sábado, 3 de abril de 2010

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Emmy P. Otani

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DE Abuso de Autoridade. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA.

Pratica o crime de abuso de autoridade previsto no art. 4º, letra “a”, da Lei 4.898/65, o Juiz de Direito que, a pretexto de haver a instituição financeira da qual era gerente o ofendido se apropriado ilegalmente de dinheiro que o Magistrado mantinha naquele estabelecimento bancário, dá-lhe voz de prisão, determinando ao Delegado de Polícia que, convocado, o acompanhava na diligência, conduzisse o preso à repartição para a lavratura do ato, numa tentativa inútil de mascarar a arbitrariedade praticada.

Preliminares de nulidade do processo rejeitadas.

Ação penal originária julgada procedente.

Processo-Crime Órgão Especial
Nº 70015391626 Comarca de Porto Alegre
MINISTERIO PUBLICO AUTOR
dr. JAIRO CARDOSO SOARES DENUNCIADO
SENO LUIZ KLOCK ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO
BANCO DO BRASIL SA INTERESSADO
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, em rejeitar, por maioria, as preliminares, vencidos os Desembargadores Nereu José Giacomolli, Alzir Felipe Schmitz, Claudir Fidelis Faccenda e Luiz Felipe Silveira Difini, que acolhiam as preliminares de nulidade da audiência, de suspensão do processo, e que aguardam o julgamento do habeas corpus; vencidos também os Desembargadores Osvaldo Stefanello, Aristides Pedroso de Albuquerque Neto e Arno Werlang, relativamente à preliminar de nulidade da audiência. No mérito, por maioria, acordam em julgar procedente o pedido, nos termos do voto do eminente Relator, restando vencidos os Desembargadores Nereu José Giacomolli, Luiz Felipe Silveira Difini, Osvaldo Stefanello e Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, que julgavam improcedente o pedido.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (Presidente), Des. José Eugênio Tedesco, Des. Osvaldo Stefanello, Des. Paulo Augusto Monte Lopes, Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Des. Araken de Assis, Des. Vasco Della Giustina, Des.ª Maria Berenice Dias, Des. Danúbio Edon Franco, Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, Des. João Carlos Branco Cardoso, Des. Roque Miguel Fank, Des. Jorge Luís Dall´Agnol, Des. Marcelo Bandeira Pereira (IMPEDIDO), Des. Leo Lima, Des. José Aquino Flôres de Camargo, Des. Arno Werlang, Des. Luiz Felipe Silveira Difini, Des.ª Maria Isabel de Azevedo Souza, Des. Vicente Barroco de Vasconcellos, Des. Claudir Fidélis Faccenda, Des. Nereu José Giacomolli e Des. Alzir Felippe Schmitz.

Porto Alegre, 24 de setembro de 2007.



DES. VLADIMIR GIACOMUZZI,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Vladimir Giacomuzzi (RELATOR)

Na sessão do dia 04-09-2006 este Órgão Especial recebeu a denúncia apresentada pelo Procurador-Geral de Justiça contra o Juiz de Direito Jairo Cardoso Soares por entender que o acusado teria praticado o crime de abuso de autoridade previsto no art. 4º, alínea “a” da Lei 4.898/1965, que pune referida infração penal com multa, detenção por dez dias a seis meses e, ou, com a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer função pública pelo prazo de até três anos.

A inicial acusatória foi assim redigida:
"No dia 02 de julho de 2005, pelas 17h40min, na agência do Banco do Brasil da cidade de Lavras do Sul, o denunciado, com abuso de autoridade, executou medida privativa de liberdade e atentou contra a liberdade de locomoção Seno Luiz Klock, gerente daquela agência, ao prender-lhe em flagrante delito.

Na ocasião, o acusado, na condição de magistrado, acompanhado de dois Oficiais de Justiça, um deles nominado José Humberto Rosa da Mota, do Delegado de Polícia Alcindo Romeu Dutra Martins e de outro policial civil, ambos da Delegacia de Polícia de Lavras do Sul, bem como de quatro policiais militares, dentre eles Sérgio dos Santos Leivas, adentrou nas dependências do banco, tendo, aos gritos, acusado a vítima de estelionato e determinado a sua condução, com algemas, à Delegacia de Polícia local (mediante os seguintes termos: "Leva agora. A explicação é na Delegacia. E é sem fiança!!!), onde veio a ser lavrado o respectivo auto. O denunciado agiu com abuso de autoridade, realizando prisão manifestamente ilegal, sujeitando o gerente Seno a situação vexatória, tanto face à comunidade local como perante seus funcionários, fato que precipitou o seu afastamento daquela cidade. A vítima só não foi algemada porque acompanhou os policiais sem oferecer resistência.

Motivou o delito divergência entre o acusado e o Banco do Brasil, agência Lavras do Sul. No dia 01/07/2005, o Magistrado teria informado à instituição financeira a realização de depósito suficiente para a liquidação de suas pendências. Porém, teriam faltado 700 reais. Realizado depósito complementar, a situação estaria regularizada em 48 horas. Porém, no dia seguinte, pelas 16h, o Magistrado, impaciente e exaltado, telefonou para a agência dizendo que lá iria a fim de prender o gerente, o que de fato ocorreu pouco mais tarde, configurando-se injustificável arbitrariedade no ato consumado."
A decisão de recebimento da denúncia foi precedida de audiência especial dia 28-06-2006, presidida pelo relator do feito, visando possibilitar às partes a composição civil dos danos e a efetivação de transação penal, ao feitio do preconizado nos artigos 69 a 76 da Lei 9.0099/95.

A tentativa de composição mostrou-se inexitosa porque o ofendido declarou não alimentar interesse na composição dos danos, naquele momento. O denunciante, de sua vez, declarou que não proporia transação penal por entender que os motivos e circunstâncias determinantes da prática do fato atribuído ao imputado demandavam a deflagração de processo criminal tradicional, em busca da sanção cominada na lei especial, de vez que, no seu entendimento, a medida alternativa permitida pela transação, neste caso, não se mostrava bastante e suficiente para os fins de prevenção e reprovação da infração penal praticada. Na mesma oportunidade adiantou que, pelos mesmos fundamentos, não haveria de propor a suspensão condicional do processo (fls. 220 a 222).

Seguiu-se ao ato processual de recebimento da denúncia l a resposta escrita do acusado limitada ao exame de questões processuais relacionadas com a alegada nulidade da audiência realizada, por entender a defesa mostrar-se insuficiente a motivação do denunciante em recusar-se a propor a transação penal e a posterior suspensão condicional do processo, argumentando com direito do acusado à transação e, superada esta fase, com direito ao “sursis” processual (fls. 233 a 243).

Esta matéria acabou sendo apreciada, como preliminar, por este Órgão Especial, na sessão de 04-09-2006 que, após rejeitá-la, recebeu a denúncia, como já referido, tendo o acórdão, nesta parte, recebido a seguinte ementa:

penal e processual penal. crime de abUso de autoridade. magistrado. TRANSAÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RECEBIMENTO DA DENUNCIA.
A transação penal, bem como a suspensão condicional do processo, pressupõe acordo entre as partes, cuja iniciativa de proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público, como desdobramento da prerrogativa prevista no art. 129, I da Constituição Federal.

Inocorre qualquer irregularidade, de parte do Ministério Público, ao oferecer denúncia formal ao invés de transação penal ou suspensão condicional do processo, ao Magistrado acusado da prática de abuso de autoridade quando, como no caso, fundamenta sua decisão no entendimento de que os motivos e as circunstâncias do fato indicavam que aquelas medidas não se mostravam necessárias e suficientes à repressão e à prevenção da infração perpetrada.

Nulidade Repelida.

A defesa do réu ofereceu embargos de declaração contra o acórdão. Os embargos foram no entanto desacolhidos (fls. 530 a 540), seguindo-se a apresentação de habeas corpus junto ao egrégio STJ objetivando reformar a decisão de recebimento da denúncia, pelas razões antes resumidas.

A liminar requerida pelos ilustres impetrantes na aludida ação constitucional não foi deferida pelo Senhor Ministro Presidente daquela Corte Superior, estando os autos conclusos a sua excelência o Senhor Ministro Relator, já com parecer do Ministério Público, para julgamento desde 13/04/2007, sem previsão de sua inclusão em pauta, conforme informação prestada pelo servidor que, de ordem, respondeu ao ofício encaminhado (HC 73379/RS – Rel. Ministro Nilson Naves - fls. 863).

O ofendido Seno Luiz Klock foi admitido no feito como assistente à acusação.

Seguiu-se o interrogatório do acusado (fls. 371 a 391), a defesa prévia (fls. 485-486) e depois a tomada de depoimento das testemunhas da acusação e da defesa (fls. 410 a 482; 619 a 620; 752 a 762; 788 a 791).

Na fase do art. 10 da Lei 8.038/90 o Ministério Público viu deferido pedido de diligência, devidamente cumprida (fls. 798 e 804 e 812 a 818), nada tendo requerido a defesa. Vieram as alegações escritas da acusação, assistência e defesa.

Em diligência determinada pelo relator, foi regularizada a tomada de depoimento deprecado de uma testemunha que havia sido arrolada pelo Ministério Público (fls. 960 a 967), reabrindo-se o prazo para alegações escritas das partes.

O Ministério Público, depois de examinar toda prova produzida, pede a procedência da ação penal, com a condenação do acusado (fls. 879 a 882vº).

A assistência à acusação, realçando a informação do SERASA adentrada ao processo que esclarece existir registro naquele órgão de pendência bancária do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, incluído em 15-06-2005 e 16-07-2005 e excluído em 14-07-2005 e 05-08-2005, respectivamente, e registro de cheque sem fundo emitido contra o Unibanco, com registro de inclusão em 21-06-2005, 28-05-2005, 1º-06-2005 e 17-05-2005 e exclusão em 12-07, 1º-06,07-06 e 28-05, no ano de 2005, entendendo demonstrada a prática do crime atribuído ao acusado, pleiteou sua condenação (fls. 824 a 825).

A defesa do réu, inicialmente, reiterou a reclamação contra a decisão de não suspender a tramitação do processo por ausência de promoção ministerial neste sentido, argumentando que “a circunstância de ter sido denunciado por fato definido como crime de abuso de autoridade não pode ser discricionariamente invocado como fator impeditivo ao deferimento do pedido, haja vista a grande quantidade de decisões neste sentido em processos por crimes definidos na Lei 4.898/65, como é público e notório”. Prossegue a defesa do réu sustentando que o acusado não pode vir a ser condenado porque agiu como previsto no art. 5º, LXI da CF/88 e no art. 301 do CPP, isto é, no exercício regular de direito, como cidadão que teria sido ilegalmente expropriado de seu direito pela instituição financeira gerenciada pelo ofendido. Sublinha serem distintas e independentes as esferas administrativa e jurisdicional, daí porque não pode o tribunal, no julgamento deste processo, deixar-se influenciar pela decisão administrativa que removeu o acusado da comarca de Lavras do Sul por conveniência do serviço (fls.830 a 846).

