quinta-feira, 8 de abril de 2010

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Aluno: José Guilherme Surdi

Apelação Criminal n. 2009.055269-2, de Campos Novos

Relator: Des. Irineu João da Silva


ABUSO DE AUTORIDADE (ART. 3º, "I", DA LEI N. 4.898/65) E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339 DO CÓDIGO PENAL). PRELIMINAR. AFASTAMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ILÍCITOS EM CONCURSO MATERIAL QUE, SOMADOS, ULTRAPASSAM O LAPSO TEMPORAL PREVISTO NO ART. 61 DA LEI N. 9.099/95. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DO OFENDIDO CONVERGENTE COM A PROVA TESTEMUNHAL, BEM COMO COM AS CONCLUSÕES DOS EXAMES PERICIAIS. POLICIAIS MILITARES QUE, DOLOSAMENTE, AGRIDEM VÍTIMA ALGEMADA, CAUSANDO-LHE OFENSAS FÍSICAS PELO EMPREGO DE GOLPES DE CASSETETE E CORONHADAS NOS GENITAIS. ELEMENTARES DO ABUSO DE AUTORIDADE CARACTERIZADAS. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. REGISTRO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA, CONFECÇÃO DE AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E POSTERIOR INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL POR CRIMES QUE OS RÉUS SABIAM SER A VÍTIMA INOCENTE. INFRAÇÃO PENAL DO ART. 339 DO CÓDIGO PENAL PATENTEADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.055269-2, da comarca de Campos Novos (Vara Criminal), em que são apelantes Anderson Murilo Petrikoski e Cleiton José Vieceli, e apelada a Justiça Pública, por seu promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO


O representante do Ministério Público oficiante na Vara Criminal da Comarca de Campos Novos ofereceu denúncia contra Anderson Murilo Petrikoski e Cleiton José Vieceli, como incursos nas sanções dos arts. 339, "caput", e 342, "caput", ambos do Código Penal, bem como do art. 4º, "a", da Lei n. 4.898/65, pelos seguintes fatos descritos na proemial acusatória (fls. I/III):


No dia 24 de outubro de 2006, por volta das 11h30min, na Rua Juvelino Fernandes, Bairro Aparecida, na Cidade de Campos Novos, os denunciados CLEITON JOSÉ VIECELI e ANDERSON MURILO PETRIKOSKI, Policiais Militares em atuação no Grupo de Resposta Tática, avistaram Nilson dos Santos Souza, de alcunha "Queixo", conduzindo o automóvel VW/Logus, placas LZL 9609.


Neste momento, sabendo que "Queixo" não possuía carteira de habilitação, os denunciados passaram a persegui-lo com a viatura policial, permanecendo o denunciado ANDERSON ao volante.


Em determinado momento da perseguição, quando conseguiu aproximar a viatura do policial do automóvel de "Queixo", que se recusava a atender a ordem de parada, o denunciado ANDERSON passou a bater seguidamente a viatura na traseira do carro perseguido, fazendo com que este perdesse o controle, acabando por colidir com o automóvel VW/Fusca, placas final 2423, que estava estacionado.


Ato contínuo, Nilson dos Santos Souza conseguiu se evadir novamente, rumando em direção à sua residência, onde abandonou o automóvel que guiava e entrou rapidamente no imóvel.


Neste momento, os denunciados ANDERSON e CLEITON, que continuavam em perseguição a "Queixo", invadiram a sua residência e passaram a espancá-lo violentamente, provocando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito de fl. 21.


Depois de prenderem Nilson e de levarem-no até a Delegacia de Polícia, os denunciados registraram contra ele boletim de ocorrência, imputando-lhe falsamente a prática dos crimes de desacato, resistência e ameaça, que sabiam que ele não havia cometido, dando causa à instauração de inquérito policial e ação penal n. 014.06.005159-4.


Por fim, durante a instrução do processo criminal, os denunciados prestaram falso testemunho em Juízo, quando afirmaram que Nilson foi quem provocou a colisão contra o automóvel VW/Fusca e, depois, ao dar marcha-ré, bateu contra a viatura.


Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada parcialmente procedente, para condenar os réus ao cumprimento da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) mês de detenção, em regime semi-aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor de 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65 e art. 339, "caput", do Código Penal, restando absolvidos do ilícito previsto no art. 342, "caput", do Estatuto Repressivo (fls. 264/293).


Inconformados com a prestação jurisdicional, os acusados apelaram, requerendo, em preliminar, a incompetência da Justiça Comum para processar e julgar o delito de abuso de autoridade, por ser de menor potencial ofensivo, e, no mérito, a absolvição, ao argumento de insuficiência de provas para condenação (fls. 299/306).


Com as contra-razões (fls. 307/319), nesta Instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Paulo Roberto Speck, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 337/352).

VOTO


Preliminarmente, não há falar em incompetência da justiça comum para processar e julgar a presente causa.


Isso porque, para a definição da competência, as penas máximas cominadas em abstrato aos crimes descritos na exordial acusatória, no caso de concurso material (art. 69, CP), devem ser somadas, e não consideradas singularmente.


