sábado, 3 de abril de 2010

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Larissa Serpa

FONTE: STJ
Apelação Criminal n. 2009.015359-7, de Campos Novos

Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas


APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA (ART. 1°, INC. II, DA LEI N. 9.455/97). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.


PLEITO ABSOLUTÓRIO. DESCABIMENTO. AGRESSÕES PRATICADAS PELO PAI CONTRA FILHAS DE 5 (CINCO) E 11 (ONZE) ANOS DE IDADE, SENDO A PRIMEIRA PORTADORA DE SÍNDROME DE DOWN. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS PELO CONJUNTO PROBATÓRIO COLACIONADO AOS AUTOS.


PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DE MAUS TRATOS. IMPOSSIBILIDADE. VIOLÊNCIA FÍSICA E PSÍQUICA PRATICADA COM O FIM DE CAUSAR INTENSO SOFRIMENTO ÀS VÍTIMAS.


"O que distingue os maus tratos da tortura é principalmente o propósito do agente. Nos maus tratos o objetivo é a simples correção ou a disciplina. Na tortura é o castigo pessoal ou a medida de caráter preventivo. O intenso sofrimento da vítima, físico ou mental, caracteriza tortura quando imposto como castigo pessoal". (AC n. 2006.043117-9, de Urussanga, rel. Des. Amaral e Silva, j. 03/03/09). (grifei).


RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.015359-7, da comarca de Campos Novos, em que é apelante Ezequiel Goulart e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO
O representante do Ministério Público da Comarca de Campos Novos/SC ofereceu denúncia contra Ezequiel Goulart pela prática do delito definido no art. 1º, inc. II, da Lei n. 9.455/97, assim descritos na inicial acusatória:


No dia 9 de abril de 2007, por volta das 20 horas, no interior de sua residência, localizada na Vila de Marombas, no Município de Brunópolis/SC, o denunciado EZEQUIEL GOULART, abusando dos meios de correção da prole, que mantinha sob sua guarda, aqueceu a fivela do cinto em óleo fervente e golpeou as filhas F. (5 anos) e F. (11 anos), ainda crianças, submetendo-as a intenso e desnecessário sofrimento físico, provocando-lhes as lesões corporais evidenciadas nos autos de exame de corpo de delito de fls. 06/07.


Encerrada a instrução, o magistrado julgou procedente a denúncia para condenar o acusado nas sanções do art. 1º, inc. II, da Lei n. 9.455/97, c/c art. 71, caput, do Código Penal (2x), ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão, a ser resgatada inicialmente em regime fechado.


Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, a fim de que seja absolvido, sustentando, em suma, inexistência de provas acerca do fato descrito na denúncia, vez que ausente testemunhas presenciais, sendo que as demais provas apresentadas mostram-se frágeis. Cita a aplicabilidade do princípio do in dubio pro reo. Sucessivamente, requer a desclassificação para o crime de maus tratos.


Em contrarrazões, requereu o apelado a confirmação da sentença condenatória (fls. 97/105).


Ascenderam os autos e, nesta instância, manifestou-se a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Sérgio Antônio Rizelo, pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 110/116).


Vieram os autos conclusos.

É o relatório necessário.
VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Ezequiel Goulart contra sentença que o condenou a pena privativa de liberdade de 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão, a ser resgatada inicialmente em regime fechado, por infração ao art. 1º, inc. II, da Lei n. 9.455/97, c/c art. 71, caput, do Código Penal (2x).


Pretende o apelante, em síntese, seja absolvido do crime de tortura ou, sucessivamente, seja sua conduta desclassificada para o crime de maus tratos.


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e passa-se à análise do seu objeto.


A materialidade do crime de tortura ficou evidenciada pelo boletim de ocorrência (fl. 05) e pelos laudos de exame de corpo de delito (fls. 06/07), os quais comprovam que as crianças eram submetidas a intenso e desnecessário sofrimento físico, sendo tal documento meio probatório apto a demonstrar infração ao tipo penal descrito na exordial acusatória (grifei).


