sábado, 3 de abril de 2010

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Rafael Muraro

Apelação Criminal n. 2009.020506-1, de Lages

Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho

APELAÇÃO CRIMINAL - DELITO DE TORTURA - PROVA INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO - INTENÇÃO DOS RÉUS DE CAUSAR CASTIGO PESSOAL ÀS VÍTIMAS NÃO CARACTERIZADA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA FORMA RETROATIVA DECLARADA DE OFÍCIO - RECURSO NÃO PROVIDO.

ACUSAÇÃO REMANESCENTE DE LESÕES CORPORAIS PRATICADAS POR POLICIAIS MILITARES EM SERVIÇO - ART. 209 DO CPM - COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL PARA O PROCESSO E JULGAMENTO - PERSECUÇÃO PENAL QUE DEPENDE DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR - REMESSA DOS AUTOS APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.020506-1, da comarca de Lages (2ª Vara Criminal), em que é apelante A Justiça, por seu Promotor, e apelados Marcelo Hoffmann de Oliveira e outro:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso e, de ofício, reconhecer a prática dos delitos de abuso de autoridade e lesões corporais, sendo extinta a punibilidade referente ao crime do art. 3º, "i", da Lei 4.898/65 pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, e determinar a remessa dos autos à Justiça Castrense para apreciação do crime remanescente. Custas de lei.

RELATÓRIO

O órgão do Ministério Público atuante na 2ª Vara Criminal da comarca de Lages ofereceu denúncia contra Laureci de Oliveira, Paulo César Luiz e Marcelo Hoffmann de Oliveira, dando-os como incursos nas sanções do art. 1º, I, "a", e II, com a majorante do § 4º, I, do mesmo artigo, da Lei n. 9.455/97, porque, conforme narra a exordial acusatória:

"No dia 19 de maio de 2003, por volta da 1h, na Rua Carlos Chagas, Bairro Gethal, neste município e comarca, as vítimas Gersi Lima, Emerson dos Santos e Jair Costa da Silva, bem como Simone Lima, foram abordados pelos denunciados Laureci de Oliveira e Paulo César Luiz, policiais militares à paisana, que saíram de um Veículo Kadett de cor branca (viatura descaracterizada n° 1457).

"Depois de terem disparado com armas de fogo sem qualquer motivo justificável, os denunciados Laureci de Oliveira e Paulo César Luiz, sem prévia identificação acerca de suas funções públicas, ordenaram, sob grave ameaça, que as vítimas Gersi Lima, Emerson dos Santos e Jair Costa da Silva deitassem no chão, o que foi obedecido pelos mesmos. Consta que Simone Lima conseguiu evadir-se do local.

"Ato contínuo, os três ofendidos já citados foram algemados pelas costas e permaneceram deitados de bruços, momento este em que passaram a ser ameaçados e espancados violentamente por Laureci de Oliveira e por Paulo César Luiz, com socos, pontapés na região da cabeça, rosto, nas costas e nas costelas.

"Após isto, chegaram ao local viaturas caracterizadas da polícia militar, quando o denunciado Marcelo Hoffmann de Oliveira auxiliou Laureci de Oliveira e Paulo César Luiz nas mesmas agressões já descritas.

"Posteriormente, enquanto Jair da Costa Silva foi levado para a 2ª. Delegacia de Polícia Civil desta cidade, Gersi Lima e Emerson dos Santos foram colocados em uma viatura e transportados até a entrada do Bairro Guadalajara, neste município e comarca, pelo denunciado Marcelo Hoffmann de Oliveira e por outro policial militar não identificado.

"Neste local, estas vítimas algemadas foram arrastadas para fora da viatura e, deitadas, foram espancadas por cerca de vinte minutos de forma mais violenta pelo denunciado Marcelo Hoffmann de Oliveira e pelo outro agente policial.

"Após, estes ofendidos foram encaminhados à 2ª. Delegacia de Polícia deste Município, onde as agressões praticadas pelo denunciado Marcelo Hoffmann de Oliveira prosseguiram.