É o relatório.

VOTOS

Des. Vladimir Giacomuzzi (RELATOR)

Este processo dá conta de um incidente que iniciou com o fato de um cliente de uma instituição financeira registrar débito em sua conta corrente na agência do banco com o qual mantinha contrato padrão de financiamento de empréstimo CDC e cheque especial, que evoluiu com a reclamação do financiado pela má prestação de serviço bancário e culminou, lamentavelmente, com um caso típico de abuso de poder, no meu entendimento.

Com efeito, revelam os autos que o acusado Jairo Cardoso Soares, Juiz de Direito de Lavras do Sul, era cliente do Banco do Brasil, agencia local, registrando em junho de 2005 a contabilidade daquela instituição um débito do correntista superior a R$30.000,00 proveniente de empréstimo CDC, cheque especial e cartões de crédito, prontificando-se, no entanto, o devedor a liquidar a pendência, tendo, com este propósito, tratado pessoalmente mais de uma vez com o sub-gerente Roberto Vivian.

A 29-06-2005 o acusado fez remessa de numerário em montante suficiente para cobrir todo o débito pendente, de acordo com os valores que lhe tinham sido apresentados. Aconteceu, no entanto, que o gerente Seno Klock teria comandado eletronicamente importância a maior de crédito em favor do cartão Visa, deixando em aberto a dívida para com o cartão Mastercard. Esta ultima instituição, diante do não pagamento do débito, procedeu às comunicações de praxe nestas situações (SPC, SERASA, etc). Sentindo-se prejudicado com o acontecido, o cliente foi a agencia bancária e tratou com o sub-gerente Vivian, tendo ficado esclarecido que procedido o conserto do equívoco, ainda faltaria o aporte de cerca de R$ 700,00 (setecentos reais) o que foi providenciado pelo acusado, sem correspondência, porém, de idêntico procedimento por parte da instituição financeira na escrituração da conta corrente e junto aos credores externos (Credicard). Nova reclamação do cliente foi providenciada.

O sub-gerente Vivian teria prometido tudo regularizar no prazo de 48 horas.

Antes do prazo, porém, segundo a versão de Vivian em seu longo depoimento de fls. 960 a 967, a 14/07/2005, sem conseguir falar pelo telefone com o gerente Seno, o acusado “perdeu o equilíbrio”, e numa operação para a qual foram convocados o Oficial de Justiça e policiais militares lotados no grupamento local , além da autoridade policial, dirigiu-se ao estabelecimento bancário depois do expediente externo da instituição e ali sendo comandou pessoalmente a prisão do gerente Seno Luiz Klock, dando-lhe voz de prisão. Ato contínuo, por determinação do imputado o preso foi conduzido à Delegacia de Polícia para lavratura do ato visando materializar a prova da suposta prática de crime de estelionato.

A prova dos autos, quanto ao fato da prisão e de suas razões determinantes, é incontroversa.

Transcrevo as declarações do acusado por ocasião do interrogatório a que se submeteu neste processo, na sua parte essencial:

“... o depósito foi em 29 de junho e a prisão ocorreu no dia 14 de julho, ou seja, 15 dias após. ... Nunca agira assim na minha vida, me tenho por uma pessoa equilibrada...; ... reconheço que perdi o equilíbrio, admito isso, mais de 15 dias e nada solucionado. Foi aí que fui lá e fiz o que fiz, ou seja, dei voz de prisão....; ...só dei voz de prisão e me retirei da agência bancária. Em nenhum momento mandei algemar o gerente.....; ...durante 15 dias eu tentei contacto telefônico e no dia da prisão eu entendi como uma certa afronta, porque telefonei várias vezes e na última vez ele não me atendeu o telefone, sendo que a funcionária que atendeu o telefone disse: o senhor gerente está ocupado numa outra ligação. Ela deixou o telefone aberto e eu ouvindo ele conversar com a cliente. E tanto é assim que eu avisei: diga a ele que eu vou prendê-lo. Pô, pensei: o cara vai ligar . Duas horas se passaram e nada de ele me ligar. Aí fui lá e efetuei o que fiz. ....chamei a autoridade policial para ir lá efetuar a prisão, porque eu não ia prendê-lo, pegá-lo. Quem faz a prisão é a autoridade policial e não eu. Eu apenas dei voz de prisão e me retirei da agência. ...ele queria me explicar naquele momento eu disse: agora não quero explicação. Estou esperando a 15 dias e nada de se resolver a situação. ... o senhor está preso. Delegado, cumpra com sua função (fls. 379)”.

“ ...Volto a dizer: reconheço que perdi o equilíbrio.... hoje eu agiria diferente porque na área cível eu estava cheio de razão, eu era a vítima. Só que por um ato desses eu de vítima passei a réu. Tudo bem. O que está feito está feito ....” (fls. 373 a 375).

A funcionária do Banco do Brasil que no dia 14 de julho de 2005 (a denúncia, nesta parte, se equivoca quanto à data) recebeu o telefonema do acusado, desde a cidade de Santa Maria onde o mesmo se encontrava, depondo em juízo, esclareceu:
“....Eu atendi o telefone e disse ... o Seno está numa outra ligação, é só com ele, eu posso ajudar ? ele disse assim: “então avisa para ele que eu estou saindo daqui de Santa Maria para prendê-lo”. Foi assim sucinto. Taxativo ...” (fls. 691).

O vigilante do Banco do Brasil que presenciou o acontecido na agência declarou ter visto o acusado entrar no estabelecimento e prender o gerente porque ele teria praticado estelionato, sublinhando o depoente que “o Dr. Jairo deu voz de prisão a Seno e ordenou ao Delegado que o levasse preso à delegacia algemado” (fls. 707 a 710).

O Delegado de Polícia, Alcindo Martins, o Oficial de Justiça José Humberto da Mota e o Soldado da Brigada Militar Sérgio dos Santos Leivas, todos convocados por telefonema provindo do Fórum local e que participaram da diligência chefiada pelo acusado que culminou com a prisão do ofendido, confirmaram em juízo tal circunstância, de terem sido chamados para dar respaldo ao Juiz de Direito, Dr. Jairo, na operação destinada a executar a prisão do gerente Seno porque ele teria praticado estelionato (fls. 634, 675 e 713).

Não é diverso o longo depoimento do ofendido Seno Klock (fls. 653 a 673).

Assim é que o fato da prisão e a motivação que a determinou restaram comprovados nos autos de forma inquestionável, segundo entendo. Tecnicamente estamos, portanto, diante da prova da autoria e da materialidade de um fato que a lei define como infração penal.

É preciso a partir daqui examinar se, pelo que fez, o acusado merece censura penal.

Sustenta a defesa do réu, em preliminar, que o tribunal pode e deve deliberar sobre pedido que reitera de suspensão condicional do processo, independentemente de proposição neste sentido da acusação.

A questão suscitada pela defesa é recorrente.

Por três vezes este egrégio Órgão Especial, neste mesmo processo, desatendeu o pedido defensivo de suspender o processo, mediante condições a serem cumpridas pelo réu.

Sustentando ter sido ilegal aquela decisão, porque atentatória ao direito à ampla defesa, o acusado bateu às portas do egrégio STJ, como referido no relatório, sem proveito, no entanto, até o momento, porque a liminar suplicada de trancamento da ação penal não foi deferida e o julgamento final do pedido embutido na aludida ação está protraído para não se sabe quando.

Renova a defesa o pedido antes desacolhido e o eminente Des. Nereu propõe que este tribunal aguarde o julgamento do habeas corpus pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça como se estivéssemos diante de questão prejudicial.

Não me parece que se deva aguardar o julgamento do habeas corpus. Não estamos diante de questão prejudicial e a matéria não foi reputada relevante por aquela Corte Superior. Caso assim tivesse entendido, teria evidentemente suspenso o andamento do feito, como expressamente requerido.

Quanto à renovação do julgamento da matéria que agora retorna, sublinhando que muito embora respeitável o entendimento da defesa, permito-me relembrar que a posição deste tribunal, no particular, está escudada na jurisprudência predominante do colendo STF como dito no enunciado 696 de suas Súmulas e que pode assim ser resumida:

“A suspensão condicional do processo pressupõe acordo entre as partes, cuja iniciativa de proposta, na ação penal pública, é privativa do Ministério Público.”

Por ocasião dos julgamentos precedentes tive ensejo e oportunidade de ponderar que o instituto da suspensão condicional do processo, assim como da transação penal strictu sensu, é matéria pertinente à justiça consensual, soando como agressão à noção de acordo que o juiz possa impô-lo às partes litigantes.

Na oportunidade invoquei dois precedentes do Pretório Excelso decorrentes de decisões posteriores ao enunciado 696 da Súmula: o HC 84.342/RJ – Rel. Min. Carlos de Britto – julgado pela 1ª Turma em 12/04/2005 e o RExt. 438161-GO – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado pela 1ª Turma em 31/03/2006).

Sem invocar aplicação ao instituto da coisa julgada, não vejo razão ou fundamento para se decidir diferentemente esta mesma questão já enfrentada por este órgão julgador neste mesmo processo.

Concernentemente ao mérito da pretensão punitiva, o acusado, pessoalmente e bem assim seus ilustres defensores, externaram o entendimento de que Jairo Cardoso Soares não cometeu nenhum crime porque o denunciado, prendendo o gerente do Banco do Brasil, não teria agido na condição de autoridade, mas como cidadão que, ilegalmente desapossado de seu direito, como sujeito passivo de uma infração penal de cunho permanente, teria agido no exercício regular de um direito. Teria o acusado reagido, como lhe faculta a lei, prendendo em flagrante o infrator.

Declarou o acusado, por ocasião do interrogatório:

“... agi como cidadão, no termos do Código de Processo Penal: qualquer pessoa pode dar voz de prisão, desde que esteja acontecendo o delito e o delito estava acontecendo há 15 dias ...” (fls. 374).

No meu entendimento, porém, a conduta do acusado não tem justificativa ou amparo legal algum.

Isto porque mesmo que a instituição financeira tivesse procedido ilegalmente, apropriando-se de valores do cliente - o que absolutamente não aconteceu - a reação do acusado, como cliente comum, isto é, como cidadão, não poderia ser aquela que adotou.

Porque o Banco do Brasil não é e nem pode ser sujeito ativo da prática da infração penal que lhe foi atribuída pelo acusado.

Nem o gerente poderia ter sido preso, porque nenhuma infração penal praticou ao longo do episódio em que se viu envolvido.