Na hipótese, observa-se que, juntas, as sanções corporais dos crimes de abuso de autoridade (art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65) e de denunciação caluniosa (art. 339, CP) superam o lapso de 2 (dois) anos delimitado no art. 61 da Lei n. 9.099/95, razão porque fica afastada a competência do juizado especial criminal.


A Corte Suprema já se manifestou sobre o assunto:


"Habeas corpus". Incompetência do Juizado especial criminal. Havendo concurso de infrações penais, que isoladamente sejam consideradas de menor potencial ofensivo, deixam de sê-lo, levando-se em consideração, em abstrato, a soma das penas ou o acréscimo, em virtude desse concurso. "Habeas corpus" deferido, para declarar a incompetência do Juizado especial criminal, e determinar que os autos sejam encaminhados à Justiça Estadual comum (C 80.811/PR ¿ rel. Min. Moreira Alves ¿ j. 8.5.2001 ¿ DJ 8.5.2001).


Não destoa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


É pacífica a jurisprudência desta Corte de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos; destarte, se desse somatório resultar um apenamento superior a 02 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial (C 101.274/PR ¿ rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho ¿ j. 16.2.2009 ¿ DJ 20.3.2009).


No mérito, os elementos probatórios amealhados no decurso da instrução processual convencem da responsabilidade criminal dos denunciados pela prática dos delitos de abuso de autoridade e denunciação caluniosa.


A materialidade está calcada nos boletins de ocorrência (fls. 4 v. e 17), no auto de prisão em flagrante (fls. 6/13), no termo de exibição e apreensão (fl. 16), na ficha de ocorrência da polícia militar (fls. 18/19 v.), auto de resistência à prisão (fl. 20), no exame de corpo de delito (fl. 21) e na cópia dos autos n. 014.06.005159-4 (fls. 49/99).


A autoria, embora negada pelos réus, vem confortada pelo relato da vítima e através dos depoimentos das testemunhas presenciais dos fatos.


A vítima Nilson dos Santos Souza, quando ouvida na ação penal n. 014.06.005159-4, asseverou que atravessava a via principal, momento em que os policiais lhe deram ordem de parada, e, diante da determinação, tentou estacionar atrás de um VW/Fusca, mas, como os policiais conduziam a viatura em alta velocidade, colidiram contra a traseira de seu automóvel, que, por força do impacto, atingiu o terceiro carro.


Apavorada, deixou o local, dirigindo-se rapidamente até sua residência, abandonou o VW/Logus e correu para o interior do imóvel, seguida pelos milicianos, que, para efetuarem a prisão, romperam a porta de acesso e lhe deram uma coronhada na cabeça.


Ficou desorientada com o golpe, oportunidade em que foi algemada e jogada no compartimento para condução de presos da viatura. Acrescentou que, posteriormente, foi agredida nas costas com golpes de cassetete, bem como recebeu chutes nas costelas.


Expôs que não se utilizou de faca contra a guarnição policial, sendo que viu a arma branca só na delegacia, ressaltando não ter presenciado os seus irmãos ameaçando ou agredindo os policiais.


Concluiu, alegando que, no dia dos fatos, um dos policiais militares mandou o interrogando fugir da cidade, caso contrário "iriam premiar o interrogando, ou iriam consumir o interrogando" (fls. 56/58).


Ouvida novamente, por carta precatória, nos autos n. 014.07.001166-8 (referente à apuração dos crimes em tela), confirmou que os fatos ocorreram exatamente como narrados na denúncia (fl. 145).


A testemunha ocular Anildo Geovani dos Santos, proprietário do VW/Fusca referido pela vítima, ouvido sob o crivo do contraditório, asseverou que, na ocasião dos fatos, estacionou seu automóvel na rua Capinzal, com o intuito de conversar com um amigo. Permaneceu no assento do motorista, enquanto seu colega se posicionou, em pé, ao lado do carro.


Em certo momento, seu amigo disse que ouvia um barulho de sirene, razão pela qual olhou para trás, visualizando um VW/Logus sendo perseguido por uma caminhonete preta da polícia.


A viatura batia seguidamente na traseira do automóvel perseguido, e o acusado Cleiton estava com metade do corpo para fora da janela, segurando uma espingarda nas mãos, avaliando ter escutado cerca de 8 a 10 tiros desferidos com a arma de fogo, todos direcionados contra o automóvel do ofendido.


Durante a perseguição, uma das batidas da viatura policial projetou o automóvel VW/Logus contra seu carro, e, como observou que a colisão era inevitável, preparou-se para o impacto.


Mencionou ter visto que "o veículo VW/Logus teria desviado facilmente de seu carro, se a viatura não tivesse jogado ele; não é verdade que o veículo VW/Logus tenha colidido com seu carro e provocado a batida na viatura".


Ocorrido o choque, o automóvel do ofendido deu marcha a ré e continuou fugindo, seguido, por sua vez, pela viatura militar. Não ouviu, a partir dali, outros disparos de arma de fogo.