Extrai-se dos referidos autos (fls. 06 e 07) que a vítima F. (5 anos) apresentava "ferida descamativa, hiperemiada com exposição de derme, com 3 cm de extensão, arredondada em face lateral do terço distal da coxa esquerda, compatível com queimadura de segundo grau" (fl. 6), enquanto que a vítima F. (11 anos) possuía "hematoma em faixa dupla em região escapular direta".


Sobre o assunto, colhe-se da doutrina:


O intenso sofrimento físico é aferido através de exames de corpo de delito, enquanto que, o intenso sofrimento mental, que deixa seqüelas que conduzem a alterações comportamentais e de ânimo, pode ser detectada pela psicologia forense. (SILVA, José Geraldo da. Leis penais especiais anotadas. 10 ed. - Campinas, SP: Millennium Editora, 2008, p. 160)


A autoria delitiva do crime em questão resta configurada pelo conjunto probatório colacionado aos autos.


A conduta do apelante enquadra-se naquela descrita no art. 1°, inc. II, da Lei n. 9.455/97, que assim dispõe:


Art. 1º Constitui crime de tortura:


II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.


Pena - reclusão, de dois a oito anos.


José Geraldo da Silva, citando De Plácido e Silva define tortura como "o sofrimento ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais. É o ato desumano, que atenta à dignidade humana. É o sofrimento profundo, angústia, dor. Torturar a vítima é produzir-lhe um sofrimento desnecessário. É tornar mais angustiante o sofrimento" (Op. Cit. p. 158).


Os acontecimentos fáticos estão resumidos no boletim de ocorrência acostado à fl. 05, tendo como comunicante a conselheira tutelar Juliana Priguli, em que retrata os atos praticados pelo apelante, quais sejam: "estar maltratando seus filhos menores, [...] queimou sua filha de 03 anos, com a fivela de um cinto que esquentou na panela em que sua esposa estava fazendo fritura [...] e após ter queimado F., Ezequiel deu uma surra de cinto em sua outra filha, que também deixou marcas pelo corpo da criança".


Atos estes que foram confirmados pelos depoimentos testemunhais colhidos durante a fase policial e ratificados em juízo, embora negados veemente pelo apelante (fls. 45/46), estando seu testemunho, inclusive, isolado do conjunto probatório amealhado aos autos.


Vê-se que o presente processo originou-se devido à atenção da Conselheira Tutelar Juliana Priguli, que atendia a família das vítimas quando das denúncias de maus tratos causados pelo pai, nota-se:


[...] que na época do fato trabalhava como Conselheira Tutelar no município de Brunópolis; que Fabíola frequenta a APAE em Curitibanos, enquanto que Fabiana vai na creche de Brunópolis; que Fabiana comentou na creche que teria apanhado de cinta do pai; que Fabiana também tinha relatado que o pai esquentou a fivela da cinta em óleo quente e depois encostou em Fabíola; que Fabiana disse que o pai estava embriagado na ocasião das agressões; que foi chamada pela professora da creche para verificar a notícia de agressões; que viu Fabiana e constatou que ela tinha marcas pelo corpo; que Fabiana confirmou ter sido agredida pelo pai com uma cinta; que na ocasião Fabíola também estava na creche; que examinou Fabíola e viu que a menina tinha cicatriz recente na barriga; que Fabiana relatou que o pai, de forma proposital, encostou a fivela da cinta no óleo quente e depois encostou em Fabíola; que Fabíola, com sua limitação, confirmou que o pai tinha causado a queimadura que apresentava no corpo; que depois de lavrado o B.O. e feito o exame de corpo de delito as meninas foram encaminhadas para atendimento médico; que Fabiana foi enfática ao afirmar que o pai queimou Fabíola de forma proposital; que Fabiana apresentava inúmeras marcas pelo corpo decorrente da surra que levou; que a família do réu era atendida pelo Conselho e as crianças tinham histórico de maus-tratos; que não foi a primeira vez que as meninas foram agredidas em demasia pelo réu; que o réu possui problemas com alcoolismo; [...] que chegou a conversar com o réu e ele confirmou as acusações justificando que estava embriagado; que o ferimento que Fabíola tinha era grande e a marca era compatível com a fivela de um cinto; que não é possível que o ferimento de Fabíola seja oriundo de respingos de óleo quente; que as meninas contaram que o réu lhes agrediu por estar embriagado [...] (fl. 59, grifo nosso).