A falha do banco tão veementemente reclamada pelo acusado, ainda que procedente, não ultrapassava os umbrais de um ilícito civil ou comercial a ensejar no máximo uma demanda da mesma natureza que o acusado reputou “muito complicada” pelas razões que aduziu em seu interrogatório (fls. 386).

O denunciado tem consciência disso, segundo penso.

Na verdade o acusado, tendo se considerado “afrontado”, pelo tratamento recebido dos servidores da instituição financeira, particularmente do gerente Seno Klock de quem se considerava amigo e na casa de quem havia inclusive jantado, reagiu com uma arbitrariedade flagrante.

Não tivesse o denunciado agido como autoridade, não tivesse ele se utilizado do cargo que ocupava para fazer o que fez, como agora sustenta, teria então praticado o crime descrito no art. 345 do CP.

Porque esta é a infração penal que pratica todo cidadão comum que resolve desprezar o estado de direito e fazer justiça pelas próprias mãos.

Assim, por qualquer ângulo que se queira examinar os fatos, não vejo como deixar de reconhecer que o Juiz de Direito Jairo Cardoso Soares não podia ter feito o que fez.

A tese defensiva que objetiva convencer este órgão julgador de que o réu se houve no episódio por ele provocado no exercício regular de um direito, ou, alternativamente, sem vontade livre de ofender, não tem o menor fomento jurídico, data venia.

Tenho assim como demonstrado que o acusado se utilizou, consciente, abusiva e ilegalmente do cargo que ocupava, para fazer o que fez, praticando desta maneira o crime previsto no art. 4º, letra “a”, da Lei 4.898/65, posto que pratica crime de abuso de autoridade o Juiz de Direito que, a pretexto de haver a instituição financeira da qual era gerente o ofendido se apropriado ilegalmente de dinheiro que o Magistrado mantinha naquele estabelecimento, dá-lhe voz de prisão, determinando ao Delegado de Polícia que convocado o acompanhava na diligência conduzisse o preso à repartição para lavratura do ato, numa tentativa inútil de mascarar a arbitrariedade.

Permito-me lembrar que a Lei 4.898/65 visou, primeiramente, conferir proteção penal aos principais direitos individuais reconhecidos na Carta Magna, como a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de crença e de consciência, o livre exercício do culto religioso, a liberdade de associação, o direito à reunião sem armas em locais abertos ao público e independente de autorização e a incolumidade física e moral do preso.

Num segundo momento a lei visa proteger um interesse social, qual o do regular funcionamento da Administração Pública em sentido amplo, objetivando assegurar o exercício das funções públicas sem abuso de poder por parte dos seus agentes.

Estas duas objetividades jurídicas devem se fazer presente quando do julgamento de uma causa em que se acusa o agente público de haver atentado contra a liberdade de locomoção de determinada pessoa, como no caso dos autos.

O crime, aliás, já estava previsto no art. 350, caput, do Código Penal, nesta parte derrogado pela lei nova, menos severa do que a prevista na parte especial da Lei Penal Fundamental.

Sustenta igualmente a defesa que o fato de o réu ter sido removido, compulsoriamente, da comarca de Lavras do Sul em razão do episódio objeto deste processo, por motivo de interesse público (CF/88 art. 95, II) não pode se refletir no julgamento desta causa penal. Isto porque são distintas e independentes as esferas administrativa e jurisdicional.

Inegável que as esferas administrativa e jurisdicional são separadas e independentes. Convém, no entanto, lembrar que o órgão que decidiu administrativamente a causa que lhe foi apresentada - coincidentemente este mesmo Órgão Especial do Tribunal de Justiça – relativamente à legalidade da conduta do agente na prática do mesmo fato, o fez com apoio nas mesmas regras e nos mesmos princípios jurídicos que devem informar a decisão jurisdicional que deve ser editada neste processo.

Como não poderia deixar de ser, nenhuma sanção jurídica pode ser irrogada, na esfera administrativa ou jurisdicional, quando o envolvido tiver agido ao abrigo do direito, como alega o acusado nesta instância e como já o fez, sem sucesso, na instância administrativa.

Como o acusado, na esfera administrativa, viu sua conduta desaprovada e punida, porque ilegal e abusiva, não se espera que alimente fundada esperança de que este mesmo Órgão Especial, examinando a questão sob a ótica criminal, venha a decidir o contrário, isto é, que atuou no exercício regular de um direito que lhe assistia como cidadão comum, desvestido do cargo que então titulava. Muito embora, é certo, sob o aspecto teórico, possa fazê-lo, ainda que isso possa parecer paradoxal, uma vez que a decisão administrativa não vincula a jurisdicional.

No meu entendimento, porém, a partir do exame e da valoração jurídica do que nestes autos se contém, a uma única conclusão pode-se chegar: a integral procedência desta ação penal, como pretendo ter justificado.

Procedente a ação penal, impõe-se estabelecer a pena necessária e suficiente para reprovar e para reprimir o crime praticado pelo denunciado.

Na escolha da pena aplicável ao caso concreto, dentre as cominadas na Lei 4.898/65, bem assim sua quantidade, observados os limites mínimo e máximo na lei estabelecidos, determina a Lei Penal Fundamental, no art. 59, que o juiz considere a culpabilidade do agente.

Esta expressão aí está não no sentido de capacidade de culpa (imputabilidade consciência da ilicitude do fato e inexigibilidade de conduta diversa).

Estas exigências, todas elas, se fazem presente na pessoa do acusado, até mesmo por presunção, eis que Magistrado no pleno exercício da judicatura e nada foi oposto no sentido contrário quer pela defesa e menos ainda pela acusação. A expressão culpabilidade aparece no art. 59 do CP no sentido de reprovação social que o crime e o autor da infração penal devem suportar. No sentido de censurabilidade da conduta executada pelo agente. A culpabilidade que se busca definir neste momento é a integrada pelo conjunto de fatores indicados no aludido tipo legal, por um lado, e, por outro, a repercussão social determinada pelo ilícito perpetrado, tendo-se em atenção os bens jurídicos danificados pelo ilícito praticado.

Sob este aspecto, tenho que a censurabilidade da conduta realizada pelo acusado fica situada muito acima daquela que, nas mesmas condições de ilegalidade objetiva, teria sido perpetrada por outro servidor público que não titulasse o cargo de Juiz de Direito da comarca a quem o ordenamento jurídico confere o grave encargo de velar pelo estado de direito, devendo servir como paradigma do ideal de justiça, reprimindo a prática de toda e qualquer infração penal. A reprovabilidade da conduta realizada pelo acusado é, no caso, também elevada porque, para sua execução, o réu valeu-se do concurso material de subordinados seus e de outros servidores da área para-jurídica os quais, constrangidos, viram-se posicionados na condição de testemunhas de uma arbitrariedade manifesta. A culpa do acusado é igualmente elevada porque o ofendido resultou humilhado em seu local de trabalho, na presença dos colegas de serviço, tendo que padecer, como desdobramento do ilícito de que foi vítima, uma transferência compulsória, com prejuízo inequívoco para sua carreira funcional. Também a circunstância decorrente do afastamento compulsório do réu do cargo, incompatibilizado para o exercício da jurisdição no Município em razão da grave falta praticada, com as dificuldades de toda ordem que a ausência de titular na comarca acarreta, é outro dado concorrente no somatório de itens integrantes das conseqüências danosas do crime que elevam a censurabilidade da conduta incriminada.

Estes fatores prejudiciais na determinação da escolha da espécie de pena e do seu dimensionamento, se sobrepõem aos que poderiam ser arrolados como favoráveis ao acusado, como os antecedentes, que não registram qualquer anotação; à conduta social, que aparece como abonada pelo depoimento das autoridades representativas da comunidade que compareceram a juízo para depor neste sentido e bem assim dos advogados militantes na comarca ouvidos na instrução, com destaque para o longo tempo dedicado à Magistratura, com participação do acusado nas lides associativas da classe, aparecendo sem maior expressão o registro das pendências junto às instituições financeiras e ao murmúrio de que o réu teria sido visto embriagado na cidade, no cotejo com os dados precedentes agora examinados neste item ; quanto à personalidade, dado de difícil apreensão e avaliação, a do réu aparece nos autos como favorável, porque apresenta a silhueta de pessoa afável, compreensiva e bondosa, tratando a todos, no exercício de suas atividades jurisdicionais, com reconhecida atenção e interesse, mostrando-se a agressividade exteriorizada por ocasião do episódio objeto deste processo como desbordante de sua maneira de ser e como fato isolado; quanto aos motivos que levaram o imputado a proceder da forma como o fez, foram eles já realçados, tendo para tanto concorrido, ainda que não de forma inevitável, o comportamento do ofendido, ou da instituição financeira à qual estava o ofendido vinculado.

De posse de tais dados, penso que a pena privativa de liberdade, no caso, é a que melhor haverá de cumprir com os objetivos da sanção criminal. Não a pena de multa e nem a perda do cargo. A primeira porque muito aquém da finalidade repressiva que toda sanção criminal deve cumprir, particularmente neste processo e a última porque deve ser reservada aos autores de crimes funcionais punidos na forma do art. 92, inciso I do CP.

Assim é que, com amparo no art. 4º, letra “a”, c/c o art. 6º, § 3º, letra “b” da Lei 4.898/65, sujeito o réu Jairo Cardoso Soares a quatro meses de detenção (pena base convertida em definitiva, por inocorrentes agravantes, atenuantes ou causas de especial aumento ou diminuição) a serem cumpridos sob regime inicial aberto (CP art. 33, § 2º, letra “a”, c/c o art. 33, § 1º, letra “c”).

O condenado pagará as custas deste processo e verá lançado seu nome no Livro dos Culpados. A Secretaria, oportunamente, procederá às comunicações de estilo decorrente da condenação criminal.

Presentes as exigências legais (CP art. 44, § 2º), a pena privativa de liberdade imposta é substituída por prestação pecuniária (CP art. 43, I) consistente no pagamento em dinheiro da quantia de cinqüenta (50) salários mínimos nacionais em vigor no dia 14/07/2005 em proveito de entidade com destinação social do Município de Lavras do Sul (CP art. 45, § 1º) a ser identificada na fase da execução. É como voto.

DES. ARMINIO JOSÉ A. LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Há uma outra questão preliminar proposta pelo Des. Giacomolli.

