quinta-feira, 8 de abril de 2010

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Acadêmico Ricardo Maurino Melo

5ª Fase Período Matutino

06 de abril de 2010.


JURISPRUDÊNCIA III: Crimes de Tortura e Abuso de Autoridade.

Apelação Criminal n. 2009.020506-1, de Lages

Relator: Moacyr de Moraes Lima Filho

Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal

Data: 14/08/2009

Ementa:

APELAÇÃO CRIMINAL - DELITO DE TORTURA - PROVA INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO - INTENÇÃO DOS RÉUS DE CAUSAR CASTIGO PESSOAL ÀS VÍTIMAS NÃO CARACTERIZADA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA FORMA RETROATIVA DECLARADA DE OFÍCIO - RECURSO NÃO PROVIDO.

ACUSAÇÃO REMANESCENTE DE LESÕES CORPORAIS PRATICADAS POR POLICIAIS MILITARES EM SERVIÇO - ART. 209 DO CPM - COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL PARA O PROCESSO E JULGAMENTO - PERSECUÇÃO PENAL QUE DEPENDE DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR - REMESSA DOS AUTOS APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO.

"No dia 19 de maio de 2003, por volta da 1h, na Rua Carlos Chagas, Bairro Gethal, neste município e comarca, as vítimas Gersi Lima, Emerson dos Santos e Jair Costa da Silva, bem como Simone Lima, foram abordados pelos denunciados Laureci de Oliveira e Paulo César Luiz, policiais militares à paisana, que saíram de um Veículo Kadett de cor branca (viatura descaracterizada n° 1457).

Consta que as ameaças de morte e agressões efetuadas pelos denunciados tinham a finalidade de obtenção de informações por parte das vítimas sobre Derli Lima (irmão de Gersi Lima) e sobre uma arma supostamente utilizada pelo mesmo momentos antes no Clube 1° de Maio, localizado nesta cidade.”

A acusação busca subsumir a conduta dos policiais militares ao fato de constrangerem alguém com o emprego de violência e grave ameaça, causando-lhes sofrimento físico e mental, com o fim de obtenção de informação de terceira pessoa e como forma de aplicar castigo pessoal, tipo previsto no art. 1º, I, "a", e II, com a majorante do seu § 4º, I, da Lei n. 9.455/97, que preceitua:

"Art. 1º Constitui crime de tortura:

"I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

"a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; [...]

"II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

"Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. [...]

"§ 4º Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até a 1/3 (um terço):

"I - se o crime é cometido por agente público;"

Consoante o disposto nos incisos I e II do art. 1º da Lei n. 9.455/97, para a caracterização do crime de tortura exige-se do agente dolo específico, ou seja, a intenção de proporcionar à vítima "intenso sofrimento físico ou mental". Sem a existência desse dado anímico, a figura da tortura não se completa do ponto de vista típico, embora possa dar origem a fato criminoso de diversa qualificação jurídica (FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 117).

No presente caso, há elementos de provas suficientes que atestam a autoria delitiva, bem como o emprego de violência física perpetrada contra civis suspeitos de participação de infração penal. Contudo, referida prova encartada nos autos revela que a ação policial subsume-se ao delito de abuso de autoridade previsto na Lei n. 4.898/65, decorrente de excesso na execução de medida de força, produtora de ofensa à incolumidade física do indivíduo (art. 3º, "i"), e não crime de tortura praticada em plena via pública por policiais militares.

Com efeito, a pena máxima em abstrato cominada ao ilícito em tela é de 6 (seis) meses de detenção; por conseguinte, o prazo prescricional a ser computado é de 2 (dois) anos, nos termos do art. 109, VI, do Código Penal.

Por conseguinte, decreta-se a extinção da punibilidade dos réus Laureci de Oliveira e Marcelo Hoffmnan de Oliveira, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na forma retroativa, com fundamento no art. 107, IV, 109, VI, e 110, § 1º, todos do Código Penal, reconhecimento este que se efetua de ofício, consoante o disposto no art. 61 do Código de Processo Penal, com efeitos após o trânsito em julgado para a acusação.

Apelação Criminal n. 2007.045890-3, de Chapecó

Relator: Torres Marques

Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal

Data: 09/10/2008

Ementa:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TORTURA (ART. 1º, II, DA LEI N. 9.455/97) PRATICADO POR POLICIAIS MILITARES CONTRA CIVIL. (...)

PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO PARA O DELITO DE LESÕES CORPORAIS OU ABUSO DE AUTORIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O OFENDIDO FOI SUBMETIDO A INTENSO SOFRIMENTO FÍSICO OU MENTAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME NÃO CONFIGURADO. CARÊNCIA DE PROVAS SOBRE A INTENÇÃO DOS RÉUS EM IMPINGIR CASTIGO PESSOAL À VÍTIMA. DOLO DE LESIONAR CARACTERIZADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE LESÕES CORPORAIS (ART. 209 DO CPM) OPERADA.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS APELANTES PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO PELA PENA EM ABSTRATO.

"Paralelamente, quando da segunda fuga realizada pelo criminoso retro referido, ou seja, após ter disparado contra a viatura conduzida pelo denunciado e alvejado o soldado Gerson da Silva, a vítima João Nunes acabou por vir a sofrer grave abuso de autoridade, sendo submetida, por parte dos milicianos ora acusados, a grave e desnecessário sofrimento físico, transformando-se em objeto da cólera e do despreparo dos agentes públicos em questão, que assim passaram a lhe aplicar grave castigo físico, aplicado como vingança pelo ato que não cometeu.”