A testemunha Natalina Alonso, mãe das crianças, confirma que o apelante costumeiramente agredia as filhas sem qualquer razão. Salienta que as marcas encontradas em uma das filhas, bem como a queimadura constatada na outra são oriundas da atitude violenta do genitor, sendo que efetivamente o denunciado desferiu diversas 'cintadas' em F. (11 anos de idade) e, após derrubar uma frigideira com óleo quente que estava sobre o fogão, aqueceu a fivela da cinta na substância e desferiu novo golpe, desta vez na vítima F. (5 anos de idade), sendo esta portadora da Síndrome de Down.


Extrai-se do testemunho prestado em juízo:


[...] que convive com o réu há mais de 10 anos; que possui 5 filhos com o réu; que Fabíola é deficiente mental e possui sete anos de idade; que Fabiana possui 13 anos de idade; que o réu é dado ao vício do alcoolismo; que o réu quase não trabalha, embora não tenha problema de saúde; que o réu prefere ficar bebendo do que trabalhar; que o réu sempre lhe agrediu fisicamente e também tem o costume de surrar os filhos; que o réu é uma pessoa ruim; que tem medo do réu; que até hoje o réu agride os filhos sem motivo; que com relação aos fatos narrados na denúncia, confirma-os integralmente; que o réu estava bêbado e então agrediu Fabiana com uma cinta; que Fabiana teve o corpo marcado em razão das cintadas que recebeu; que enquanto o réu desferia cintadas em Fabiana ele acabou derrubando uma frigideira com óleo quente que estava no fogão; que em seguida o réu colocou a fivela da cinta no óleo quente e desferiu um golpe em Fabíola; que a fivela acabou provocando a queimadura; que esclarece que a frigideira caiu no chão mas conservou um pouco de óleo no interior; que seus filhos tem medo do réu; que quando estava grávida do filho Jean, que possui quatro anos, o réu lhe agredia; que até hoje sente dores no abdômen em razão das agressões que sofreu quando estava grávida do filho Jean; que o réu não socorreu Fabíola depois da agressão, inclusive foi dormir bêbado; que não quer mais conviver com o réu e dele quer se separar; que o réu trata mau os filhos; que é mentira a versão de que um respingo de óleo quente atingiu Fabíola [...] (fl. 58, grifo nossso).


A testemunha Terezinha Aparecida Rathje e Maria Carvalho Varela, ambas professoras da F., alegam na fase judicial, respectivamente:


[...] que trabalhava na Creche 'Sossego da Mamãe', no município de Brunópolis; [...] que Fabiola é portadora de Síndrome de Down; que sabe que certa vez Fabíola apareceu como uma queimadura na perna; que conversou com a mãe de Fabíola e ela contou que o réu foi agredir Fabiana com uma cinta e acabou derrubando uma frigideira que tinha óleo quente; que então Fabíola acabou queimada; que não examinou Fabiana; que na época tinha notícias de que o réu maltratava os filhos; que a mãe das meninas relatava que o réu agredia as filhas em demasia; [...] (fl. 60).


[...] que certa vez Fabíola apareceu na APAE com um ferimento em 'carne viva' na perna; que Fabíola quase não fala; que o ferimento de Fabíola era grande e profundo; que o ferimento se tratava de uma queimadura; [...] (fl. 61, grifo nosso).


Diante do conjunto probatório constante nos autos, facilmente verificável que as vítimas, crianças, sendo uma, inclusive, com necessidades especiais, sofriam tortura pelo pai, tornando inviável a absolvição.


Ademais, a tentativa deste em esquivar-se da responsabilidade penal, afirmando nas razões recursais, que "a força física utilizada não era extrapolada", requerendo sucessivamente a desclassificação para delito menos gravoso, por óbvio, não merece acolhimento.