Para simplificar os trabalhos, examinamos as duas preliminares suscitadas pela defesa, mais a do Des. Nereu, do julgamento do habeas corpus, para depois enfrentarmos o mérito limpo. Só a preliminar, Des. Nereu.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – PRELIMINAR I – Questão pendente de apreciação no STJ

Preliminarmente, entendo que há uma questão prejudicial ao exame do mérito, ou seja, consta em fl. 05 do projeto de voto, que houve ajuizamento de Hábeas Corpus no STJ, atacando o recebimento da denúncia, em razão de controvérsia acerca da transação penal (acordo criminal) e processual (suspensão condicional do processo). Essas alegações foram afastadas por este colegiado, quando do recebimento da denúncia e do julgamento dos embargos de declaração.

Mesmo assim e, embora não haja determinação de suspensão da tramitação processual, pelo órgão superior, penso que é de ser aguardada a decisão do STJ, pois, ao contrário, o acusado pode ser, nesta sessão, condenado e, posteriormente, haver provimentos preliminares processuais prejudiciais ao mérito, com prejuízos irreversíveis.

Portanto, voto no sentido de que se aguarde o julgamento do Hábeas Corpus.

DES. VLADIMIR GIACOMUZZI (RELATOR) - Senhor Presidente, quero destacar que a defesa não formula este pedido e talvez nem tenha interesse que o Tribunal julgue o habeas corpus. Há uma liminar que não foi concedida.

Tive a cautela de oficiar a Sua Excelência, o Ministro Relator, indagando-lhe se havia previsão de colocar em pauta o processo. Caso Sua Excelência tivesse tido a oportunidade de responder, e não teve, pois sabemos do excesso de trabalho, dando uma data para decidir, eu mesmo teria proposto que se aguardasse. Isso, no entanto, não aconteceu. Ainda sexta-feira, fiz a verificação e o processo continua concluso a Sua Excelência.

Penso que estamos seguindo a orientação correta sobre a matéria.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – O Des. Araken rejeita todas?

DES. ARAKEN DE ASSIS – Rejeito, Senhor Presidente.

DES. ROQUE MIGUEL FANK – Também.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Também.

DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL – Também.

DES. LEO LIMA – Também.

DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO – Igualmente.

DES. ARNO WERLANG – Também.

DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI – Acompanho o Des. Nereu. Tenho a impressão de que o habeas corpus deve ser julgado, inclusive porque habeas corpus deve ter preferência no julgamento. Igualmente acolho as demais preliminares, como já dito, por entender que nulifica o processo o não oferecimento de transação penal e, após, da suspensão do processo, sem que o Órgão Ministerial, no momento próprio, fundamente convincentemente a negativa.

DESA. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA – Acompanho o Relator.

DES. VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS – Qual é o Ministro do STJ que é o Relator?
DES. VLADIMIR GIACOMUZZI (RELATOR) – Ministro Nilson Naves.

DES. VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS – No caso concreto, estou rejeitando as preliminares, fazendo votos de que haja o julgamento do habeas corpus com a brevidade possível.

DES. CLAUDIR FIDELIS FACCENDA – Acompanho o Des. Nereu, porque também entendo que é uma questão prejudicial.

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ – Estou acompanhando o Des. Nereu na questão prejudicial.
DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO – Com o Relator.

DES. OSVALDO STEFANELLO - Senhor Presidente, a questão é longa, mas não vou deixar de expor minha posição. Aliás, posição que não é desconhecida neste Órgão Especial, pois já manifestada há não muito tempo em um processo proposto contra outro Colega, Newton Fabrício, quando se discutia exatamente o recebimento ou não da denúncia; a concessão ou não do benefício da transação penal.

Não participei do julgamento deste Órgão Especial quando foi recebida a denúncia contra o ora réu, Jairo Cardoso Soares, mas entendo que se aplica ao caso sob exame o que disse naquela ocasião: “De todas as questões discutidas nesta fase processual, recebimento ou não da denúncia, estou a me ater apenas a um aspecto. Refiro-me ao já afirmado dogma” - e é dogma, os Tribunais Superiores criaram um dogma que a lei não prevê - “segundo o qual a prévia transação penal” - digo prévia antes da denúncia, e não depois do recebimento da denúncia -, “nas hipóteses em que legalmente admitida, constitui-se em ato privativo do agente do Ministério Público. Ou seja, transformou-se o Ministério Público em juiz, em dono absoluto, em titular do direito ao réu legalmente assegurado. Em uma palavra, quem sabe se o réu tem ou não tem o direito ao benefício legal é o agente ministerial.

“Com toda vênia e respeito, pensamento de todo equivocado, eis que o direito ao benefício é do réu, ao qual deve ser assegurada a oportunidade de aceitá-lo ou não. Trata-se de direito subjetivo do réu, não de ato benemerente do Ministério Público, cuja supressão, penso eu, se constitui em atentado aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa que a toda pessoa que for criminalmente processada, mais de que nos processos cível e administrativo, devem ser assegurados, pena de cerceamento do direito que tem todo o acusado de exercer sua defesa com toda a amplitude, inclusive aceitando ou não o ato de transação penal.

“Ademais, quem deve, em última análise, dizer e decidir se o réu tem ou não direito ao benefício da transação penal, mesmo em o aceitando, é o Juiz, eis que só o juiz exerce a jurisdição e ninguém mais, nenhum outro poder ou instituição, mesmo que, para o juízo singular ou coletivo, a respeito possa jurisdicialmente decidir. Há que ser previamente ouvido o réu, o que, na hipótese, inocorreu sob o argumento de que o denunciado Newton Luís Medeiros Fabrício está a responder a outro processo.

“Responder a processo não é ter sido condenado, muito menos ter sofrido condenação com trânsito em julgado, e, se não há condenação definitiva, não se pode pretender considerar os seus efeitos para negar um benefício legalmente previsto e assegurado.

“Não se há de esquecer, de resto, que a inocência de uma pessoa criminalmente acusada se presume. Portanto, criminalmente inocente é a pessoa enquanto não condenada de forma regular com trânsito em julgado da decisão. “

Esses argumentos utilizei para, na hipótese, não receber de imediato a denúncia, mas, sim, para dar oportunidade a que o réu, naquele processo, tivesse assegurado esse benefício, que, volto a repetir, é um direito subjetivo do réu, embora deva ser proposto pelo Ministério Público sempre que não haja impedimento legal.

Na hipótese, leio apenas um trecho do relatório que diz o seguinte: “A tentativa de composição mostrou-se inexitosa porque o ofendido declarou não alimentar interesse na composição dos danos naquele momento”. Evidentemente, os danos materiais, os danos civis.

Desde quando se deixa de assegurar um benefício legal a um réu porque a vítima, ou sedizente vítima, diz que não tem interesse em tratar da composição de dano que possa ter sofrido naquele momento.

Agora, não é só o Ministério Público que diz se o réu tem direito ao benefício, agora também o assistente de acusação.

Vejam a que situação se chega. O Ministério Público não propõe, julga e diz que o denunciado não tem direito. Está dito e liquidou o assunto. Agora, há um assistente de acusação dizendo que não tem interesse na composição, e o direito subjetivo do réu? Volto a dizer: trata-se de direito subjetivo do réu que não deve ser sonegado se presentes as condições para tanto.

E, no caso, ficou muito claro que o fundamento que o Ministério Público utiliza para não propor o benefício esboroou-se com manifestações que houve da sociedade representativa da Comarca de Lavras do Sul. Esboroou-se, foi-se água abaixo.

Quanto a esse argumento da impopularidade do juízo, do mau conceito do juiz, quem estiver medianamente informado a respeito dos nossos Juízes sabe que o Dr. Jairo Cardoso Soares deixou um extraordinário nome na sociedade de Lavras do Sul, pela sua forma de ser, informal, que conversava com todas as pessoas, inclusive no bar da esquina. Isso não é desdouro, bem pelo contrário, é uma virtude, porque hoje qualquer Juiz deve acompanhar a sociedade a qual serve.

Completando, vou repetir: a transação ao réu tem que ser assegurada, ele aceite ou não aceite as condições, mas tem que saber quais são as condições, e não lhe foi dada a oportunidade de exercitar esse direito.

Portanto, esta é a minha posição: há um direito que não foi assegurado ao réu, e esse direito deve ser assegurado antes que o processo tenha o seu regular andamento.

Estou, assim, votando - e pelo que eu sei, não há preclusão pelo fato de o Tribunal já lhe ter negado esse benefício - pela anulação do processo desde a audiência inicial, para que tenha regular seguimento desde a prática do primeiro ato, que é a oportunidade de transação penal, que o réu tem direito a aceitar ou não.

DES. PAULO A. MONTE LOPES – Peço vênia para acompanhar o eminente Relator.
DES. ARISTIDES P. DE ALBUQUERQUE NETO

Vou pedir vênia ao eminente Relator para acompanhar o voto brilhante do Des. Stefanello, resumidamente dizendo que a recusa de transação penal efetivamente não está motivada com suficiência. A razão invocada, a repercussão social, não é bastante para impedir o benefício.

DESA. MARIA BERENICE DIAS – Com o Relator.

DES. DANÚBIO EDON FRANCO – Com o Relator, Senhor Presidente.

DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS – Com o eminente Relator.

DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO – Também.

DES. ARNO WERLANG – Senhor Presidente, já votei, mas não me dei conta de que foram propostas as duas preliminares.

Acompanho o Relator com relação à preliminar de suspensão do processo. Quanto à nulidade do processo, coerente com a minha manifestação já por ocasião da análise do recebimento da denúncia, em que entendia que a transação poderia ter sido proposta pelo Tribunal naquela oportunidade, porque, vencido, eu desde logo deferi a transação, vou acompanhar o eminente Des. Stefanello no sentido da nulidade do processo.

QUANTO À PRIMEIRA PARTE DO MÉRITO

DES. ROQUE MIGUEL FANK – Acompanho o eminente Relator.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Igualmente.

DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL – Também.

DES. LEO LIMA – Também.

DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO – Igualmente.

DES. ARNO WERLANG – Também acompanho o eminente Relator.

DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI – Estou em julgar improcedente a ação penal com base no art. 386, inc. III do Código de Processo Penal, por entender que o fato não constitui infração penal.

Não houve, no caso concreto, dolo específico na ação do réu a tipificar a conduta descrita no art. 4º, alíena “a” da Lei 4.898/65 (ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder). Na verdade, considerando-se injustiçado e prejudicado pelos procedimentos adotados por gerente da Instituição Financeira, agiu alegadamente como cidadão em reação ao que considerava injustiça.

A conduta do acusado somente se deu em face de uma situação que considerava injusta a sua pessoa e, na qualidade de cidadão, reagiu contra ela. Aqui, o acusado praticou a ação como um particular. Não há elementos nos autos a consubstanciar que o acusado agiu se valendo da figura de juiz de direito, o que afasta elemento do tipo: “com abuso de poder.”