"Em consequência disto, Gersi Lima nesta mesma noite teve que ser levado pelos policiais ao pronto socorro, para tratar das lesões corporais que sofreu, que se encontram descritas no Laudo Pericial de fl. 22 e demonstradas nas fotografias de fls. 13/17.

"Consta que as ameaças de morte e agressões efetuadas pelos denunciados tinham a finalidade de obtenção de informações por parte das vítimas sobre Derli Lima (irmão de Gersi Lima) e sobre uma arma supostamente utilizada pelo mesmo momentos antes no Clube 1° de Maio, localizado nesta cidade.

"Com estas condutas, os denunciados Marcelo Hoffmann de Oliveira, Laureci de Oliveira e Paulo César Luiz, na condição de agentes públicos (policiais militares), constrangeram alguém com o emprego de violência e grave ameaça, causando-lhes sofrimento físico e mental, com o fim de obtenção de informação de terceira pessoa e como forma de aplicar castigo pessoal" (fls. 2/4).

Ultimada a instrução processual, o Magistrado a quo julgou improcedente o pedido formulado na denúncia para absolver os réus Paulo César Luiz, Laureci de Oliveira e Marcelo Hoffmnan de Oliveira, o primeiro com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal e os demais com base no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal.

Irresignada com a prestação jurisdicional, apela a acusação objetivando a condenação, tão somente, dos acusados Laureci de Oliveira e Marcelo Hoffmnan de Oliveira, sob argumento de que as condutas delituosas imputadas aos agentes estão suficientemente comprovadas nos autos, o que impediria a aplicação do princípio in dubio pro reo (fls. 545/559).

Contra-arrazoado o recurso (fls. 564/599), os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Sérgio Antônio Rizelo, manifestado-se pelo conhecimento total provimento da apelação interposta, para que os apelados sejam condenados nos moldes da exordial acusatória (fls. 607/616).

VOTO

1 Laureci de Oliveira e Marcelo Hoffmnan de Oliveira, ambos policiais militares, foram denunciados pela prática do crime de tortura, em razão de fatos ocorridos em 19 de maio de 2003.

Em primeiro grau, o Juiz Sentenciante formou convicção no sentido de que as lesões apresentadas pelas vítimas poderiam ter sido causadas por outras pessoas, nem sequer identificadas, durante a briga e a confusão generalizada que ocorreu no Clube 1º de Maio, momentos antes da ação policial. Os apelados foram absolvidos por sentença fundada na dúvida sobre a existência do crime (CPP, art. 386, VI).

A acusação busca subsumir a conduta dos policiais militares ao tipo previsto no art. 1º, I, "a", e II, com a majorante do seu § 4º, I, da Lei n. 9.455/97, que preceitua:

"Art. 1º Constitui crime de tortura:

"I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

"a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

[...]

"II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

"Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

[...]

"§ 4º Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até a 1/3 (um terço):

"I - se o crime é cometido por agente público;"

Consoante o disposto nos incisos I e II do art. 1º da Lei n. 9.455/97, para a caracterização do crime de tortura exige-se do agente dolo específico, ou seja, a intenção de proporcionar à vítima "intenso sofrimento físico ou mental". Sem a existência desse dado anímico, a figura da tortura não se completa do ponto de vista típico, embora possa dar origem a fato criminoso de diversa qualificação jurídica (FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 117).

O denominado "intenso sofrimento" é aquele que excede os limites do suportável diante das condições pessoais de cada vítima. Trata-se de termo impreciso e vago, exigindo o complemento valorativo do magistrado à luz do caso concreto.

No presente caso, há elementos de provas suficientes que atestam a autoria delitiva, bem como o emprego de violência física perpetrada contra civis suspeitos de participação de infração penal. Contudo, referida prova encartada nos autos revela que a ação policial subsume-se ao delito de abuso de autoridade previsto na Lei n. 4.898/65, decorrente de excesso na execução de medida de força, produtora de ofensa à incolumidade física do indivíduo (art. 3º, "i"), e não crime de tortura praticada em plena via pública por policiais militares.