Recuperado da tontura resultante da colisão, encaminhou-se à delegacia para registrar a ocorrência, ocasião em que reconheceu o veículo policial, e, nas dependências da repartição, viu Nilson dos Santos Souza algemado, seu rosto estava bastante machucado e sangrando, ele inclusive chorava.


Finalizou, dizendo que, "na DP, encontrou os réus; em dado instante, o denunciado Anderson lhe pediu o que tinha acontecido; disse ao réu que estava parado e tinham batido em seu carro, querendo saber quem iria pagar o prejuízo; Anderson lhe disse para 'deixar quieto', pois morava na cidade; interpretou as palavras de Anderson como ameaça, intimidação, e, por isso, não quer contato com os réus" (fl. 173).


A genitora do ofendido, Albertina Cândido de Souza, perante o magistrado, alegou ter se dirigido à casa de sua prima, e, durante o percurso, tomou conhecimento de que Nilson estava sendo preso, inclusive apanhava dos policiais, motivo pelo qual decidiu retornar à sua residência, com o propósito de averiguar os acontecimentos.


Ao chegar na casa, visualizou o veículo VW/Logus parado, bem como a caminhonete preta e outras viaturas policiais, e, logo que se aproximou, viu seu filho caído, sendo espancado pelos réus Anderson e Cleiton, salientando que Nilson não esboçava reação, algemado, apenas apanhava.


Afirmou que o irmão da vítima, Davi, também estava nas dependências da casa, e foi agredido, com um soco ou tapa na cabeça, pelo réu Cleiton. Procurando saber o que acontecia, "o réu Cleiton respondeu, de forma marota, mandando a declarante ficar quieta senão também seria presa".


Adicionou que, em cima da mesa da cozinha, havia uma faca pequena de serra, suja de margarina, e na pia havia uma faca de mesa, sendo que os policiais levaram-nas para a delegacia. "Seu filho Davi disse que tinha cortado o pão e deixado a faca suja de margarina sobre a mesa; não é verdade que seus filhos apanharam as facas e investiram contra os policiais, pois quando Davi viu o acontecido, Nilson já estava sendo espancado pelos policiais".


Depois de ser agredida, a vítima foi colocada na viatura, e os milicianos deixaram o local.


Em seguida, foi caminhando ao pelotão de polícia militar, para ver o que aconteceria com seu filho, e, ato contínuo, foi até a delegacia, informando-se que o veículo policial chegara há pouco tempo.


Asseverou que "seu filho estava coberto de sangue nos olhos e bastante machucado; perguntou para seu filho sobre o acontecido, e ele falou que foi levado pelos policiais até as imediações da COOCAM, e lá foi novamente agredido pelos policiais; [...] seu filho confirmou que levou golpes com cacetete, além de chutes e coices; também disse que foi arrastado no chão e também recebeu jato de spray de pimenta" (fls. 171/172).


Davi Basilio de Souza, irmão da vítima, testemunha presencial da ação dos réus, alegou que, no dia dos fatos, levantou-se por volta das 8:00h e foi tomar café.


Enquanto consumia o desjejum, ouviu som de sirene, pelo que se dirigiu à porta da casa, oportunidade em que viu seu irmão Nilson conduzindo o veículo VW/Logus, fugindo de uma viatura preta da polícia.


Retornou ao interior da residência e continuou tomando café, e, em seguida, Nilson parou o automóvel e se refugiou nas dependências da casa. Nesse momento, questionou a vítima acerca dos acontecimentos, respondendo ela, ao sentar-se no sofá, que se entregaria aos agentes policiais.


Ato contínuo, os réus adentraram no local com as armas em punho, e Anderson foi até o ofendido e desferiu três socos no abdômen, após algemando-o e arrastando-o à porção externa do imóvel.


Em dado momento, juntamente com seu irmão Ademir, passaram a pedir aos policiais que parassem de bater em Nilson, frisando que em nenhum momento investiram contra os réus.


O réu Anderson, em resposta, sacou uma pistola pequena que tinha na cintura, apontando-a para o seu rosto, e mandou ambos se afastarem, caso contrário atiraria.


Esclareceu que, em cima da mesa, havia uma faca para pão, suja de margarina, utilizada durante a refeição matinal, e que, passados alguns instantes, o miliciano Rodrigo Pedroso também entrou na residência, de arma em punho, mandando-lhe erguer as mãos.


Na seqüência, o policial Rodrigo apanhou a faca que estava sobre a mesa, dizendo que a apreenderia, para mostrar que foi ameaçado, e, posteriormente, arrastaram Nilson para fora da residência e o colocaram na carroceria da viatura.


Assinalou, ainda, que "viu um dos policiais jogar spray de pimenta em Nilson, quando ele estava no interior da viatura; o réu Cleiton estava bravo no dia do fato; ninguém xingou os policiais; não é verdade que tenha avançado nos policiais com a faca; os policiais inventaram a história da faca para justificar as agressões em Nilson".