Afora isso, considero que houve excesso, como o próprio acusado reconhece, quando afirma, em suas declarações prestadas por ocasião do interrogatório: “reconheço que perdi o equilíbrio...”. Contudo, esse excesso, a meu ver, não caracteriza dolo penal, havendo, na esfera administrativa, medida adequada para responsabilizá-lo, por isso estou julgando improcedente a ação penal.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI - PRELIMINAR II – Suspensão condicional do processo

Os direitos do acusado não precluem. Por isso, é possível ser examinada o direito de o acusado à suspensão condicional do processo. O juiz é a garantia dos direitos e das liberdades individuais e deve julgar, aceitando ou não o que foi proposto pelo Ministério Público, sob pena de abdicação da jurisdição. No caso concreto, ademais, da Tribuna foi informado que a Câmara de Vereadores manifestou-se a favor do magistrado. Há elemento novo que deve ser apreciado. Eu o estou acolhendo para julgar o réu merecedor da transação penal e da suspensão condicional do processo, anulando o feito desde o recebimento da denúncia, inclusive. Inclusive, não há como aplicar o artigo 28 do Código de Processo Penal, em feitos de competência originária e a ação penal foi exercida.

Não sendo acolhida esta preliminar, examino o mérito.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Des. Nereu, inclusive Vossa Excelência acompanharia o voto do Des. Stefanello quanto à nulidade desde a audiência?

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Sim.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Os demais Colegas que acompanharem Vossa Excelência vou consultar sobre se também estendem.

Vossa Excelência pode entrar no mérito.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – MÉRITO

Vênia ao eminente relator, entendo que as circunstâncias fáticas justificam a conduta do acusado, embora tenha havido excesso. Porém, o excesso não é doloso e, a meu sentir, não ingressa na esfera criminal – abuso de poder (não há punição culposa, motivo por que o excesso culposo é atípico). As circunstâncias dos autos justificam o excesso (excesso exculpante, excludente da culpabilidade).

Ao examinar o material que me foi entregue, senti que os funcionários da agência bancária, mormente o gerente, não obraram com a presteza necessária para resolver o equívoco na destinação do valor depositado pelo réu, o magistrado Jairo Cardoso Soares.

O cliente do banco, o acusado, com o intuito de quitar o débito, no dia 29 de junho de 2005, fez a remessa do respectivo numerário. Ocorre que houve comando de parte deste depósito, pelo gerente do banco, para um cartão do acusado (cartão visa), deixando em aberto parte do débito para com outro cartão (mastercard). Foram realizadas gestões entre o acusado e o gerente da instituição bancária, culminando em consenso de que restariam R$ 700,00 (setecentos reais) para serem depositados. O acusado providenciou o depósito, mas não houve solução do gerente do banco.

Em 14 de julho de 2005 é que teria ocorrido o abuso de poder.

Segundo o réu, esperou quinze dias pela regularização. Porém isso não ocorreu. Estou dando crédito ao que diz o magistrado, apesar de todo descrédito que certas atividades e certos setores sociais tentam passar à sociedade acerca da magistratura, do trabalho e da atividade jurisdicional.

O réu ficou quinze dias esperando uma solução!

Além disso, foi cadastrado em órgãos de proteção de crédito: SPC e SERASA.

Disse o magistrado que, ainda, fez contatos telefônicos, mas não foi atendido.

Não porque é um magistrado, mas porque é um ser humano é que merecia um tratamento digno. Não é o que vejo nos autos.

Houve a voz de prisão, dada pelo réu. Sim. Isso qualquer um do povo tem autorização legal para fazê-lo, nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal.

O magistrado, ao dar a voz de prisão agiu como cidadão comum e não como juiz de direito. Qualquer cliente do banco poderia ter feito o que o réu fez, na medida em que estava autorizado legalmente. Estava no exercício regular de um direito e, para tal, poderia pedir auxílio para a força pública, como o fez. Se a prisão foi devida ou indevida, nem sequer se discutiu nos autos. Se o gerente estava em flagrante delito ou não, nem sequer se discutiu nos autos.

Quando a conduta resulta de atividade como particular, desvinculada de determinação oficial, de função específica, não há que se falar em abuso de poder. Nesse sentido já houve decisão do TACrim-SP, in JTACrimSP 65/248:

“NÃO HÁ FALAR EM ABUSO DE PODER SE A AÇÃO DE POLÍCIA DO RÉU RESULTA DE ATIVIDADE COMO PARTICULAR, DESVINCULADA DE DETERMINAÇÃO OFICIAL E DA FUNÇÃO ESPECÍFICA”.

Ademais, mesmo que tivesse se identificado e agido como autoridade, para que ficasse configurado o abuso se faria necessário que o ato fosse praticado no exercício próprio e específico de sua função, que não é o caso do acusado.

Por isso, estou propondo a absolvição do acusado, com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
DESA. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA – Acompanho o eminente Relator.
DES. VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS – No caso concreto, estou acompanhando o posicionamento do eminente Relator, com a devida vênia da divergência.
DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA – Nas preliminares, acompanhei o Des. Stefanello e o Des. Nereu. No mérito, entendo que o acusado poderia ter resolvido a questão na área cível, contratando advogado. Mesmo que tenha agido como cidadão comum e não como juiz, como alega, o acusado agiu mal. Sabidamente, os bancos agem dessa forma, seja cobrando juros extorsivos, seja demorando para descadastrar os clientes dos órgãos de proteção ao crédito.

O acusado, estimado Colega e Juiz com carreira brilhante e produtiva, nesse ato cometeu uma falta que não pode passar em branco.

Por isso, com a vênia da divergência, no mérito, estou acompanhando o eminente Relator.

DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO – Da mesma forma.

DES. OSVALDO STEFANELLO - Senhor Presidente, apenas reafirmo minha posição a respeito da preliminar.

Quanto ao mérito, com todo o respeito, acompanho a posição adotada pelo Des. Giacomolli. É um voto técnico, lúcido e bem fundamentado.

DES. PAULO A. MONTE LOPES - Acompanho o Relator.

Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto

Senhor Presidente, eu tinha examinado o material e estava propenso a acompanhar o eminente Relator. Mas, durante a sessão, com mais subsídios, chego à conclusão diversa, daí porque estou acompanhando o voto dos eminentes Desembargadores Giacomolli e Stefanello.

No meu sentir, a punição cabível já foi realizada no âmbito administrativo, porque aí, sim, as duas pessoas, Juiz e particular, se confundem, são indissociáveis quanto à conduta externada. No entretanto, para que se configure crime de abuso de autoridade, a jurisprudência é tranqüila de que é necessário que o réu esteja agindo de ofício, e na espécie, o magistrado ele não estava agindo de ofício, mas como particular.

Passo à leitura de algumas ementas: “[...] inaplicável a Lei nº 4.898/65 se autoridade não se encontrava no exercício de suas funções”; “[...] não se encontrando o acusado no desempenho de sua função, tanto que se achava à paisana” - como é o caso - “quando agrediu e feriu a vítima, não há cogitar delito de abuso de autoridade”.

Por isso, acompanho os eminentes Des. Giacomolli e Stefanello.

DES. ARAKEN DE ASSIS - De acordo com o Relator.

DESA. MARIA BERENICE DIAS - De acordo com o Relator.

DES. DANÚBIO EDON FRANCO - De acordo com o Relator.

DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS - De acordo com o Relator.

DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO - De acordo com o Relator.

QUANTO À SEGUNDA PARTE DO MÉRITO

DES. ROQUE MIGUEL FANK – Acompanho.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Também.

DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL – Também.

DES. LEO LIMA – Também.

DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO - Senhor Presidente, quanto à pena, entendo que preponderam as situações favoráveis, condições pessoais do acusado. É um magistrado digno que vem desempenhando suas funções ao longo dos tempos e é conhecido dentro da Magistratura.

Ao final e ao cabo, o resultado é exatamente o mesmo, ou seja, substituição da pena pela aplicação de multa.

Estou acompanhando.

DES. ARNO WERLANG – Também acompanho o eminente Relator.

DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI – Eu absolvi. Parece-me que, quando é preliminar, deve-se votar quanto ao mérito, mas aqui só se repartiu o mérito.

Não imponho qualquer pena, pois, ao examinar o mérito, absolvi.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) - Vossa Excelência não tem nenhum reparo, então?

DESA. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA - De acordo com o Relator.

DES. VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS – Com o Relator, com os acréscimos do Des. Aquino no caso concreto.

DES. CLAUDIR FIDELIS FACCENDA – Também, com o eminente Relator.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Absolvi, Senhor Presidente. Dentro desta linha lógica de raciocínio, aplicaria somente a pena de multa.
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ – Concordo nesse aspecto.

DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO – Da mesma forma.

DES. OSVALDO STEFANELLO – Absolvi.

DES. PAULO A. MONTE LOPES – Com o Relator.

DES. ARISTIDES P. DE ALBUQUERQUE NETO – Absolvi.

DES. ARAKEN DE ASSIS – Com o Relator.

DESA. MARIA BERENICE DIAS – Com o Relator.

DES. DANÚBIO EDON FRANCO – Essa multa hoje seria na ordem de R$ 19.000,00.

Embora estejamos na área criminal, estou fazendo uma certa equivalência com o dano moral. Hoje não se está chegando mais ou menos neste valor, quando muito, R$ 10.000,00. Estão reduzindo pelo que tenho visto.

Não obstante isso, estou acompanhando.
DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS - De acordo com o Relator.

DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO - De acordo com o Relator.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Relativamente às prefaciais, Des. Difini, fica só a suspensão para aguardar o julgamento do habeas corpus ou estende para as outras?

DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI – Para as outras também.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Des. Arno, só a nulidade? Aguardar o habeas corpus, não?

DES. ARNO WERLANG – Pela nulidade. O habeas corpus, não.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Então, Vossa Excelência acolhe só uma preliminar, os demais acolhem as três preliminares.

DES. OSVALDO STEFANELLO – Eu também, só com a primeira preliminar.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) – Des. Vasco, Vossa Excelência vai votar? Houve três preliminares em que ocorreu dissensão de votos. Duas delas a defesa suscitou – a questão da nulidade da audiência preliminar por não ter sido oferecida a transação e a questão da suspensão do processo -, e de ofício o Des. Nereu suscitou a preliminar de que se aguarde o julgamento que está no STJ.

DES. VASCO DELLA GIUSTINA – Gostaria, antes de mais nada, de cumprimentar o ilustre advogado que se empenhou ao máximo defesa do seu constituinte, processualista de mérito que é, e trouxe dados novos.

Na realidade, parece-me que as preliminares não seriam acolhidas pelo menos por mim. Eu me deteria apenas naquela de que o Poder Judiciário não poderia deixar de dar a última palavra com relação à audiência. A verdade é que a nossa doutrina e jurisprudência têm consagrado, por exemplo, no arquivamento do processo, que, insistindo o Ministério Público no arquivamento, o Poder Judiciário tem que se curvar a isso, cabendo, pois, a vítima palavra, nesta questão, ao Ministério Público.

