segunda-feira, 15 de março de 2010

juris - Acadêmicos

Filipe Flesch

Tráfico de entorpecentes

Dados do acórdão
Classe: Apelação Criminal (Réu Preso)
Processo: 2009.057797-9
Relator: Torres Marques
Data: 20/01/2010
Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.057797-9, de Palmitos

Relator: Des. Torres Marques

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). RECURSO DEFENSIVO ALMEJANDO A ABSOLVIÇÃO. APELANTE QUE MANTINHA EM DEPÓSITO CRACK E MACONHA DESTINADOS À MERCANCIA. DECLARAÇÕES DOS POLICIAIS FIRMES E COERENTES QUANTO AO EXERCÍCIO DO COMÉRCIO ILEGAL. ATIVIDADE ILÍCITA CORROBORADA POR DECLARAÇÃO DE USUÁRIO DANDO CONTA DE QUE ADQUIRIA DROGA DO APELANTE E COMO PAGAMENTO ENTREGAVA UTENSÍLIOS DOMÉSTICOS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INVIABILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ART. 28 DA LEI N. 11.343/06. DESTINO COMERCIAL DA DROGA EVIDENCIADO. CONDENAÇÃO MANTIDA.

DOSIMETRIA. PENA-BASE. ANÁLISE DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME E DA CONDUTA SOCIAL EQUIVOCADAMENTE CONSIDERADAS NEGATIVAS. AFASTAMENTO DE OFÍCIO.

PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. RÉU QUE NÃO ADMITIU QUE O MATERIAL ENTORPECENTE COM ELE APRENDIDO SE DO CP NÃO CONFIGURADA.

PLEITO DE CONCESSÃO DA REDUTORA DO ART. 33. §4º, DA NOVA LEI DE DROGAS EM DOIS TERÇOS. QUANTIDADE DE DROGA E NECESSIDADE DE REPRIMIR E PREVENIR A CONDUTA ILÍCITA QUE IMPEDEM A ESTIPULAÇÃO DO BENEFÍCIO EM SEU GRAU MÁXIMO.

INSURGÊNCIA CONTRA A FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO PARA O RESGATE DA PENA. DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. INADMISSIBILIDADE DE ESTIPULAÇÃO DE REGIME MENOS SEVERO DO QUE O FECHADO.

RECURSO DESPROVIDO

Do acórdão, é importante destacar o trecho:

Assim, apesar de os policiais militares não terem flagrado o réu vendendo as drogas, a quantidade e a variedade de entorpecentes encontrada consigo é suficiente a caracterizar a destinação à venda.

Logo, é um dos critérios para caracterizar ou não o crime de tráfico de entorpecentes a venda de diversas variedades de droga, sendo forte indício de que a pessoa está traficando quando porta mais de um tipo. Critério esse, porém, que por si só não é suficiente.

De acordo com a jurisprudência majoritária, critérios como quantidade por si só não descaracterizam o crime de tráfico de entorpecentes, como pode ser visto no acórdão:

Dados do acórdão
Classe: Apelação Criminal (Réu Preso)
Processo: 2009.056703-3
Relator: Roberto Lucas Pacheco
Data: 08/01/2010
Apelação Criminal n. 2009.056703-3, da Palhoça

Relator: Des. Roberto Lucas Pacheco

PENAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES.

RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO FUNDADO NA SUPOSTA AUSÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA ESTAMPADAS NO CADERNO PROCESSUAL. APREENSÃO DE "CRACK" EM PODER DO ACUSADO. FORMA DE EMBALAGEM E QUANTIDADE QUE DENOTAM A PRÁTICA DA NARCOTRAFICÂNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 42 DA LEI N. 11.343/06. CIRCUNSTÂNCIA CORROBORADA PELA PALAVRAS DOS POLICIAIS QUE EFETUARAM A PRISÃO EM FLAGRANTE DO ACUSADO. CONDENAÇÃO MANTIDA.

RECURSO MINISTERIAL. PLEITO DE AFASTAMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA LEI N. 11.343/06. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO QUE, NO ENTANTO, NÃO É COMPATÍVEL COM A NATUREZA (CRACK) E A QUANTIDADE (11,5 GRAMAS) DA DROGA APREENDIDA. REDUÇÃO DA PENA PELA METADE.

DESPROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DA ACUSAÇÃO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.056703-3, da comarca da Palhoça (1ª Vara Criminal), em que é apte/apdo A Justiça, por seu Promotor, e apdo/apte Joel da Silva Gomes:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso defensivo e dar parcial provimento ao apelo ministerial. Custas de lei.

Desse acórdão pode-se citar como trechos importantes:

“Desse contexto, nota-se que os depoimentos dos policiais militares, que efetuaram a prisão em flagrante do réu, prestados nas fases extrajudicial e judicial, esta sob o crivo do contraditório, estão em harmonia, inexistindo conflito substancial a ensejar dúvida quanto à ocorrência do crime de tráfico de drogas narrado na peça acusatória.”

[...]

“A condição de as testemunhas serem policiais militares não retira o valor da prova produzida, eis que, como qualquer testemunha, prestam o compromisso e a obrigação de dizer a verdade (CPP, arts. 203 e 206, 1.ª parte).”

[...]

“Colhe-se da jurisprudência dos Tribunais Superiores:

O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais - especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal (STF, HC 73518/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 26.3.1996, DJU 18.10.1996, p. 39846).

Ainda que a condenação tivesse sido amparado apenas no depoimento de policiais - o que não ocorreu na espécie -, de qualquer forma não seria caso de anulação da sentença, porquanto esses não se encontram legalmente impedidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase investigatória tenha participado, no exercício das funções. Em sendo assim, tais depoimentos revestem-se de inquestionável eficácia probatória, principalmente quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório (STJ, HC 30776/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 3.2.2004, DJU 8.3.2004, p. 304).”

Analisando-se os trechos supracitados, é possível concluir que o depoimento dos policiais é de suma importância, sendo critério de grande peso na decisão do magistrado.

Do mesmo acórdão retira-se:

“Infere-se dos autos que foram apreendidas em poder do apelado 100 papelotes de "crack", pesando aproximadamente 11,5 gramas (fls. 35/38). A natureza e a quantidade da droga apreendida não podem ser consideradas como circunstâncias favoráveis para operar, na terceira fase da dosimetria, a diminuição da pena no grau máximo (dois terços), como ocorreu em primeira instância. Isso porque o crack, forma básica da substância conhecida como cocaína, possui alto grau de dependência química, merecendo maior reprovação (censura) pelo fato delituoso. Quanto à quantidade da droga, embora não seja expressiva, é certo que possibilitaria ao réu realizar diversas transações, atingindo um número razoável de usuários”.

Portanto, mesmo no caso de não haver quantidade muito expressiva de droga, como no acórdão em questão, pode-se caracterizar o crime de tráfico de entorpecentes desde que haja outras provas que caracterizem o crime. A quantidade, por conseguinte, não é fator preponderante para a condenação do réu.

De acordo com artigo de Haroldo Ceravolo Sereza extraído do site http://www.antidrogas.com.br/mostraartigo.php?c=1341:

“O estudo, que não é apenas quantitativo, afirma, porém, que a lei não é clara quanto à distinção entre usuário e traficante. "E o resultado disso é que o Poder Judiciário, além de aplicar uma lei punitiva e desproporcional, concede amplos poderes ao policial que primeiro tem contato com a situação", diz o texto do trabalho. [referindo-se a um Estudo encomendado pelo Ministério da Justiça].”

[...]

“O estudo também faz uma análise comparativa da política antidrogas do Brasil em relação a outros países e defende, por exemplo, que se deve estabelecer diferenças entre drogas leves e pesadas, "como ocorre em alguns países europeus, como a Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Portugal e Reino Unido, criando-se escalas penais diferenciadas para as drogas leves e as pesadas".

[...]

Também propõe que sejam adotados critérios objetivos para definir traficantes de modo semelhante ao adotado por países europeus. Um dos exemplos citados é o da lei espanhola, que separa a posse por faixas: de 50 g e 1 kg, por exemplo, considerado posse moderado, o portador pode ser enquadrado por tráfico simples; de 1 kg a 2,5 kg, a pena é agravada e, acima de 2,5 kg, o tráfico é considerado "qualificado".

Fica claro, então, que da forma com que a lei está posta, não há critérios objetivos de quantidade para caracterização ou descaracterização do crime de tráfico de entorpecentes. Critérios como o local em que o réu foi encontrado, depoimentos de policiais, variedade de drogas, quantidade da droga apreendida, dentre outros, devem ser observados conjuntamente.

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