Depois que o ofendido foi solto, contou-lhe que os policiais militares o levaram às proximidades de uma bica, e lá lhe agrediram com chutes e golpes de cassetete, bem como jogaram-no ao chão e o pisotearam.


Narrou, também, que os milicianos dispararam arma de fogo enquanto o perseguiam, e que a viatura colidia contra a traseira do VW/Logus, no intuito de fazê-lo parar (fls. 190/191).


No mesmo sentido, o relato de José Ademir de Souza, que alegou ter visto Nilson, na condução do veículo VW/Logus, fugindo de uma caminhonete GM/S10, de cor preta, da polícia.


Nilson parou o carro em frente à casa, correndo para o interior das dependências, e, então, a viatura estacionou, e dela desembarcaram os réus e o policial Marcelo, que, por seu turno, invadiram a residência.


Ao ver os milicianos entrarem na casa, resolveu segui-los, presenciando o momento em que os réus se dirigiram até Nilson e o agrediram. Esclareceu que o ofendido não ofereceu resistência, inclusive "se entregou 'na boa'".


Falou para os apelantes que eles tinham o poder de prender Nilson, mas não de golpeá-lo, ao que Anderson retrucou, dizendo que ele era a lei, e, na seqüência, apontou-lhe uma pistola, determinando que se afastasse.


Enfatizou que nem ele nem Davi investiram contra os policiais, e que um dos agentes públicos apreendeu uma faca de cozinha, que repousava em cima da mesa, contendo vestígios de margarina, pois utilizada por seu irmão no desjejum.


Passados alguns instantes, Nilson foi algemado e arrastado para fora de casa, apanhando dos réus durante o percurso. Na oportunidade em que foi lançado no compartimento traseiro da viatura, o ofendido recebeu uma coronhada na região genital.


Tomou conhecimento de que, durante a perseguição, a caminhonete da polícia militar colidia contra a traseira do VW/Logus, arremessando-o em um veículo VW/Fusca estacionado, e que os milicianos dispararam projéteis de arma de fogo.


Em ocasião posterior, Nilson lhe confidenciou que os policiais levaram-no até "as bandas da bica", onde foi espancado, sendo que constatou, na delegacia, que ele estava "com o rosto lixado".


Sublinhou, por fim, que "Nilson em nenhum momento ofereceu resistência, negou-se a ser algemado ou a entrar na viatura", e que "Nilson apanhou quando estava no sofá e algemado" (fls. 192/193).


O policial militar Rodrigo Stadlober Pedroso, em juízo, confirmou que nenhum dos irmãos da vítima investiu contra as guarnições que atendiam as diligências, muito embora o mais novo, na oportunidade da incursão na residência, estivesse segurando uma faca, que, eventualmente, largou no chão, sendo esta arma branca uma das apresentadas na delegacia de polícia, não sabendo, contudo, precisar suas particularidades (fls. 194/195).


A socorrer a versão apresentada pela vítima, os expertos, no exame de corpo de delito, observaram a existência de "hematomas em região periorbitária à D + região frontal desse lado; vários hematomas em região dorsal, lineares; hematomas em região saco escrotal; RX com fissura no 10º arco costal à esquerda", consignando que o instrumento gerador da ofensa era contuso.


Com efeito, as agressões físicas são compatíveis com aquelas narradas pelo ofendido, merecendo especial atenção os hematomas lineares na região dorsal, compatíveis com golpes de cassetete, bem como o hematoma na região saco escrotal, que, de acordo com José Ademir de Souza, foi decorrente de uma coronhada visando aos genitais de Nilson.


Importante, também, trazer algumas considerações tecidas no relatório do IPM n. 067/IPM/PMSC/2007 (fls. 79/88):


Tem-se, aqui, a dúvida quanto à extensão das lesões causadas na vítima, no momento em que ela colidiu o seu veículo (VW/Logus), com o veículo VW/Fusca que estava estacionado próximo ao Bar do Neco, ademais o fato de o agente (Nilson dos Santos Souza) ter resistido à prisão (conforme auto de resistência a prisão em fls. 41), com uma arma branca (conforme termo de exibição e apreensão em fls. 33), pode também ter sido causador de algumas lesões na vítima, advindas do confronto com os PPMM. Entretanto, se realmente ocorreu resistência à prisão, por parte da vítima, como relatam os PPMM: Sd. PM mat. 926238-5 ANDERSON Murilo Petrikoski e Sd. PM mat. 926269-5 CLEITON José Vieceli, seria muito provável que estes dois policiais também apresentassem algum sinal de agressão resultante da resistência a prisão, porém, nenhum dos policiais envolvidos sequer fez exame de corpo de delito, ou mesmo registrou em boletim de ocorrência alguma lesão sofrida durante a prisão, sendo apenas constatado no auto de resistência à prisão, em fls. 41, que a vítima resistiu com uma faca, socos e chutes, porém, mais uma vez, resta a dúvida se realmente houve a resistência a prisão e se houve assim a necessidade do uso da força por parte dos PPMM, que resultaram na lesão corporal somente na pessoa de Nilson.


[...]


