segunda-feira, 5 de abril de 2010

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Paula Oliveira MArtins Costa

APELAÇÃO CRIMINAL N° 941459.3/7-0000-000

COMARCA PEREIRA BARRETO

APELANTE CRISTIANO SOARES BEZERRA

APELADO MINISTÉRIO PÚBLICO

VOTO N° 1090

ABUSO DE AUTORIDADE - Lei federal n° 4 8 9 8 / 6 5 , art. 3o, alínea " i " - Unanimidade de testemunhos – Prova totalmente desfavorável - Aplicação da pena acima do mínimo diante dos maus antecedentes do acusado e lesões sofridas por múltiplas vítimas - Decisão mantida – Recurso improvido.
CRISTIANO SOARES BEZERRA foi processado como incurso nas penas do art. 3°, alínea " i " , da Lei Federal n° 4898/65, porque no dia 13 de maio de 2005, por volta das 23h30m, na Rua São João s / n ° , na Praça da Matriz, no estabelecinnento comercial denominado "Lanchonete Pingo de Mel", na cidade de Suzanápolis, utilizando-se de seu cargo público de investigador de polícia abusou de sua autoridade ofendendo a incolumídade física de Jhonatan dos Santos Soares, Diego da Silva Sérgio, João Paulo Bonfim e de Marcos Vinícius Varanda de Lima, causando em todas as vítimas lesões corporais de natureza leve. Devidamente instruído o feito, sobreveio a sentença de fls.

158/162 julgando procedente a ação penal, condenando-o como incurso no artigo 3o , alínea " i " , da Lei Federal n° 4.898/65, ao cumprimento de 03 (três) meses de detenção, no regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa no mínimo legal. Inconformada com a r. decisão condenatória, a defesa do réu pleiteia a absolvição alegando insuficiência probatória e alternativamente a diminuição da pena e a suspensão condicional (fls. 175/179).

O recurso foi regularmente processado, havendo contrarazões pelo Ministério Público sustentando a r. decisão recorrida (fls. 186/187), e manifestação da douta Procuradoria Geral de Justiça pelo desprovimento do recurso (fls. 191/195).

É o relatório.
O recurso não merece provimento.

Ao contrário do quanto alegado pelo douto defensor, a prova dos autos é amplamente desfavorável ao apelante.Não há controvérsia quanto à materialidade, auto de exibição e apreensão (fls. 61), laudo de exame do local (fls. 73/75), laudo de lesões corporais das vítimas Marcos Vinícius Varanda de Lima (fls. 51/52 e 62), Jhonatan dos Santos Soares (fls. 54 e 66), João Paulo Bonfim (fls. 56) e Diego dá Silva Sérgio (fls. 58).

Com efeito:

As vítimas;

Jhonatan dos Santos Soares, 16 anos, filho do investigador de polícia e colega do autor, João Francisco, relatou que se encontrava na praça central da cidade quando percebeu uma confusão e viu seu pai tentando apaziguar os envolvidos. Aproximou-se e viu que o causador da confusão era o acusado, Cristiano, que solicitava a todo mundo seus documentos pessoais, enquanto seu pai pedia para que ele parasse sem ser atendido. Cristiano foi em direção de seu carro e o declarante ouviu uma pessoa dizer "além de ser investigador, fica apontando arma para os outros". Cristiano retornou alterado, passando pelo declarante desferiu-lhe um murro no rosto, acertando a face do lado esquerdo, entrando em seguida na lanchonete. Encontrou seu pai e saiam do tumulto quando ouviu gritos e populares correndo dizendo que Cristiano estava armado. Percebeu que ele estava em visível estado de embriaguez e bastante alterado (fls. 18/19 e 117/119).

Diego da Silva Sérgio, 16 anos, disse que retornava da escola quando resolveu passar na lanchonete para tomar um refrigerante. Foi abordado por um desconhecido que embriagado e bastante alterado exigiu-lhe os documentos. Como não portava os documentos, ele lhe desferiu um tapa no rosto. Conseguiu deixar o local, mas ouviu o agressor gritar para que voltasse pois era policial. Ficou na esquina, de onde reconheceu que o policial João também estava na lanchonete e tentava tirar o agressor dali, que gritava com as pessoas com o dedo em riste. Viu Cristiano com uma arma de fogo empunhada, gritando para que as pessoas voltassem, enquanto todos corriam (fls.

20/21 e 123/125).

Marcos Vinícius Varanda de Lima, 18 anos, contou que encontrava-se em uma mesa do lado de fora do bar quando ouviu uma confusão e foi ver o que acontecia, e acabou sendo atacado pelo acusado com um banquinho que lhe atingiu a orelha esquerda caindo ao solo e sendo ajudado a levantar-se por outros. Novamente Cristiano avançou em sua direção e para se defender aplicou-lhe "uma voadora" que o atingiu hò tórax. Depois-foi levado ao hospital, sendo necessária sutura em sua orelha levando 3 pontos. Na delegacia percebeu que o acusado estava embriagado ou drogado, e que não atendia as ordens do delegado (fls. 22/23 e 131/133).

João Paulo Bonfim, 12 anos, relatou que estava dentro da lanchonete com seus amigos bebendo refrigerante, quando o acusado, embriagado, retirou do bolso um documento gritando a todos que era "um policial". Que lhe foi pedido seu documento e ao responder que não portava ele lhe agarrou pelos cabelos e desferiu dois tapas que lhe atingiram o rosto, seguidos de dois socos no maxilar (fls. 24/25 e 128/130).

