quinta-feira, 8 de abril de 2010

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Vítor Cunha
Pesquisa jurisprudencial: art. 305 do CTB

Acórdão do TJ/SC, HC no 2009.021970-9.

A seguir o relatório do julgado:

RELATÓRIO

Cuida-se de ordem de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado Frederico Zanotelli dos Santos, em favor de Marcelo Moraes Machado, denunciado pela prática das condutas delituosas descritas nos arts. 305 e 306 da Lei n. 9.503/97.

O impetrante requer o trancamento da ação penal por falta de justa causa, argumentando, em síntese, a inconstitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97) e a atipicidade da conduta prevista no art. 306 do referido diploma legal.

Aduz que o art. 305 da Lei n. 9.503/97 ofende o art. 1º, III, e art. 5º, LXIII e LXVII, ambos da Constituição Federal.

No tocante ao crime disposto no art. 306 da Lei n. 9.503/97, menciona não ter sido realizado o chamado "teste de bafômetro" e nem exame de sangue para auferir a concentração alcoólica e atestar a suposta embriaguez do paciente. Cita a inovação da Lei n. 11.705/08.

Desta feita, pugna pela concessão da ordem em caráter definitivo, culminando no trancamento da ação penal.

Indeferida a liminar (fls. 30/31) e prestadas as informações (fls. 36/37), foi proferido parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça opinando pela concessão parcial do writ, para trancar o procedimento penal em trâmite apenas com relação ao delito previsto no art. 306 do CTB (fls. 40/43).

É o relatório.

A seguir, trechos selecionados do voto (no que toca ao art. 305 do CTB)

VOTO

Pretende o impetrante obstar o curso da ação penal, argumentando, em síntese, a insuficiência de provas da materialidade do delito tipificado no art. 306 da Lei de Trânsito e a inconstitucionalidade do art. 305 da mesma lei.

De início, cumpre salientar que o pedido de trancamento da ação é medida excepcional, somente sendo admitida quando a mera exposição dos fatos evidencia a ilegalidade, ou quando se imputa ao paciente fato atípico, ou, ainda, quando ausente qualquer fundamento no inquérito para embasar a acusação.

1. DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97)

2. DA ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DA LEI N. 9.503/97

Outro ponto suscitado neste writ, a fim de que seja concedido o trancamento da ação penal, está na inconstitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito, sob o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si.

Sem razão.

O fato do paciente, condutor do veículo, ter se afastado do local do acidente de trânsito, não significa, evidentemente, estar corroborando para a caracterização de sua culpa, haja vista que tal instituto somente será analisado na fase judicial e em observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Vale reproduzir as palavras do Desembargador Solon d'Eça Neves no julgamento da apelação criminal n. 2005.025725-8, in verbis:

"Uma coisa é se furtar da responsabilidade, e outra é a produção de prova contra si. Não se pode crer que ao evadir-se do local do crime o acusado estaria buscando não produzir provas eu seu desfavor, pois ao acatarmos tal tese, estaríamos podados a incentivar, sobremaneira, que todos têm direito e devem fugir do local, após o cometimento, diga-se de quaisquer crimes".

É a ementa do julgado supracitado:

APELAÇÃO CRIMINAL - PRELIMINARES - NULIDADE DA SENTENÇA ANTE A OCORRÊNCIA DO CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DA SUPRESSÃO DA FASE PROCESSUAL PRECONIZADA NO ART. 499 DO CPP - ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DO CTB - TESES AFASTADAS.

(...)

Ninguém tem a obrigação de fazer prova contra si, mas a espécie delitiva atacada tutela a administração da justiça no sentido de evitar-se que o causador do evento danoso tente eximir-se de sua responsabilidade criminal e civil. (AC n. 2005.025728-8, da Capital, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 22/11/05)

No mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RECURSO CRIME. DELITO DE TRÂNSITO. ARTIGO 305 DA LEI Nº 9.503/97. TIPICIDADE E SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1 - Réu que, após colidir em veículo estacionado, foge do local, sendo identificado somente em razão de ter a vítima anotado a placa de seu carro. 2- Evidenciada a intenção do réu de eximir-se de eventual responsabilidade civil ou penal, impositiva a condenação. 3- O objeto jurídico do delito é a administração da justiça, logo, não há falar em inconstitucionalidade do dispositivo legal. Outrossim, a eficácia da fuga não é elementar do tipo penal. Recurso Desprovido. (RCr 71001779842; São Luiz Gonzaga; Turma Recursal Criminal; Relª Desª Cristina Pereira Gonzales; j. 29/09/08) (sem grifo no original)

Denota-se, pois, que o art. 305 da Lei n. 9.503/97, não tem por objeto incriminar a pessoa envolvida no evento danoso, mas sim garantir que aquela não se exima de suas responsabilidades, as quais serão averiguadas nas esferas judiciais competentes.

Desta forma, arredada a alegada inconstitucionalidade, não havendo qualquer irregularidade na peça acusatória quanto ao delito previsto no art. 305 da Lei n. 9.503/97, assim como elementos que revelem, de plano, a insubsistência dos fatos narrados na denúncia enquanto ilícito penal, não há como se obstar o curso da ação penal proposta contra o paciente.

Destarte, deve ser mantido o curso normal do processo-crime instaurado.

Fixo os honorários assistenciais em 15 URH's, de acordo com a Lei Complementar Estadual n. 155/97.

Diante do exposto, concede-se a ordem em parte.

DECISÃO

Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à unanimidade de votos, decidiu conceder a ordem em parte tão-somente para trancar a ação penal n. 023.07.121523-1 no tocante ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Carlos Alberto Civinski e o Exmo. Sr. Des. Luiz Fernando Boller .

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou a Exmo. Sr. Procurador Paulo Roberto Speck.

Florianópolis, 26 de maio de 2009.


Marli Mosimann Vargas


PRESIDENTE E RELATORA


Desembargadora Marli Mosimann Vargas

A decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve, pois, o entendimento que já havia demonstrado em decisões anteriores acerca da alegada inconstitucionalidade do art. 305 do CTB; e o fez com base em sólido argumento: “Uma coisa é se furtar da responsabilidade, e outra é a produção de prova contra si”.

Claro que não se espera do réu a auto-incriminação e nem sequer é a isto que se presta o dispositivo em questão, todavia, não é lícito permitir que alguém se valha da lei para eximir-se de responsabilidade civil ou criminal. Desse modo, acertam os tribunais de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, supra-citados, ao interpretarem que a intenção do legislador, ao redigir o artigo 305 do CTB, foi apontar a administração da justiça como objeto jurídico do delito e, em razão disso, cai perde qualquer sustentação a tese de suposta inconstitucionalidade do dispositivo legal.

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