Em que pese as palavras do apelante em justificar suas atitudes ao mencionar "a dificuldade de educar uma criança, ainda mais quando o ambiente familiar em nada contribui para a educação", vale mencionar que, independentemente da realidade fática de cada família, a tortura é incompatível com qualquer forma de educação, principalmente tratando-se de crianças em pleno desenvolvimento.


O doutrinador Guilherme de Souza Nucci conceitua o crime de tortura como sendo "qualquer método de submissão de uma pessoa a sofrimento atroz, físico ou mental, contínuo e ilícito, para obtenção de qualquer coisa ou servir de castigo ou qualquer razão" (Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Atlas, 2006, p. 734).


A respeito do elemento subjetivo da tortura, explica Victor Eduardo Rios Gonçalves:


Intenção de expor a vítima a grave sofrimento, como forma de aplicação de castigo ou medida de caráter preventivo. Exige-se, pois, o chamado animus corrigendi [...] Essa forma de tortura muito se assemelha ao crime de maus-tratos (art. 136 do CP). A diferença está no elemento normativo da tortura, existente apenas nesse inciso II, que exige que a vítima sobre um intenso sofrimento físico ou mental (Crimes hediondos, tóxicos, terrorismo e tortura, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 97).


Importante ressaltar, estar plenamente configurado o crime de tortura. Ademais, a doutrinadora Ana Paula Franco leciona sobre as diferenças entre o crime de tortura e maus-tratos:


Ao analisar as ações nucleares dos tipos, começam a surgir diferenças. No delito de maus tratos a ação é a exposição ao perigo através das modalidades: a) privando de cuidados necessários ou alimentos; b) sujeitando a trabalho excessivo; c) abusando de meio corretivo. Já no art. 1º, II, da Lei n. 9.455/97, a ação se resume em submeter alguém (sob sua autoridade, guarda ou vigilância), a intenso sofrimento físico ou mental com emprego de violência ou grave ameaça. Nota-se que o elemento subjetivo do tipo do art. 136 é o dolo de perigo, o resultado se dá com a exposição do sujeito passivo ao perigo de dano. No crime de tortura, o resultado se dá com o efetivo dano, ou seja, o intenso sofrimento físico ou mental provocado pela violência ou grave ameaça. Nesta última situação o agente age com dolo de dano. Outra questão importante de se ressaltar é que no crime de maus-tratos o agente abusa de seu ius corrigendi para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Diferentemente no crime de tortura, no qual o agente pratica a conduta como forma de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. (Distinção entre maus-tratos e tortura e o art. 1º, da lei de tortura. Boletim do IBCrim, n. 62/Jan-98, p. 11).


In casu, vislumbra-se que as agressões praticadas reiteradamente pelo apelante não teve por fim a educação, e sim ocasionar sofrimento, seja por satisfação própria ou qualquer outro motivo desprezível, como por exemplo, o vício pelo álcool.


Tal fato é corroborado pelo depoimento da mãe, quando cita que "o réu sempre lhe agrediu fisicamente e também tem o costume de surrar os filhos; que o réu é uma pessoa ruim; que tem medo do réu; que até hoje o réu agride os filhos sem motivo [...] que o réu não socorreu F. depois da agressão, inclusive foi dormir bêbado" (fl. 58).


Sobre o crime de tortura na modalidade castigo, esta Corte de Justiça manifesta-se:


PENAL E PROCESSUAL ¿? TORTURA ¿? CONFIGURAÇÃO ¿? DISTINÇÃO DE MAUS TRATOS ¿? CASTIGO PESSOAL IMPOSTO COM O PROPÓSITO DE CAUSAR DOR E FAZER SOFRER ¿? DELITO COMPROVADO PELA PRÓPRIA JUSTIFICATIVA DO AGENTE E PELA NATUREZA E LOCALIZAÇÃO DAS LESÕES ¿? RECURSO DESPROVIDO.


O que distingue os maus tratos da tortura é principalmente o propósito do agente.

Nos maus tratos o objetivo é a simples correção ou a disciplina.

Na tortura é o castigo pessoal ou a medida de caráter preventivo.