Ainda, face ao que consta dos autos, concluo, salvo melhor juízo, que há indícios de crime por parte dos PPMM Sd. PM mat. 926238-5 ANDERSON Murilo Petrikoski e Sd. PM mat. 926269-5 CLEITON José Vieceli contra a vítima Nilson dos Santos Souza, concernente à agressão física imposta ao ofendido, na residência de sua mãe.


Não destoou a conclusão no processo administrativo disciplinar n. 03/PAD/10ªGEPM/2008, proposto em desfavor do réu Anderson Murilo Petrikoski (fls. 159/166):


Houve lesões praticadas durante a detenção de Nilson dos Santos Souza, contudo, somente as lesões "vários hematomas em região dorsal, lineares e hematomas em região saco escrotal" caracterizaram claramente algum excesso, senão vejamos:


1. "hematomas em região periorbitária à D+região frontal do mesmo lado".


Impossível afirmar que tenham sido decorrentes de agressões havidas durante a prisão, uma vez que houve um acidente automobilístico anterior ao fato, o qual poderia ter causada a referida lesão.


2. "vários hematomas em região dorsal, lineares; hematomas em região saco escrotal; Rx com fissura 10º arco costal à esquerda".


Nestas lesões é possível afirmar que houve excesso, pois o exame médico descreve a existências de vários hematomas em região dorsal (costas) lineares, ou seja, vários hematomas estreitos e compridos, além de fissura no 10º arco costal, lesões que não podem ter ocorrido no acidente havido antes do fato, devido à quantidade, espécie e locais das lesões relatadas.


Considerando a ausência de auto de exame de corpo de delito complementar e as respostas aos quesitos do presente auto de exame, conclui-se que as lesões são de natureza leve.


Mas, indubitavelmente, as lesões que caracterizam excessos e a existência de agressão por parte dos PPMM são as descrições de hematomas na região saco escrotal, as quais não podem ser resultado do acidente ou do momento da prisão de Nilson, bem como elas não estão descritas no auto de resistência à prisão, e os depoimentos extraídos do IPM 067/2007, fls. 167, onde as testemunhas Gilberto Oliveira e Albertina Candido de Souza afirmam ter presenciado agressões havidas após a detenção de Nilson.


A defesa solicitou a oitiva da policial civil Kelly, a qual prestou as declarações em fls. 335, a qual afirma que perguntou para Nilson várias vezes se estava bem, sendo respondido que sim, e que em momento algum Nilson reclamou ter sido agredido, que ele estava lúcido e tranqüilo. Declara que acredita que Nilson foi encaminhado para exame de corpo de delito no dia seguinte, pelo policial de plantão, uma vez que ele ficou detido provisoriamente na cela da delegacia. A defesa alega que é possível que Nilson tenha sido agredido na cela por outros detentos, e ainda que a data do auto de exame de corpo de delito é do dia 25/10/2006, ou seja, o dia seguinte à prisão, mas que nem sempre é a data de realização do exame. Porém, entendo que tais alegações são insuficientes para anular ou desqualificar o laudo.A defesa solicitou a oitiva da policial civil Kelly, a qual prestou as declarações em fls. 335, a qual afirma que perguntou para Nilson várias vezes se estava bem, sendo respondido que sim, e que em momento algum Nilson reclamou ter sido agredido, que ele estava lúcido e tranqüilo. Declara que acredita que Nilson foi encaminhado para exame de corpo de delito no dia seguinte, pelo policial de plantão, uma vez que ele ficou detido provisoriamente na cela da delegacia. A defesa alega que é possível que Nilson tenha sido agredido na cela por outros detentos, e ainda que a data do auto de exame de corpo de delito é do dia 25/10/2006, ou seja, o dia seguinte à prisão, mas que nem sempre é a data de realização do exame. Porém, entendo que tais alegações são insuficientes para anular ou desqualificar o laudo.


[...]


3. Quanto às agressões cometidas contra o Sr. Nilson dos Santos Souza, no dia 24 de outubro de 2006, está caracterizado o excesso do uso da força, pelas lesões descritas no auto de exame de corpo de delito e pelo depoimento das testemunhas, lesões que não podem ser decorrentes do acidente de trânsito.


Portanto, dos elementos de convicção patenteados nos autos, infere-se que o ofendido conduzia irregularmente o veículo VW/Logus, atravessando via preferencial e quase colidindo com a viatura tripulada pelos réus, tendo a guarnição ciência de que a vítima não possuía carteira de habilitação.


A partir daí, os acusados, contrariados com a desobediência à ordem de parada que emitiram, passaram a cometer abusos na abordagem policial, chocando propositalmente o réu Anderson, diversas vezes, a viatura contra a traseira do automóvel conduzido pela vítima, no afã de forçadamente fazê-lo parar, enquanto o réu Cleiton, munido de uma espingarda calibre .12, com similar interesse, disparava projéteis contra o VW/Logus, frise-se, em região com intenso movimento de pessoas.