As testemunhas;

Vagner Alessandro da Silva Domingos, na época funcionário na lanchonete, confirmou que Cristiano e João Francisco estavam tomando cerveja na lanchonete quando discutiram, tendo João deixado o local e Cristiano mostrando sua carteira de policial passou a gritar que colocaria ordem na cidade, indo de mesa em mesa solicitando os documentos dos clientes. Viu quando ele agarrou o adolescente João Paulo pelos cabelos. Diz que Cristiano gerou um quebra-quebra num confronto com os clientes, viu ele caminhar em direção de seu carro e armar-se com um revólver (fls. 26/27 e 134/137).

João Francisco Soares, investigador de policia que acompanhava o acusado, confirmou que estiveram em vários bares onde ingeriram cervejas antes de acabarem na Lanchonete Pingo de Mel. Presenciou Cristiano perturbar os demais clientes exigindo que eles apresentassem a ele os documentos pessoais. Tentou convencê-lo a parar mas ele não aceitou, respondendo com tom áspero. Percebeu a chegada de seu filho e desistiu, mas antes de sair viu uma briga generalizada envolvendo Cristiano e várias pessoas, até seu filho foi agredido por ele (fls. 28/29 e 120/122).

Celso Crusca Lourenço, disse que era vereador na cidade, sendo chamado pela proprietária da lanchonete, aproximou-se e tentou ajudar nos argumentos, confirma que Cristiano estava embriagado e exibia seu documento de identificação policial, recomendou a João Francisco que estava com seu filho, a ir embora. Logo em seguida

começou um quebra-quebra envolvendo Cristiano contra várias pessoas que durou alguns minutos, ouvindo quando alguém gritou que ele estava pegando a arma, o que fez com que a multidão se dispersasse (fls. 34/35 e 138/140).

Por outro lado, de forma fantástica, contrariando todos os depoimentos, o apelante diz ter bebido apenas uma cerveja em companhia do agente policial João Francisco, abordou um suspeito que lá estava, exibindo sua carteira funcional quando repentinamente fora agredido por tal pessoa e por outras pessoas que lá se encontravam,

momento que se dirigiu até seu carro e armou-se com o revólver, esclareceu que as vítimas foram agredidas quando ele se defendia. Também, da mesma forma extraordinária, alega não haver provas para a condenação, tendo agido dentro dos estritos limites de sua função, e que o menor apenas sofreu um tapinha na cabeça e a advertência "vai para casa menino", que tal atitude não pode ser tida como ato de agressão. Ao reverso do alegado pelo recorrente, tomo a liberdade e aproveito as adequadas e bem apresentadas considerações do douto parecer ministerial, que abaixo tomo a liberdade de transcrever:

"Ora é dos autos que o apelante, embriagado total ou parcialmente, invocando seu cargo de investigador de polícia, ofendeu a integridade física de diversas pessoas às quais exigia identificar-se. Compuisando os autos verifica-se que a versão apresentada pelo réu em juízo de que defendeu-se, não encontra qualquer respaldo, incluindo-se aí o depoimento da testemunha de defesa, o agente policial João Francisco que o acompanhava. Não foi encarado por ninguém, não foi ameaçado por nenhum dos presentes. O que se extrai dos autos é que de fato ele havia bebido com seu amigo. A

partir daí deve ter subido à sua cabeça "o poder" e "deu no que deu". Enfim a prova é uma só quanto ao comportamento do apeíante, conduta essa que tipifica a figura prevista na alínea " i " do art. 3o da lei de abuso de autoridade. A diminuição da pena postulada como pedido subsidiário, a meu aviso, não deve ser operada. O legislador cominou uma pena leal dentro de um mínimo e um máximo. In casu, uma pena quase que insignificante (10 dias a 6 meses de detenção). Pelas circunstancias do art. 59, fundamentado na sentença, optou o juiz pela pena média (3 - três - meses). Como acima assinalado, a vida pregressa do funcionário público não era das melhores

(pronunciado por homicídio doloso, foi removido compulsoriamente (no interesse do serviço policial) da Delegacia de Itapura para a Delegacia de Suzanópolis. E logo no primeiro dia na nova sede, já "aprontou"... A pena de suspensão do exercício da função, bem aplicada, pois o caso assim o exige." Realmente, perfeitamente caracterizado o abuso de autoridade, não restou comprovada situação fática justíficadora da atitude do réu que agindo com dolo e diante da gravidade do crime, descabida a concessão de "sursis".

A aplicação das penas acima do mínimo justifica-se diante da pluralidade de pessoas que foram vítimas das agressões físicas e comprovadas as lesões (laudos de exame de corpo de delito de fls. 62 a 66) e maus antecedentes (fls. 100/101).

Isto posto, nego provimento ao recurso interposto pelo réu,

mantida a bem lançada sentença que aplicou pena justa.

LEONEL COSTA

Relator



COMENTÁRIO
O caso em questão apresenta-se como exemplo da mais típica conduta configurada como abuso de autoridade que temos observado na atuação policial. Caso este que, por não ser incomum, deixa transparecer que a situação da Segurança Pública no Brasil deve ser repensada para que sejam traçados novos rumos, em especial com a participação de policiais e autoridades que lidam diariamente com conflitos de todo tipo. A necessidade de um trabalho conjunto de conscientização foi trabalhada, por exemplo, na CONSEG no ano de 2009.

A questão do crime de abuso de autoridade não deve ser entendida em sentido que descaracterize a atividade de policiais, delegados, juízes e diversos outros profissionais que têm por dever a manutenção da ordem, mas sim trazer à tona que tal manutenção tem limites intrínsecos ao desenvolvimento democrático da atividade estatal. Portanto, mesmo este sendo um caso aparentemente pequeno em suas repercussões, o Julgado explicitado traz consigo a reflexão acerca do nascedouro de diversas inconstitucionalidades.

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