No mérito, acompanho o Desembargador-Relator.
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA - PRESIDENTE - PROCESSO-CRIME Nº 70015391626, COMARCA DE PORTO ALEGRE: "REJEITARAM, POR MAIORIA, AS PRELIMINARES, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES NEREU JOSÉ GIACOMOLLI, ALZIR FELIPE SCHMITZ, CLAUDIR FIDELIS FACCENDA E LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, QUE ACOLHIAM AS PRELIMINARES DE NULIDADE DA AUDIÊNCIA, DE SUSPENSÃO DO PROCESSO, E QUE AGUARDAM O JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS; VENCIDOS TAMBÉM OS DESEMBARGADORES OSVALDO STEFANELLO, ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO E ARNO WERLANG, RELATIVAMENTE À PRELIMINAR DE NULIDADE DA AUDIÊNCIA. NO MÉRITO, POR MAIORIA, JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO, NOS TERMOS DO VOTO DO EMINENTE RELATOR, RESTANDO VENCIDOS OS DESEMBARGADORES NEREU JOSÉ GIACOMOLLI, LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, OSVALDO STEFANELLO E ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, QUE JULGAVAM IMPROCEDENTE O PEDIDO." IMPEDIDO O DESEMBARGADOR MARCELO BANDEIRA PEREIRA. PROFERIU SUSTENTAÇÃO ORAL O DR. JOSE ANTONIO PAGANELLA BOSCHI, PELO DENUNCIADO. ESTEVE PRESENTE O DR. AMADEU DE ALMEIDA WEINMANN PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO.” PRESENTE O DOUTOR JAIRO CARDOSO SOARES.


SBDS

MAIS

LEI N.º 9.455/97. ART 1°, ii, § 4°, ii. CRIME DE TORTURA.

Crime de tortura contra as crianças e adolescentes internos do Instituto de Menores de Ijuí, que se encontravam sob a guarda e autoridade do réu, com emprego de violência e grave ameaça, a intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE MAUS TRATOS. ART. 136 DO CP. A situação dos autos passou muito longe de maus tratos, o que foi vivenciado neste caso foi a crueldade do réu contra vários menores que estavam sob sua guarda e responsabilidade.

MAJORANTE DO § 4º inciso ii DO ART. 1º DA lEI n.º 9.455/97.

Adequado o aumento em um terço, tendo em vista que as circunstâncias judiciais foram quase todas desfavoráveis e, ainda foram vítimas 27 crianças e adolescentes.

APELO imPROVIDO. unânime.

Apelação Crime Terceira Câmara Criminal
Nº 70029386950 Comarca de Ijuí
LUIS CARLOS MUNDINS APELANTE
MINISTERIO PUBLICO APELADO
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam, os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao apelo defensivo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira (Presidente) e Des. Odone Sanguiné.

Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2010.


DES. IVAN LEOMAR BRUXEL,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)

LUIS CARLOS MUNDINS, com 42 anos de idade à época do fato, foi denunciado como incurso nas sanções do art. 1º, inc. II, c/c o § 4º, inc. II, da Lei n.º 9.455/97, e do art. 129, caput (duas vezes), c/c o art. 61, inc. II, letra “g”, na forma do art. 29, caput, e 69, caput, do Código Penal; ADRIANO CRUZ SOUZA, com 19 anos de idade à época do fato, nas penas do art. 1º, inc. II, c/c o § 4º, inc. II, da Lei n.º 9.455/97, na forma do art. 29, caput, do Código Penal; e EDUÍNO TERNES, com 56 anos de idade à época do fato, nas sanções do art. 243, da Lei n.º 8.069/90, na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Narra a denúncia:

“(...). 1º FATO:

1- No período compreendido entre o dia 19 de março (fl. 93 do IP) e o dia 24 de maio de 2002, em horários diversos, nas dependências do Instituto de Menores de Ijuí, localizado na RS 155, Km 5, Distrito de Santana, em Ijuí-RS, os denunciados LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA, em acordo de vontades e conjugação de esforços, submeteram as crianças e os adolescentes abrigados no Instituto de Menores de Ijuí (L.G.R., L.S., R.R.R.S., M.R., M.R., L.C.B., P.A.L., I.M.V., W.L., A.K., P.M.S., W.P.C., A.D., V.F., M.R.R., E.A., A.R.G., J.F.P.C., J.S.T., D.S.S., D.D.V.NE., T.K.W., J.F.B., R.V.P., G.C.O., J.B. e D.A.G.), os quais se encontravam sob sua guarda e autoridade, com emprego de violência e grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Na oportunidade, os denunciados LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA, administrador e auxiliar administrativo, respectivamente, do Instituto de Menores de Ijuí, sob o pretexto de impor punição e disciplina às crianças e aos adolescentes ali abrigados, contra estes efetivavam e dirigiam ilegalmente atos que provocavam intenso sofrimento físico e mental, assim exemplificados:

1.1- No mês de março de 2002, no horário do almoço, o denunciado LUIS CARLOS MUNDINS, na presença dos demais abrigados, agrediu fisicamente o adolescente D.A.G., com 16 anos de idade, em razão deste ter tossido involuntariamente ou esboçado sorriso no refeitório da instituição enquanto aquele efetuava instruções ou explicações rotineiras.

O acusado LUIS CARLOS MUNDINS, tomando o ato como ofensa pessoal, desferiu um tapa no rosto do ofendido, o qual, em movimento espontâneo, levantou uma tesoura que portava, baixando-a imediatamente.

Mais uma vez, o acusado investiu contra a vítima, desferindo-lhe um tapa, conduzindo-lhe ao escritório do instituto, onde continuou a efetuar agressões com socos, tapas e pontapés.

1.2- O adolescente W.L., em determinada ocasião, pelo motivo de cantar e dar risadas com os demais internos no refeitório da instituição, foi obrigado pelo denunciado ADRIANO CRUZ SOUZA a postar-se em pé, por largo espaço de tempo, aproximadamente duas horas, em um canto da mencionada sala, segurando um pedaço de madeira sobre a cabeça, no qual eram penduradas roupas. No decorrer do castigo, eram-lhe desferidas pauladas e proferidas palavras ameaçadoras e de deboche (tá chorando nenezinho?), inclusive com a advertência de que se alguma roupa caísse ao chão os demais abrigados sofreriam agressões físicas.

Os abrigados viram e presenciaram tais fatos.

1.3- Em várias oportunidades, os abrigados do Instituto de Menores de ijuí executavam brincadeiras denominadas lutinhas, que consistiam em simulacros de luta, mediante empurrões. Quando eram surpreendidos pelos denunciados LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA, conjunta ou separadamente, as crianças e os adolescentes envolvidos na brincadeira eram colocados um defronte do outro e obrigados a desferirem tapas e socos mutuamente, um contra o outro, perante os demais.

Após, eram obrigados pelos denunciados a se darem as mãos e a caminhar ou correr em volta do prédio do instituto ou da mesa do refeitório, sendo que, durante o percurso, deveriam repetir várias e inúmeras vezes que nunca mais iriam brigar ou algo semelhante.

Ressalta-se que, quando os abrigados recusavam-se a se agredir mutuamente, eram, então, agredidos a tapas e socos pelos denunciados, sendo-lhes proferidas palavras injuriosas.

1.4- Em determinada ocasião, os denunciados suspenderam o oferecimento de carne nas refeições dos institucionalizados, em razão de que, certo dia, fora do horário, sem autorização, alguns adolescentes haviam consumido o alimento (carne), sobra da refeição.

Todavia, os denunciados LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA, nesse período, comiam carne nas refeições, na presença dos abrigados, e, ao consumi-la, caçoavam das crianças e dos adolescentes, perguntando-lhes de estavam putinhos (o que significa bravos com o fato), xingando-os de caras-de-pau. Mais, ao colocarem o alimento na boca, diziam ah, que carne gostosa!.

É digno de nota que, de igual forma, quando a instituição recebia doações de pizzas e quando algum adolescente, neste dia, aprontasse, nenhum deles comia o alimento. No entanto, o denunciado ADRIANO CRUZ SOUZA comia na frente de todos, sozinho.

Sinala-se que os abrigados, ao comerem frutas, algumas delas existentes em abundância (por exemplo, abacate, laranjas, etc.), eram repreendidos com agressões físicas (tapas, empurrões, etc.) e com palavras injuriosas pelo denunciado LUIS CARLOS MUNDINS.

Da mesma forma, no período, injustificadamente, foi interrompido o fornecimento de leite às vítimas. No entanto, tal alimento era destinado aos terneiros.

1.5- Qualquer acontecimento que significasse, na visão dos denunciados, perturbação da disciplina, a despeito de sua insignificância, os abrigados, de forma contínua, eram repreendidos por LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA com agressões corporais, aplicações de castigos, ameaças de formulação de atas e remessa dos mesmos à FEBEM, o que provocava humilhações, medo, temor e receio, inclusive impedindo que eles relatassem tais fatos às autoridades competentes.

1.6- Também eram impostas por ambos os denunciados tarefas aos internos de modo a sobrecarregá-los, tais como lavar diversas vezes a louça sob o pretexto de não estarem bem limpas e limpar banheiros e demais dependências como medida de castigo, pelo simples fato de terem olhado desse ou daquele jeito para os denunciados ou de terem feito uma brincadeira insignificante, própria da adolescência, ou, ainda, sem motivo algum ou aparente.

Algumas dessas medidas ou tarefas eram determinadas durante as refeições, que, em vista disso, para alguns adolescentes, eram interrompidas.

Ressalta-se que em uma dessas oportunidades, na qual o interno A.D. foi obrigado a limpar as paredes do refeitório, no período da madrugada, este sofreu uma queda, pois estava numa escada, vindo a quebrar o braço, conforme o prontuário médico das fls. 64/67 do inquérito policial.

Em outra situação, pelo fato de que uma cueca fora encontrada por LUIS CARLOS MUNDINS no chão da lavanderia, o adolescente R.R.R.S. foi agredido a socos, tapas e pontapés pelo denunciado, na presença dos demais colegas, pelo fato de que a peça lhe pertencia, chegando aquele, inclusive, a ter mandado o adolescente engolir a citada cueca.

2- Na maioria das vezes, os fatos acima narrados, eram praticados na presença dos demais institucionalizados, que também eram ameaçados de sofrer igual punição.

Os atos punitivos e com tons de provocação cometidos pelos denunciados, que tinham ciência das conseqüências que provocariam no físico e no espírito dos que estavam sob sua guarda e autoridade, causavam vexame, constrangimento, medo, receio, humilhação e revolta nos adolescentes, principalmente pelas suas próprias condições de origem, razões do abrigamento e ausência e distância do convívio dos familiares, até porque já se encontravam emocionalmente abalados, resultando daí um intenso e duradouro sofrimento físico e mental.