A reação dos milicianos foi exacerbada a ponto de lançar o automóvel de Nilson contra o veículo VW/Fusca de Anildo Geovani dos Santos, que estava estacionado na via, acidente que, nas palavras da referida testemunha, não ocorreria, caso houvesse comedimento por parte dos policiais.


Mesmo assim, não logrando êxito em deter o ofendido, os réus continuaram a perseguí-lo, até que chegaram na residência de Albertina Candido de Souza (mãe da vítima), onde ele abandonou o VW/Logus e se evadiu em direção ao interior das dependências, seguido pela guarnição militar.


Nesse ponto, é de bom alvitre confrontar as narrativas dos réus para os fatos que se seguiram, reduzidas a termo nos autos 014.06.005159-4, de forma a melhor visualizar os conflitos entranhados em ambas as versões:


Quando entraram na casa, o réu portava uma faca nas mãos; o réu dizia que não era para se aproximar porque senão seriam furados; diante da resistência do réu, entraram em luta corporal para imobilizá-lo; acrescenta que o réu golpeou com a faca, tentando atingir o declarante e seu colega, mas não conseguiu; durante a luta corporal, o réu chamou o declarante e seu colega de "pés de porco" e proferiu outros impropérios; antes do réu ser algemado, seus dois irmãos chegaram ao local, e investiram contra o declarante e o outro policial; houve luta corporal entre todos, porque os irmãos do réu queriam soltá-lo; somente com a chegada de reforço, é que os irmãos do réu fugiram do local; recorda-se que foram apreendidas duas facas, uma do réu e outra do seu irmão; cessada a luta, o réu foi algemado e levado até a viatura; esclarece que o réu teve que ser novamente imobilizado, depois que seus irmãos fugiram; não utilizaram cassetete na imobilização do réu; [...] o depoente sacou da pistola no interior da residência, para tentar dominar o réu (Anderson Murilo Petrikoski ¿ fls. 63/64).


Tentaram entrar na casa para prender o réu; o réu apareceu na porta da casa, portando uma faca, chamando o depoente de "pé de porco" e dizendo que iria furá-lo; em razão do réu portar a faca, o depoente usou da força física para dominá-lo; dada voz de prisão, o réu resistiu ao ato; não chegou a sacar sua pistola; o réu não foi agredido, mas apenas imobilizado; antes do réu ser algemado, apareceram no local dois irmãos dele, também portando facas; os dois rapazes investiram contra o depoente e seu colega Soldado Anderson; neste momento, o soldado Anderson sacou da arma e apontou para os resistentes; somente depois da chegada de reforço, é que a situação foi controlada; os irmãos do réu fugiram; mas ele foi colocado na viatura e conduzido até a DP; [...] o réu não foi agredido com cassetete e nem com chutes; [...] a faca que o réu portava foi apreendida; [...] na verdade não se recorda se a faca apreendida era usado pelo réu ou por seus irmãos (Cleiton José Vieceli ¿ fls. 65/66).


Os relatos divergem em pontos relevantes. Por exemplo, na versão do acusado Anderson, o ofendido Nilson teria adentrado na residência, e, só então, armou-se de uma faca e investiu contra a guarnição, ao passo que, na narrativa de Cleiton, a vítima teria se posicionado com a arma branca na porta de acesso, resistindo à prisão.


Além disso, de acordo com o relato do denunciado Cleiton Vieceli, deveriam existir três facas no cenário fático, uma empunhada por Nilson, e outras duas ostentadas pelos irmãos da vítima, em contraponto ao dito por Anderson Petrikoski, no sentido de que foram empregadas duas facas pelos agressores, e também com o disposto no termo de exibição e apreensão (fl. 16).


Ainda na mesma solenidade, Cleiton voltou a incorrer em contradição, quando não soube precisar quem efetivamente portava armas brancas, isso logo após detalhar que todos os supostos agressores detinham facas.


Vale relembrar, também, as conclusões do relatório do IPM n. 067/IPM/PMSC/2007, que entendeu não ser plausível que os policiais militares não apresentassem quaisquer lesões após refrega com três pessoas, especialmente quando pelo menos dois dos adversários utilizavam artefatos cortantes.


Não menos importante é o fato de que a vítima apresentou vários hematomas, inclusive com fissura do arco costal, ofensas absolutamente destoantes do proceder que os acusados alegaram ter adotado, qual seja, emprego de força necessária para imobilizar.


Esses elementos conduzem à segura conclusão de que os réus falsearam a verdade, razão pela qual suas palavras não merecem credibilidade.


O que exsurge do contexto das provas é que, na residência da genitora do ofendido, os acusados dolosamente abusaram de sua autoridade, agredindo a vítima, saliente-se, algemada, e submetendo-a à prisão, sem que ela esboçasse resistência, e que apreenderam duas facas, utilizadas por familiares do ofendido no desjejum, com o duplo propósito de legitimar a criminosa atuação policial, construindo uma inexistente situação de legítima defesa, e de ensejar a persecução criminal por delitos que sabiam não ter ele perpetrado.O que exsurge do contexto das provas é que, na residência da genitora do ofendido, os acusados dolosamente abusaram de sua autoridade, agredindo a vítima, saliente-se, algemada, e submetendo-a à prisão, sem que ela esboçasse resistência, e que apreenderam duas facas, utilizadas por familiares do ofendido no desjejum, com o duplo propósito de legitimar a criminosa atuação policial, construindo uma inexistente situação de legítima defesa, e de ensejar a persecução criminal por delitos que sabiam não ter ele perpetrado.


