiva estatal, pelo advento da prescrição, em relação ao delito de abuso de autoridade. De outro lado, dou provimento ao recurso oferecido pelo Ministério Público, para determinar que o cumprimento das penas privativas de liberdade impostas aos acusados faça-se sob inicial regime fechado.
Expeçam-se mandados de prisão.
O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES
Quanto a primeira preliminar, de inépcia da denúncia, rejeito-a, acompanhando a eminente Relatora, mesmo porque havendo sentença, o que se tem que atacar é o título condenatório e não a inicial.
Também acompanho a eminente Relatora nas demais preliminares e no mérito do pedido.
O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES
De acordo com a Relatora.
SÚMULA : REJEITARAM AS PRELIMINARES. DERAM PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS DEFENSIVOS PARA JULGAR EXTINTA A PUNIBILIDADE FACE AO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL PARA MODIFICAR O REGIME PRISIONAL. MANDADOS DE PRISÃO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0024.03.147083-4/001


COMENTÁRIO: Diante da utilização do termo Abuso de Autoridade cabe aqui uma simples distinção que evitará possíveis erros. Trata-se da diferenciação do ato ilícito e do abuso de direito. Tais institutos se diferem quanto a violação da formalidade (direito positivado) e a violação no plano axiológico. Enquanto no ato ilícito ocorre a transgressão de normas positivas do ordenamento jurídico, o abuso de direito abarca os princípios valorativos que compõe o ordenamento, de modo que o sujeito conforma-se com a estrutura formal do direito subjetivo que exerce, contrariando o sentido axiológico que funda a norma positivada. Feito o adendo, vamos ao caso em questão.

Percebe-se a condenação pela prática de ambos os crimes (tortura e abuso de autoridade) por policiais militares, infelizmente este é um caso corriqueiro de excesso cometido por policiais no exercício de suas funções. Salienta-se a importância ímpar do depoimento do torturado em casos como esse, uma vez que tais crimes se dão em ambientes ocultos e sem a presença de testemunhas, daí atribuir-se ao depoimento do torturado o mesmo valor que os Tribunais destinam às afirmações de vítimas de crimes sexuais. Notei como interessante a extinção de punibilidade do abuso de autoridade em razão de sua prescrição, considerando a previsão de pena conforme o artigo 6º, parágrafo 3º, alínea “b” da lei 4898/65 e, aplicação, portanto, do dispositivo previsto no artigo 109, inciso VI do Código Penal.
Abusos e excessos como esse devem ser punidos à exemplo da decisão e conforme a legislação, não obstante vivermos sob a proteção do Estado Democrático de Direito, que nos permite pensar o que bem entendermos, as leis, mormente as que resguardam os direitos fundamentais, devem ser cumpridas, quando não, as sanções previstas deverão ser aplicadas a fim de punir os transgressores.

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