O intenso sofrimento da vítima, físico ou mental, caracteriza tortura quando imposto como castigo pessoal. (AC n. 2006.043117-9, de Urussanga, rel.: Des. Amaral e Silva, j. 03/03/09)


PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DE MAUS TRATOS E LESÕES CORPORAIS. INOCORRÊNCIA. VIOLÊNCIA FÍSICA E PSÍQUICA PRATICADA COM INTUITO DE CAUSAR INTENSO SOFRIMENTO À VÍTIMA.


"A distinção entre os crimes de maus tratos e de tortura deve ser encontrada não só no resultado provocado na vítima, como no elemento volitivo do agente; assim se abusa do direito de corrigir para fins de educação, ensino, tratamento e custódia, haverá maus tratos, ao passo que caracterizará tortura quando a conduta é praticada como forma de castigo pessoal, objetivando fazer sofrer, por prazer, por ódio ou qualquer outro sentimento vil.


“Caracteriza tortura a conduta do agente que, tendo criança sob sua guarda, a pretexto de corrigi-la, submete-a de forma contínua e reiterada, a maus tratos físicos e morais, causando-lhe intenso e angustiante sofrimento físico e mental” (Des. Nilton Macedo Machado). (AC n. 2008.072711-7, de Concórdia, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, j. 03/03/09, grifo nosso)

CRIME DE TORTURA NA MODALIDADE CASTIGO. DELITO PRATICADO PELO PAI CONTRA FILHA AINDA CRIANÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.º, INCISO II, E § 4.º, INCISO II, DA LEI N. 9.455/97. VIOLÊNCIA FÍSICA E PSÍQUICA PRATICADAS COM INTUITO DE CAUSAR INTENSO SOFRIMENTO À VÍTIMA. SITUAÇÃO QUE INVIABILIZA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DE MAUS TRATOS TIPIFICADO NO ART. 136 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. RECURSO DESPROVIDO. (AC n. 2005.008309-2, da Capital/Estreito, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 18/07/08).


Ora, ficou cabalmente comprovado que a conduta do apelante extrapolou qualquer finalidade corretiva.


Feitas tais considerações, verifica-se que, no caso, o apelante amolda-se perfeitamente no tipo legal criado pela Lei n. 9.455/97, revelado pelo intenso sofrimento provocado nas vítimas, meninas de apenas 5 (cinco) e 11 (onze) anos de idade na época dos fatos, em razão das agressões reiteradas do pai, ultrapassando o limite do bom senso inerente ao ato de educar, infringindo o art. 1º, inc. II, do referido diploma c/c art. 71, caput, do CP por duas vezes.


Como bem lançado pelo Procurador de Justiça ao citar parte das contrarrazões, "ao invés de afago, carinho e amor, o apelante, reiteradamente, embriagava-se, e agredia, sem dó, suas filhas. Não se vislumbra qualquer tipo de atitude voltada à correção ou educação, mas sim, maldade e desrespeito à dignidade da pessoa humana" (fl. 102).Como bem lançado pelo Procurador de Justiça ao citar parte das contrarrazões, "ao invés de afago, carinho e amor, o apelante, reiteradamente, embriagava-se, e agredia, sem dó, suas filhas. Não se vislumbra qualquer tipo de atitude voltada à correção ou educação, mas sim, maldade e desrespeito à dignidade da pessoa humana" (fl. 102).


Assim, afasta-se a pretendida desclassificação para o crime de maus tratos, pois "a conduta delitiva não tinha por fim a correção, censura ou reprimenda, elementos indispensáveis à configuração do mencionado crime, mas o de simplesmente fazer com que as menores sofressem, elementos que tipificam a figura da tortura" (fl. 116).


Posto isso, mantém-se integralmente a sentença condenatória.

DECISÃO


Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à unanimidade de votos, resolveu conhecer do recurso e negar-lhe provimento.


O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Rui Fortes, com voto, e dele participaram a Exma. Sra. Desa. Marli Mosimann Vargas ¿ relatora e o Exmo. Sr. Des. Newton Varella Júnior.


Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou o Exmo. Sr. Procurador Humberto Francisco Sharf Vieira.


Florianópolis, 1º de dezembro de 2009.


Marli Mosimann Vargas


RELATORA

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