2º FATO:

No período acima compreendido, em diversas vezes e horários, e notadamente no dia 23 de maio de 2002, em horário não esclarecido, mas no período da tarde, na localidade denominada Povoado Santana, em Ijuí-RS, de forma continuada, o denunciado EDUÍNO TERNES vendeu a adolescentes, dentre os quais L.G.R., W.P.C. E L.S., sem justa causa e por preço não esclarecido, bebida alcoólica, produto cujo componente pode causar dependência física ou psíquica.

Nesta última oportunidade (dia 23 de maio de 2002), realizava-se na localidade de Povoado Santana um torneio de futebol, quando ingressaram no estabelecimento comercial de propriedade do denunciado EDUÍNO TERNES os adolescentes acima referidos, desejando adquirir bebida alcoólica, no que foram prontamente atendido pelo denunciado, o qual lhes alcançou cachaça.

3º FATO:

No dia 23 de maio de 2002, por volta das 18h30min, nas dependências do Instituto de Menores de Ijuí, localizado no Povoado Santana, em Ijuí-RS, o denunciado LUIS CARLOS MUNDINS ofendeu a integridade corporal do adolescente L.G.R. e W.P.C., causando, no primeiro, as várias lesões corporais de natureza leve descritas no auto de exame de corpo de delito das fls. 7 e 75 do inquérito policial.

Na oportunidade, as vítimas encontravam-se em um torneio de futebol, quando adquiriram bebida alcoólica e, ingerindo-a, ficaram embriagados. Ao retornarem para as dependências do Instituto de Menores de Ijuí foram flagrados pelo denunciado LUIS CARLOS MUNDINS e levados ao seu escritório, quando então passou a lhes agredir mediante socos e pontapés. Após a agressão, o acusado ordenou ao ofendido L.G.R. que tomasse banho, momento em que este, intensamente amedrontado, receoso, humilhado e revoltado, empreendeu fuga da instituição, solicitando auxílio da Brigada Militar e do Conselho Tutelar, cujo integrante registrou ocorrência policial (fl. 6 do IP). (...)”.


A denúncia foi recebida em 06DEZ02 (fl. 383).

O réu EDUÍNO TERNES foi beneficiado com a suspensão condicional do processo, sendo determinada a cisão do processo em relação a ele (fls. 395/396).

Sobreveio sentença lançada em 16 de agosto de 2007, às fls. 873/890, proferida pelo Juiz de Direito Osmar de Aguiar Pacheco, julgando parcialmente procedente a denúncia para condenar os réus LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA à pena de seis anos e oito meses de reclusão (pena-base em cinco anos, majorada em um terço pelo artigo 1º, § 4º, inciso II, da Lei n.º 9.455/97), para cada réu, em regime inicial fechado, aplicando, ainda, a interdição do exercício de atividades por treze anos e quatro meses, pois dados como incursos nas sanções do artigo 1º, inciso II, c/c § 4º, inciso II, da Lei n.º 9.455/97. Ainda, declarou extinta a punibilidade quanto a LUIS CARLOS MUNDINS, por força da prescrição quanto aos crimes do artigo 129, caput, do Código Penal.

Inconformada, a Defensoria Pública apela em relação aos réus LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA (fl. 892), entretanto, o apelo ora em questão diz respeito ao réu LUIS CARLOS MUNDINS. Nas suas razões (fls 903/917), sustenta a insuficiência do contexto probatório. Alega que o acusado LUIS CARLOS MUNDINS, em juízo, negou qualquer envolvimento com o delito em tela e, ainda, que as testemunhas não conseguiram, em seus depoimentos, imputar a empreitada aos denunciados, eis que não presenciaram os fatos narrados na peça acusatória. Aduz que as vítimas tentaram, com suas palavras, narrar os fatos de sua maneira, e que isso não deve ser valorado para uma condenação. Sustenta, também, que a conduta é atípica, entendendo que o tipo penal em questão insere-se nos chamados delitos de intenção, tendo em vista que não restou demonstrado que os acusados queriam castigar ou aplicar medida preventiva como ato educativo, não se amoldando, assim, a conduta do tipo penal em baila e, ainda, que apenas é tipificado como delito de tortura, aquelas condutas que infligem “sofrimento intenso”. Quanto à fixação da pena, afirma demasiada a pena-base em relação às vetoriais do artigo 59 do Código Penal, principalmente em razão da majorante de que o crime foi praticado contra crianças e adolescentes. Ainda, pede a exclusão da pena de multa ou, alternativamente, a diminuição do quantum fixado. Pede a absolvição do acusado ou, subsidiariamente, a desclassificação do delito de tortura para o de maus tratos, ou ainda, o redimensionamento da pena para o mínimo legal.

O Ministério Público contra-arrazoou o apelo (fls. 927/959), constatando, preliminarmente, que o réu LUIS CARLOS MUNDINS não estava recolhido à prisão e, com isso, não tinha o direito de apelar, de acordo com o artigo 594 do Código de Processo Penal. Por esta razão, houve a cisão do feito em relação ao mesmo, tendo a apelação sido recebida tão-somente quanto ao réu ADRIANO CRUZ SOUZA (fl. 972).

Foi expedido mandado de prisão contra o réu LUIS CARLOS MUNDINS (fl. 978).

A Defesa impetrou habeas corpus em favor do réu LUIS CARLOS MUNDINS (fls. 994/1001) requerendo a cassação da decisão que decretou a prisão do paciente e negou-lhe o direito de recorrer em liberdade; a concessão ao paciente do direito de recorrer e aguardar o julgamento do processo em liberdade; e a determinação do recebimento e julgamento das razões do recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública

Após, houve a concessão parcial da ordem para que o recurso de apelação em relação ao réu LUIS CARLOS MUNDINS fosse processado e remetido a este Tribunal de Justiça (fl. 1027/1029).

Neste grau de jurisdição, em parecer lançado às fls. 1036/1044, o Procurador de Justiça Sérgio Guimarães Britto opinou pelo desprovimento do apelo defensivo.

É o relatório.

VOTOS

Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Primeiramente, cumpre referir que o recurso de apelação interposto em favor do acusado ADRIANO CRUZ SOUZA foi julgado por este Relator, quando integrava a Primeira Câmara Criminal, na sessão de julgamento do dia 30 de abril de 2008, tendo como decisão o parcial provimento do recurso defensivo no sentido de reduzir o apenamento em três meses em razão da menoridade do réu.


EXAME DO CASO CONCRETO

A vítima M.R., em juízo, à fl. 454, informou que:

“(...)em relação ao administrador Mundins, para os adolescentes que não faziam as coisas certas, ele batia, dando socos, tapas e coices.”(...)


A vítima L.L.S., em juízo, à fl. 457, declarou que:

“(...)na época do administrador Mundins, cada um tinha uma função estabelecida por ele e senão cumpria ele batia com tapa, pontapé e o fazia na frente de todo mundo, e dizia que isso era para aprenderem.”(...)


A vítima M.R., em juízo, à fl. 460, referiu que:

“(...)na época do Mundins funcionava na base do tapa, quem trabalhava não apanhava, e quem não trabalhava e aprontava na escola apanhava. Quem batia com tapas, coices, socos, era Mundins.”(...)


A vítima R.R.R.S., em juízo, à fl. 462, relatou que:

“(...)na época do administrador Mundins, o depoente colocou uma cueca para secar e acha que o vento derrubou e por isso Mundins lhe deu um coice na bunda.

(...) Outra vez também levou tapa na orelha de Mundins. Mundins não deixava explicar e já batia.”(...)


A vítima A.R.G., em juízo, à fl. 464, contou que:

“(...)nunca teve problema, mas via os internos serem agredidos por Mundins, principalmente porque os piás não lavavam roupa.”(...)


A vítima E.A., em juízo, à fl. 466, disse que:

“(...) No tempo de Mundins ele batia nos piás quando incomodavam.”(...)


A vítima T.K.W., em juízo, à fl. 467, referiu que:

“(...) No tempo de Mundins não era bom para os piás porque ele batia demais.”(...)


A vítima J.F.B., em juízo, à fl. 469, declarou que:

“(...)nos tempos de Mundins ele batia nos piás, dando uns tapas e uns coices.”(...)


A vítima P.A.L., em juízo, à fl. 471, informou que:

“(...)era ruim no tempo do IMI, porque só batia. Uma vez Mundins bateu no depoente porque mandou lavar os panos de prato, e porque não estava limpo ele deu um coice e um puxão de cabelo.”(...)


A vítima G.C.O., em juízo, à fl. 473, declarou que:

“(...)um dia porque pisou no molhado, na grama, em frente a igreja, Mundins fez o depoente buscar um balde de água e depois lhe jogou toda água que tinha dentro do balde na roupa e depois mandou secar tudo. Deu um tapa no rosto e soco nas costas.”(...)


A vítima I.M.V., em juízo, à fl. 493, contou que:

“(...)o diretor Luiz Carlos batia em todo mundo que estava no Instituto.”(...)


A psicóloga e uma das dirigentes provisórias do Instituto de Menores de Ijuí, Andréia Carvalho Schneider Studt, à fl. 502, relatou que:

“(...) Houve relato de adolescente narrando que tinham sido agredidos. Lembra de um adolescente que diz que fora agredido por Luís Carlos dentro de uma sala no IMI. (...)

Notou que os adolescentes tinham muito medo de falar sobre tais fatos, mas acabaram confirmando que lá haviam agressões e certos tipos de castigos como ficar na sala escura. Vestir roupa molhada por não ter toalhas para secar. Que eram incitados a agressões e lutas principalmente por Adriano. Menciona que eventualmente ficavam sem comida como castigo. Um relatou também que quebrou o braço quando efetuara algum serviço da casa e segundo ele determinado que fosse feito de madrugada.”(...)


A testemunha Edvino Okaseski, funcionário e residente no Instituto de Menores de Ijuí, à fl. 505, declarou que:

“(...)os meninos se queixavam de Mundins, dizendo que o mesmo dava castigo, do tipo de obrigar a ficar caminhando de meia hora a uma hora dentro do Instituto. Queixavam-se também que ele dava tapas e coices. Reclamavam também que eles como castigo suspendiam a carne.” (...)


A testemunha José Krawszuk, funcionário e residente no Instituto de Menores de Ijuí, à fl. 506, informou que:

“(...) Comentavam que um tinha que dar um tapa no outro a mando de Mundins, mas isso o depoente não presenciou. Também soube que um dos castigos era ficar correndo dentro do Instituto se queixando também de ter levado tapas.” (...)