Não satisfeitos, novamente praticaram agressões contra o ofendido, fato ocorrido durante o percurso até a delegacia de polícia, e evidenciado pelo atraso da viatura em chegar com o preso à referida repartição.


As conclusões do douto sentenciante foram precisas (fls. 281/282):


Não bastassem as agressões que a vítima sofreu ao ser algemada, emergem dos autos evidências contundentes de que voltou a ser agredida quando estava contida na viatura, a caminho da Delegacia de Polícia Civil.


Os elementos circunstanciais demonstraram que a viatura demorou tempo além do normal no trajeto entre a casa onde ocorreu a prisão e o Departamento Policial.


A respeito, afirmou a mãe da vítima, Albertina Cândido de Souza, que "[...] logo em seguida foi caminhando até o Pelotão para ver o que aconteceria com seu filho; que depois foi até a Delegacia; que na DP soube que a viatura chegou pouco antes da declarante; [...] que acredita que demorou entre 20 a 25 minutos para chegar na DP; [...] que seu filho Nilson disse que tinha recém chegado no local; [...]"(fl. 172).


O policial Rodrigo Pedroso, por sua vez, afirmou em Juízo que "[...] acompanhou a viatura S-10 em parte do trajeto, principalmente quando os réus foram procurar a cobertura do réu Cleiton [...]", entretanto, "[...] chegou na DP antes da S-10 [...]", mas "[...] não sabe a razão pela qual a viatura S-10 chegou depois na DP; [...]"(fl. 194).


As testemunhas Daniele dos Passos e Cleusa Maria dos Passos (fls. 248-249) também confirmaram que os réus estiveram no local próximo aos silos da Ceval para buscar o boné, inclusive entregaram o objeto a eles.


Com isso perfeitamente comprovado que os acusados, no deslocamento até a Delegacia de Polícia Civil, pararam a viatura e tornaram a agredir fisicamente a vítima, pois não havia razão plausível para a demora.


Tal situação outorga credibilidade à alegação da vítima de que foi espancada antes de ser conduzida à Delegacia de Polícia Civil, sobretudo se observados os depoimentos das testemunhas de que ela não apresentava ferimento quando foi posta na viatura e depois estava machucada.


Foi o que informou Davi Basilio de Souza:


"[...] que sua mãe contou que a viatura demorou para chegar na DP; que Nilson não apresentava ferimento quando foi colocado na viatura; que sua mãe disse que o réu apareceu na DP todo machucado; que depois que Nilson foi solto ele lhe contou que os policiais lhe levaram nas proximidades da bica que fica no trevo das Máquinas Bruno e lhe agrediram; que Nilson disse que os policiais lhe jogaram no chão e lhe pisaram em cima, além de chutes e golpes de cassetete; [...]"(fl. 191).


Do mesmo modo disseram a vítima (fl. 145) e José Ademir de Souza (fls. 192-193).


Portanto, o conjunto probatório sólido, amparado na versão da vítima e nos depoimentos de testemunhas presenciais, quando somado às circunstâncias de que os réus são contumazes em abusar da autoridade ¿? inclusive já condenados por este Juízo em situação semelhante (ações penais ns. 014.08.000363-3, 014.07.004086-2), conduzem à invariável conclusão sobre a ocorrência dos fatos narrados na denúncia.


Presentes as elementares caracterizadoras do crime previsto no art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65, uma vez que os acusados, dolosamente, abusaram de sua autoridade, atentando indevidamente contra a integridade física do ofendido, acertada a condenação.


Esta Corte já se pronunciou:


APELAÇÃO CRIMINAL ¿ ABUSO DE AUTORIDADE - DELEGADO DE POLÍCIA QUE SE ENCONTRAVA EM EVENTO SOCIAL AO PRATICAR O ATO ABUSIVO ¿ IRRELEVÂNCIA PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - INVOCAÇÃO DA AUTORIDADE SUFICIENTE PARA CONFIGURAR O DELITO - CARACTERIZADA A AGRESSÃO COMETIDA NO INTERIOR DA DELEGACIA - RECURSO DESPROVIDO


Comete o delito de abuso de autoridade o agente que mesmo não estando no exercício da função, invoca a autoridade do cargo.


O Exame de Corpo de Delito em consonância com demais provas existentes nos autos é suficiente para caracterizar o abuso de autoridade na modalidade de atentado à incolumidade física do indivíduo, mesmo porque em crimes dessa natureza as agressões geralmente são praticadas no interior das Delegacias de Polícia, longe da vista de testemunhas (Ap. Crim. n. 1999.014049-0, de Mondaí, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 5.12.2000).