A ofensa à integridade corporal encontra-se demonstrada por meio dos termos de declarações (fls. 11/17), das fotografias (fls. 18/22, Gersi Lima), e dos laudos periciais (fls. 294/295 e 303/301).

Quando interrogados, ambos os acusados afirmaram que os ofendidos foram localizados e abordados em razão da semelhança das características indicadas pelo Copom, relativa ao delito previamente cometido, bem como por estarem com as roupas sujas de sangue e com escoriações no rosto, provavelmente provenientes da briga acontecida no Clube 1º de Maio (fls. 364/366; 367/369).

Em sentido oposto está o relato ds vítimas que foi em parte corroborada pela prova oral - testemunha (fls. 425/426) e informantes (fls. 407, 427/428) - dando conta de que os acusados, depois de algemarem as vítimas, efetivamente passaram a agredi-las.

Devidamente compromissada, Fabiana Wiggers Stefen, testemunha visual dos fatos, afirmou que "os dois acusados batiam nas vítimas desferindo pontapés enquanto as vítimas estavam deitadas no chão" (fl. 425/426).

Assim, fica caracterizado o excesso, pois mesmo após a imobilização das vítimas, os acusados usaram de emprego força desnecessária, mas sem a intenção causar grave sofrimento físico ou psíquico.

Por certo, foi no calor dos acontecimentos - logo após que seu colega de farda foi alvejado no Clube 1º de Maio - que motivou a ação dos réus de agredirem as vítimas Gersi, Emerson e Jair, quando já impossilitados de esboçar qualquer tipo de reação.

A prova técnica comprova a existência de lesões corporais nas vítimas Gersi e Emerson (fls. 294/295 e 303/301), mas não assegura tenham sido resultantes de tortura. Cumpre observar que a vítima Jair nem mesmo realizou o auto de exame de corpo de delito alegando que as lesões sofridas foram mínimas (fls. 59/60).

A autoridade policial que fisicamente agride elemento detido deve responder pelo delito do art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65, consoante inúmeros julgados deste Pretório:

"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TORTURA (ART. 1º, II, DA LEI N. 9.455/97) PRATICADO POR POLICIAIS MILITARES CONTRA CIVIL.

[...]

"PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO PARA O DELITO DE LESÕES CORPORAIS OU ABUSO DE AUTORIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O OFENDIDO FOI SUBMETIDO A INTENSO SOFRIMENTO FÍSICO OU MENTAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME NÃO CONFIGURADO. CARÊNCIA DE PROVAS SOBRE A INTENÇÃO DOS RÉUS EM IMPINGIR CASTIGO PESSOAL À VÍTIMA. DOLO DE LESIONAR CARACTERIZADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE LESÕES CORPORAIS (ART. 209 DO CPM) OPERADA.

"RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
"DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS APELANTES PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO PELA PENA EM ABSTRATO" ( Apelação Criminal n. 2007.045890-3, de Chapecó, Rel. Des. Torres Marques, j. em 9/10/2008).

E ainda:

"TORTURA (LEI N. 9.455/97) - ELEMENTOS FACTUAIS QUE NÃO SE SUBSUMEM AO TIPO LEGAL - ABUSO DE AUTORIDADE CONFIGURADO (LEI N. 4898/65) - LESÕES CORPORAIS - INCAPACIDADE PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE 30 (TRINTA) DIAS NÃO DEMONSTRADA EM EXAME COMPLEMENTAR - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME PREVISTO NO CAPUT DO ART. 129, DO CP, EM CONCURSO MATERIAL - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - REFORMA DA REPRIMENDA, DE OFÍCIO - RECURSO DESPROVIDO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, NA FORMA RETROATIVA DECLARADA, DE OFÍCIO.
"Não é toda a conduta que produz sofrimento psíquico ou físico que implica a configuração do crime previsto no art. 1º, da Lei n. 9.455/97, mas somente aquela que, diante das circunstâncias fáticas, amolda-se à idéia de intensidade inerente ao conceito comum de tortura.
"'Responde pelo delito do art. 3º, 'i', da Lei n. 4.898/65 a autoridade policial que fisicamente agride elemento detido'" (TACRIM - SP - AC - Rel. Cunha Camargo - JUTACRIM 43/172) (Apelação Criminal n. 2003.029651-4, de Lebon Régis, Rel. Des. Irineu João da Silva, j. em 27/4/2004).