O conselheiro tutelar José Alfredo Bischoff, à fl. 507, relatou que:

“(...) Tomou conhecimento dos fatos descritos na denúncia quando um adolescente procurou a brigada militar e fez registro na DP. Ante só ouviu comentários. Quando a saída da direção foi até o IMI conversar com os adolescentes os quais mencionaram que foram mal tratados, inclusive pelo administrador anterior. A forma como Luís Carlos os mal tratava segundo eles era por agressão física e moral, dando tapas. Que como castigo havia restrição da alimentação.” (...)


O policial militar Marcelo Vargas de Lima, à fl. 508, referiu que:

“(...)o adolescente entrou em contato com a brigada militar na frente do HCI, se queixando que tinha sido agredido, no IMI, onde teria submetido a maus tratos e que por isso fugiu de lá. Ele não mencionou nome de quem o agredira, mas mencionou que era o responsável. Que notou que o rapaz estava apavorado.” (...)


O policial militar Gelci Valdecir dos Santos, à fl. 510, informou que:

“(...) Um adolescente chamou a brigada militar, em frente ao HCI, que mencionou que fugiu do IMI, e relatou que tinha sofrido maus tratos no IMI. Encaminharam para atendimento no HCI e ao Conselho Tutelar. Ele estava bem assustado dizendo que tinha fugido do IMI.” (...)


A vítima P.M.S., à fl. 537, afirmou que:

“(...) Se algum abrigado não obedecesse, aí Seu Mundins ia bater.”(...)


A vítima V.F., à fl. 561, relatou que:

“(...) Mundins batia na gente. (...)

Afirma que os adolescentes ficaram mais de três meses sem tomar leite, embora fosse tirado leite do chiqueiro. Registra que teve uma vez que os piás tiraram leite e não ferveram, deixando que o leite coalhasse, o Seu Mundins mandou que nós ficássemos só de calção na rua e deu um banho de mangueira em todo mundo. Estava frio.”(...)


A vítima J.B., à fl. 579, disse que:

“(...) Eles trancaram o depoente e outros menores, em várias oportunidades, no gabinete da direção e passavam a aplicar corretivos consistentes em tapões nos ouvidos e “coice” nas pernas. Eles aplicavam o corretivo em vários meninos, até aqueles bem pequenos.”(...)


A assistente social e administradora provisória da casa de abrigo, Jane Zibélia Goetz Miranda, à fl. 585, aduziu que:

“(...) Foi solicitada pelo Prefeito para com outras pessoas assumirem temporariamente o Instituto de Menores de Ijuí, porque teria havido agressões.”(...)


A vítima A.D., à fl. 596, contou que:

“(...) Foi agredido em uma oportunidade, quando Luiz Carlos Mundins deu uns coices no depoente quando estavam limpando um chiqueiro.”(...)


A vítima W.L., à fl. 616, mencionou que:

“(...) Confirma que Luis Carlos e Adriano efetivamente aplicavam punições aos menores internados na instituição. (...)

Confirma que os internados ficavam humilhados com os castigos impostos, referindo que “se o cara fugia, quando voltava era pior”. Sentia-se com medo e ameaçado na instituição.”(...)


L.C.B., também vítima, à fl. 647, ressaltou:

“(...) Uma vez só que Mundins deu um tapa no depoente. Bateu no rosto. O depoente viu adolescentes lavando paredes de madrugada. (...)

O depoente chegou a ver Mundins dando pontapés em adolescentes, mas o depoente não identifica as vítimas pelos nomes. Foram uns quantos adolescentes chutados.”(...)


A vítima D.S.S., à fl. 670, declarou que:

“(...) Eles batiam nos pequenos. (...)

Quando dois internos brigavam Mundins fazia um dar tapa no outro. Fazia eles correrem de mãos dadas em volta do prédio. (...)

Eles davam muito castigos, batiam, deixavam encerrados.”(...)


A vítima R.V.P., à fl. 704, referiu que:

“(...) Também é verdade que eles repreendiam e davam tapas e empurrões quando eles comiam as frutas. Também eles suspendiam o fornecimento de leite e o depoente disse que isso não acontecia por castigo de algum ato de disciplina dos menores e eles faziam assim só por fazer.”(...)


W.P.C., também vítima, à fl. 753, relatou que:

“(...)recorda que Luís Carlos Mundins batia nos “piás” e, inclusive, no depoente. Este senhor era o que mandava nos monitores. Essas agressões aconteciam dentro da instituição. Essas agressões ocorriam quando um adolescente urinava na cama ou ia mal no colégio. Também quando havia barulho. De vez em quando também não davam alimentação.”(...)


A vítima A.K., à fl. 755, aduziu que:

“(...)estava com os pés sujos, pois estavam brincando. Pegou uma meia sua e fez uma bolinha para jogar futebol. Como não sabia onde era para lavar os pés, subiu para dormir sem lavar os pés. Foi nessa ocasião que Luís Carlos Mundins puxou a coberta do depoente e deu um tapa no rosto do depoente.”(...)


A vítima J.F.P.C., à fl. 762, mencionou que:

“(...) Luís Carlos Mundins era o que agredia os adolescentes, não tinha diálogo com ele. Ele já chegava dando coices na bunda.”(...)


A materialidade e a autoria se verificam através dos depoimentos das vítimas, bem como das demais testemunhas, que confirmam a conduta do apelante, demonstrando clara adequação a tipificação do delito de tortura.

Cabe referir que o réu agredia os abrigados, causando-lhes intenso sofrimento físico e mental, o que era feito como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Portanto não prospera o pleito defensivo de que a conduta em questão seja atípica, tampouco a alegação de insuficiência no contexto probatório.

Destaca-se que as vítimas eram castigadas e agredidas por motivos banais, sendo que bastava um olhar, um sorriso, ou até mesmo uma tosse involuntária para que a punição fosse aplicada com tapas, socos, pontapés e coices.

Assim, não há que se falar em desclassificação para o delito de maus tratos como pleiteia a Defesa.

É evidente que a situação dos autos passou muito longe de maus tratos, o que foi vivenciado neste caso foi a crueldade do administrador do Instituto de Menores de Ijuí contra diversos internos que estavam sob sua guarda, autoridade e responsabilidade.

Por todo o exposto, não há que se falar em absolvição.


PENA APLICADA

A pena-base foi corretamente fixada em cinco anos de reclusão visto que o réu teve a análise das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal operada de forma desfavorável.

A pena foi aumentada em 1/3 em razão da majorante prevista no § 4°, II, do artigo 1°, da Lei n.º 9.455/97 restando definitiva em seis anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, aplicando, ainda, a interdição do exercício de atividades ligada ao atendimento a crianças e adolescentes pelo período de treze anos e quatro meses.

O aumento em um terço foi adequado, tendo em vista que as circunstâncias judiciais foram quase todas desfavoráveis e, ainda, foram vítimas 27 (vinte e sete) crianças e adolescentes.

A Defesa se equivocou em suscitar a diminuição ou exclusão da pena de multa, visto que sequer foi aplicada, sendo que não tem previsão legal no tipo em exame.

Destaca-se que o delito de tortura é daqueles repudiados pela Magna Carta, motivo pelo qual merece severa reprimenda.

Voto, portanto, pelo improvimento ao apelo defensivo.

Julgador(a) de 1º Grau: OSMAR DE AGUIAR PACHECO


Des. Odone Sanguiné (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).


DES. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO DE OLIVEIRA - Presidente - Apelação Crime nº 70029386950, Comarca de Ijuí: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO. UNÂNIME."



Julgador(a) de 1º Grau: OSMAR DE AGUIAR PACHECO

COMENTARIOS

Trabalho de Penal: Julgados referentes à abuso de autoridade e tortura.

1. PROCESSO-CRIME Nº 70015391626 - Crime de abuso de autoridade

TJRS condenou o juiz gaúcho por abuso de autoridade, o juiz Jairo Cardoso Soares - com 19 anos de atividade na magistratura gaúcha - pelo crime de abuso de autoridade, a uma pena de quatro meses de prisão. Esta foi, afinal, substituída por prestação pecuniária (50 salários mínimos, em vigor em julho de 2005).

Segundo a denúncia, na agência do Banco do Brasil da cidade de Lavras do Sul, o denunciado, com abuso de autoridade, executou medida privativa de liberdade e atentou contra a liberdade de locomoção de Seno Luiz Klock, gerente daquela agência, ao prender-lhe em flagrante delito".

Esse caso é muito interessante se nos depararmos com a questão envolvida que discorre a cerca da dúbia interpretação do caso: a primeira de condenar o magistrado por abuso de autoridade, e a segunda de condenar um cliente do bando enganado.

O relator Vladimir Giacomuzzi foi minucioso, sendo, no voto, acompanhado - sem outros comentários -pela maioria dos julgadores. Um dos votos condenatórios, proferido pelo desembargador Claudir Fidelis Faccenda, ressalvou que "o acusado poderia ter resolvido a questão na área cível, contratando advogado". O voto aponta que "mesmo que o dr. Jairo tenha agido como cidadão comum e não como juiz - como alega - ele agiu mal", mesmo sabendo-se que "os bancos agem dessa forma, seja cobrando juros extorsivos, seja demorando para descadastrar os clientes dos órgãos de proteção ao crédito".

Porém a decisão foi a de condenar o magistrado em seu posto: na petição, o advogado Ademar Pedro Scheffler, foi incisivo: "Jairo agiu não como cidadão comum, mas na condição de magistrado, movimentando um aparato com duas viaturas e nove acompanhantes, dentre oficiais de justiça, policiais e PMs".

2. Apelação Crime nº 70029386950 - Crime de Tortura

Esse caso é muito interessante pois esclare o limite do crime de maus tratos, até que ponto este se transforma em crime de tortura. Tal processo também, aponta que a tortura não está só associada à agressões físicas graves e repetidas, mas também, como regula - Lei 9.455/97 - o crime de tortura é sofrimento ou dor provocada por maus-tratos físicos ou mentais.

Como podemos constatar, o sr. Luiz Carlos Mundis mantia os abrigados ''com emprego de violência e grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.''

Ao final, ''a pena foi aumentada em 1/3 em razão da majorante prevista no § 4°, II, do artigo 1°, da Lei n.º 9.455/97 restando definitiva em seis anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, aplicando, ainda, a interdição do exercício de atividades ligada ao atendimento a crianças e adolescentes pelo período de treze anos e quatro meses.'' Vemos que o réu recebu quase a pena máxima (oito anos), porém eu discordo da parte final da pena que permite que o réu volte a exercer atividades ligadas ao atendimento de crianças e adolescentes após 13 anos e 4 meses, creio que após tais antecedentes, o réu deveria ser impedido permanentemente de exercer tais atividades.

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