Tocante ao delito de denunciação caluniosa, não resta dúvida de que, mesmo sabendo que o ofendido não cometeu crimes de omissão de socorro (art. 135, CP), ameaça (art. 147, CP), dano (art. 163, CP), uso de documento falso (art. 304, CP), resistência (art. 329, CP) e desacato (art. 331, CP), os acusados registraram boletim de ocorrência (fl. 17) e precipitaram a confecção de auto de prisão em flagrante (fls. 7/13) em desfavor de Nilson dos Santos Souza, imputando-lhe a prática das citadas condutas delituosas, o que, inclusive, culminou com a instauração da ação penal n. 014.06.005159-4, na qual a vítima foi absolvida (fls. 49/99).


Isso, como se observa, amolda-se perfeitamente ao preceito primário do ilícito em comento:


Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:


Pena ¿ reclusão, de dois a oito anos, e multa.


§ 1º ¿ A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.


§ 2º ¿ A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.


Quanto à configuração do crime, traz-se à baila a valiosa lição de Julio Fabbrini Mirabete:


O crime configura-se quando o sujeito ativo der causa à investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, de qualquer forma ou por qualquer meio (oralmente, por escrito, telefone etc.). Muito embora se tenha decidido que é necessário, para a concretização do delito, que o sujeito ativo tenha agido por sua própria iniciativa, e não em resposta de terceiro, não há essa exigência no tipo penal.


[...] É indispensável para a configuração do crime que se dê causa à investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa. O princípio da reserva legal impedia a extensão analógica da norma para incriminar o agente que desse causa à instauração de sindicâncias administrativas ou inquéritos administrativos, ainda que formais etc. Entretanto, com a nova redação que foi dada ao caput do art. 339 do CP, passou a ser fato típico dar causa a instauração de investigação administrativa (sindicância, processo administrativo etc.), de inquérito civil (art. 8º, § 1º, da Lei n. 7.347, de 24-7-1985) ou de ação de improbidade administrativa (Lei n. 8.429, de 2-6-1992).


A falsa imputação também deve ser determinada, ou seja, que tenha a característica da prática de um ilícito penal. Se o fato imputado não é penalmente típico (meros ilícitos civis, infrações administrativas, ato de improbidade), exclui-se ab initio a possibilidade de instauração de qualquer procedimento pelo crime previsto no art. 339 do Código Penal (Código penal interpretado, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 2523/2524).


Dessarte, não havia, mesmo, outra medida senão o decreto condenatório fulcrado no art. 339 do Código Penal.

DECISÃO


Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.


Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Salete Silva Sommariva e Tulio José Moura Pinheiro, lavrando parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Paulo Roberto Speck.


Florianópolis, 2 de março de 2010.


Irineu João da Silva


PRESIDENTE E RELATOR

xxxxxxx

Aluno: José Guilherme Surdi

Comentário
No acórdão dos Desembargadores do Tribunal de Justiça restou desprovida a apelação dos policiais militares que sustentavam em seu apelo que não havia elementos suficientes para imputar-lhes uma condenação por abuso de autoridade. Pode-se tecer nesse sentindo um breve comentário ilustrado pelos fatos relatados no julgado e que tão bem nos servem de exemplo frente a multiplicidade e irrefreável produção de novos eventos cujo destino são as vias judiciais. Os policiais além de extrapolarem sua competência legal e abusarem, de forma explícita e flagrante, os limites legais impostos ao exercício de sua função, também produziram boletim de ocorrência imputando ao suposto réu, série de crimes que ele não cometeu. Nesse sentindo a reflexão que pode se apresentar é a de que os órgãos e os agentes repressivos a todo momento exercem suas funções de forma fragilizada, o caso em tela ilustra que, se não houvessem testemunhas presentes durante a perseguição policial e a posterior abordagem e atos de violência, com certeza o indivíduo que sofreu os abusos haveria de ter sido enclausurado, e estaria quem sabe cumprindo pena até hoje em uma penitenciária do sistema carcerário nacional que a meu ver, soma e imbrica a pena restritiva de liberdade a imposição de condições sub-humanas de existência aos condenados. Existe uma espécie de recorrência incômoda e uma certa solubilização nos meios sociais do abuso de autoridade enquanto prática quase certa das autoridades competentes que utilizam-na se não freqüentemente, então de forma subsidiária em suas atividades, operações e procedimentos no trato interpessoal/social. Apesar de um Código Penal que tipifica e estabelece a conduta que é criminalizada assistimos de forma quotidiana a perpetuação dos abusos e a intensificação da violência dos agentes dos órgãos repressivos sobre os cidadãos sob o espectro e a justificativa, muitas vezes, de operações policiais e táticas repressivas que não passam de meros instrumentos de classe, de manutenção e reprodução das estruturas vigentes e para a satisfação de posturas ideológicas de setores da mídia e da sociedade civil através de seus representantes eleitos. Por fim, a presença dos elementos que caracterizariam o crime de abuso de autoridade estavam presentes, e o Tribunal de Justiça, através do julgado aplicou a lei de forma pertinente e vinculada ao diploma penal legal.

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