3. Diante da desclassificação operada, cumpre seja analisado o instituto da prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação aos apelados, prejudicada a aplicação da pena.

Com efeito, a pena máxima em abstrato cominada ao ilícito em tela é de 6 (seis) meses de detenção; por conseguinte, o prazo prescricional a ser computado é de 2 (dois) anos, nos termos do art. 109, VI, do Código Penal.

Considerando o marco inicial e interruptivo da prescrição (arts. 111 e 117), denota-se que entre a consumação do crime - em 19/5/2003 (fl. 262) - e o recebimento da denúncia - 31/8/2005 (fl. 359) - transcorreu lapso temporal superior a 2 (dois) anos.

Por conseguinte, decreta-se a extinção da punibilidade dos réus Laureci de Oliveira e Marcelo Hoffmnan de Oliveira, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na forma retroativa, com fundamento no art. 107, IV, 109, VI, e 110, § 1º, todos do Código Penal, reconhecimento este que se efetua de ofício, consoante o disposto no art. 61 do Código de Processo Penal, com efeitos após o trânsito em julgado para a acusação.

4 Restaria apurar a prática de lesões corporais. Estas teriam sido praticadas por policiais militares em serviço, do que resulta a competência da Justiça Militar Estadual para o processo e julgamento, diante da diversidade de jurisdição informada pelo art. 79, I, do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, julgado do Supremo Tribunal Federal, assim ementado:

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. ALEGAÇÃO DE DUPLICIDADE DE PROCESSOS SOBRE OS MESMOS FATOS. CRIMES DE NATUREZA COMUM E CASTRENSE. CUMPRIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NA JUSTIÇA ESTADUAL. COISA JULGADA MATERIAL. PERSECUÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR. PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM: AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DOS FUNDAMENTOS APRESENTADOS. HABEAS CORPUS INDEFERIDO.

"1. Eventual reconhecimento da coisa julgada ou da extinção da punibilidade do crime de abuso de autoridade na Justiça comum não teria o condão de impedir o processamento do Paciente na Justiça Castrense pelos crimes de lesão corporal leve e violação de domicílio.

"2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, por não estar inserido no Código Penal Militar, o crime de abuso de autoridade seria da competência da Justiça comum, e os crimes de lesão corporal e de violação de domicílio, por estarem estabelecidos nos arts. 209 e 226 do Código Penal Militar, seriam da competência da Justiça Castrense. Precedentes.

"3. Ausência da plausibilidade jurídica dos fundamentos apresentados na inicial.

"4. Habeas corpus indeferido" (HC 92.912-5/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 20/11/2007, grifou-se).

E do Superior Tribunal de Justiça, destaca-se:

"CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LESÕES CORPORAIS E ABUSO DE AUTORIDADE PRATICADOS POR POLICIAIS MILITARES, EM SERVIÇO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM APENAS PARA O JULGAMENTO DO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. PRECEDENTES. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE.

"I. A competência para o julgamento de possível crime de abuso de autoridade cometido por policiais militares em serviço, recai sobre a Justiça Comum, já que a hipótese não se adequa ao art. 9.º, II, do Código Penal Militar, que prevê as circunstâncias em que os crimes elencados no Código Penal serão considerados crimes militares.

"II. Cabe à Justiça Militar o julgamento do delito de lesões corporais cometidas, por policiais militares, nas condições estabelecidas pela legislação penal militar, ainda que cometido no mesmo contexto do crime de abuso de autoridade.

"III. Precedentes.