Um dos apelantes sustentou a desclassificação de sua conduta para o crime de lesão corporal leve e o reconhecimento da atenuante descrita no art. 65, III, "c", do Código Penal. O outro argumentou que o crime de tortura não ficou caracterizado no caso em tela, uma vez que não restou demonstrada a intenção de provocar na vítima intenso sofrimento físico ou mental, mas apenas imobilizá-la. Por conseguinte, pugnou pela desclassificação de sua conduta para aquela descrita no tipo penal de abuso de autoridade.

A doutrina pátria distingue as espécies de tortura. Aquelas descritas pelo inciso I, são denominadas "tortura-prova", "tortura para a prática de crime" e "tortura discriminatória", respectivamente conforme suas alíneas; e aquela descrita pelo inciso II é chamada "tortura castigo". No caso em evidência, maior atenção será dada a esta última figura.

O contexto probatório fático amealhado aos autos autoriza a conclusão de que a vítima foi agredida pelos réus com socos, chutes e coronhadas.

Estas ações, obviamente, denotam que a vítima foi submetida a sofrimento físico, o que é suficiente a censurar e reprovar a conduta dos agentes de segurança, ainda mais pelo fato de terem agido contra a pessoa errada, conforme anteriormente alinhado. Todavia, não há nos autos provas hábeis a constatar a intensidade do sofrimento absorvido pela vítima e do mal que suportou diante das agressões.

Assim, desclassifica-se a conduta dos réus para o tipo penal de lesões corporais leves, uma vez que a prova pericial não conduz a outra solução, descrito no art. 209, caput, do Código Penal Militar, que assim dispõe:

"Art. 209. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

"Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano [...]".

Decreta-se, então, a extinção da punibilidade dos acusados em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na forma retroativa, com fundamento no art. 107, IV, 109, V, e 110, §1º, todos do Código Penal, reconhecimento este que se efetua de ofício, consoante o disposto no art. 61 do Código de Processo Penal.

Apelação Criminal n. 2006.017077-6, de Lages

Relator: Alexandre d’Ivanenko

Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal

Data: 07/08/2008

Ementa:

CRIME DE TORTURA (ART. 1º, INC. I, "A", DA LEI N. 9.455/97). MATERIALIDADE E AUTORIA PLENAMENTE COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

REQUERIMENTO PELO AFASTAMENTO DA PENA DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO ESPECÍFICO. PENA QUE DEIXOU DE SER ACESSÓRIA EM FACE DE PREVISÃO ESPECÍFICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

“No dia 11 de janeiro de 2002, por volta das 11:00h, neste município, bairro Penha, Avenida Presidente Vargas, nas proximidades do Cemitério de Penha, o denunciado juntamente com outro Policial abordou a vítima Ronaldo Varela dos Santos, indagando-a acerca do local onde estava a espingarda que ele havia comprado de Josué Waiss Carlos, a qual era produto de furto.

Diante do desconhecimento da vítima acerca destes fatos, esta foi levada até a localidade conhecida como Guará, naquele Bairro.

Ato contínuo, o denunciado a fim de obter a referida informação da vítima, retirou-a da viatura policial, obrigando-a a deitar no chão oportunidade em que passou a desferir golpes de cacetete nas costas da mesma, causando-lhe sofrimento físico. (Auto de Exame de Corpo de Delito de fls. 08) e mental (fls. 2/3).”

Nesse contexto, restou claro que a conduta criminosa do apelante consistiu em expor a vítima Ronaldo Varela dos Santos a sofrimento físico a fim de que confessasse o furto de uma espingarda, estando isenta de emenda sua sua condenação por afronta ao art. 1º, inc. I, ¿?a¿? e § 4º, inc. I, da Lei n. 9.455/97, inviabilizando, por conseqüência, a desclassificação para o crime de abuso de autoridade.

Porém, merece guarida o recurso no que tange ao pleito pelo afastamento da pena de perda da função pública decretada na sentença, porque, de acordo com o art. 142, § 3º, incs. VI e VII, da Carta Política, a perda de graduação deixou de ser pena acessória (art. 102, CPM), exigindo a observância de procedimento para a declaração de indignidade para o oficialato.

Entendo, após análise dos presentes casos que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nos casos de violência infligida por autoridades, atentando contra a dignidade da pessoa humana, na forma de violação à incolumidade física e/ou psíquica, quando o pretenso fundamento de tal violência é um motivo diverso da mera violência “injustificada”, porquanto haveria uma “simbólica razão” em estar violentando tais indivíduos, o entendimento se firma no sentido da descriminalização de um possível crime de Tortura (Lei 9.455/97) e responsabilização pelo crime de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65).

Neste sentido, relevante é o prazo para prestação jurisdicional do Estado, já que geralmente o desfecho dos casos concretos se dá pela impossibilidade de aplicação material da lei, em função de o prazo prescricional ser demasiadamente curto por levar em conta apenas as penas possíveis do crime de abuso de autoridade a serem aplicadas.

Por outro lado, quando este Tribunal não o faz, ou seja, não há desclassificação do crime de tortura para o abuso de autoridade, conforme julgamento do último caso, há um afastamento da pena de perda da função pública decretada na sentença, fundada em preceito constitucional, já que esta não constitui pena acessória.

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