"IV. Conflito conhecido a fim de declarar a competência do Juízo Auditor da 1.ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, o Suscitante, nos termos do voto do relator" (CC 36434/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. em 27/11/2002, DJ de 10/2/2003).

Confira-se ainda: STJ, CC 3782/MG, Rel. Min. William Patterson, j. em 28/5/1997; TJDF, RSE n. 20020210016818, Rel. Des. Vaz de Mello, j. em 14/12/2006.

Diverge-se, portanto, da orientação até então adotada por esta Câmara Julgadora no tocante à possibilidade de julgamento do delito previsto no art. 209 do Código Penal Militar, não obstante a perspectiva de extinção de punibilidade da pretensão punitiva do Estado.

Importante ainda assinalar que a hipótese dos autos não guarda relação de similitude com a Apelação Criminal n. 2006.017077-6, de Lages, relatada pelo Exmo. Des. Alexandre d'Ivanenko e julgada, à unanimidade, por este Órgão Fracionário em data de 15/7/2008, na qual o policial militar Marcelo Hoffmann de Oliveira, ora apelado, restou condenado pelo crime de tortura, na forma do art. 1º, I, "a", da Lei n. 9.455/97, por acórdão que, segundo consulta ao Sistema de Automação do Judiciária - SAJ, encontra-se submetido aos Tribunais Superiores.

5 Por tais razões, vota-se pelo não provimento do recurso e, de ofício, desclassifica-se as condutas para aquela descrita no art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65, com a consequente declaração da extinção da punibilidade dos apelados pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, devendo a acusação remanescente - de lesões corporais - ser apreciada pela Justiça Militar do Estado, a qual se determina a remessa destes autos, após o trânsito em julgado.
DECISÃO

Ante o exposto, decide a Câmara, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso e, de ofício, reconhecer a prática dos delitos de abuso de autoridade e lesões corporais, sendo extinta a punibilidade referente ao crime do art. 3º, "i", da Lei 4.898/65 pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, e determinar a remessa dos autos à Justiça Castrense para apreciação do crime remanescente

O julgamento, realizado no dia 7 de julho de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Sr. Des. Torres Marques, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Sr. Des. Alexandre d'Ivanenko.

Lavrou parecer, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Excelentíssimo Dr. Sérgio Antônio Rizelo.

Florianópolis, 7 de julho e 2009.

Moacyr de Moraes Lima Filho

Relator

COMENTÁRIOS

Alega o relator da apelação que para caracterizar o crime de tortura “o agente deve agir com dolo específico, ou seja, a intenção de proporcionar à vítima "intenso sofrimento físico ou mental". Mesmo com toda a prova pericial e testemunhal das seguidas agressões, DEPOIS DOS CIVIS ESTAREM ALGEMADOS!, não restou caracterizado tal crime. Chama a atenção a possível justificativa para os atos praticados:
Quando interrogados, ambos os acusados afirmaram que os ofendidos foram localizados e abordados em razão da semelhança das características indicadas pelo Copom, relativa ao delito previamente cometido, bem como por estarem com as roupas sujas de sangue e com escoriações no rosto, provavelmente provenientes da briga acontecida no Clube 1º de Maio (fls. 364/366; 367/369).

Por certo, foi no calor dos acontecimentos ¿? logo após que seu colega de farda foi alvejado no Clube 1º de Maio ¿? que motivou a ação dos réus de agredirem as vítimas Gersi, Emerson e Jair, quando já impossibilitados de esboçar qualquer tipo de reação.
Absurda a quase legitimação da prática de tais atos contra civis, somente pela semelhança dos indivíduos com outros ou pelo fato do colega militar ter sido alvejado momentos antes em local que os suspeitos estavam. Não cabe a polícia desempenhar com as próprias mãos o papel de julgar do Judiciário. Além disto, a pena e tempo de preclusão da mesma para o crime de abuso de autoridade mostra-se absurda dentro de um ordenamento jurídico inserido nos preceitos do Estado de Direito Constitucional.

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