quinta-feira, 25 de março de 2010

ABUSO DE AUTORIDADE

Jorge Henrique G. S. Martins



http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qTodas=2008.031564-4&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10&qID=AAAGxaAAKAAA4wYAAF




Apelação Criminal n. 2008.031564-4, de Campos Novos
Relator: Des. Irineu João da Silva
PROCESSUAL PENAL. ARGÜIÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR DESCUMPRIMENTO DO ART. 384 DO CPP. INOCORRÊNCIA. "EMENDATIO LIBELLI". DECISÃO QUE DEU NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA PARA A CONDUTA TÍPICA NARRADA, NÃO INFRINGINDO O PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 383 DO CÓDEX PROCESSUAL PENAL.
AVENTADO CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE O JUIZADO ESPECIAL E A JUSTIÇA COMUM. DETERMINAÇÃO QUE SE FIRMA PELO SOMATÓRIO DAS PENAS MÁXIMAS COMINADAS, EM ABSTRATO. PROVA DE UMA INFRAÇÃO QUE INFLUI, DIRETAMENTE, NA OUTRA. "VIS ACTRATIVA". COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (CP, ART. 339). POLICIAIS MILITARES QUE, PARA LEGITIMAREM EXCESSOS INJUSTIFICADOS QUANDO DE OPERAÇÃO POLICIAL, DÃO CAUSA À INSTAURAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL E DE PROCESSO JUDICIAL CONTRA A VÍTIMA, SABENDO-A INOCENTE (CP,ART. 339). PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHOS QUE EXPÕEM, À SACIEDADE, O COMETIMENTO DO ILÍCITO. CONDENAÇÃO ACERTADA.
DELITO DE ABUSO DE AUTORIDADE. POLICIAIS MILITARES QUE, SEM MOTIVO JUSTO, ATENTAM CONTRA A INCOLUMIDADE FÍSICA DO OFENDIDO, PRIVAM-NO DE LIBERDADE, SEM ATENTAREM ÀS FORMALIDADES LEGAIS, E SUBMETEM-NO A VEXAME (LEI N. 4.898/65, ART. 3º, "I", E ART. 4º, "A" E "B"). ARBITRARIEDADES COMPROVADAS POR MEIO DE PROVA TESTEMUNHAL E PERÍCIA. ÉDITO CONDENATÓRIO MANTIDO.
MULTA TIPO. NECESSIDADE DE SIMETRIA COM A SANÇÃO CORPORAL. VALOR UNITÁRIO QUE EXCEDE À CAPACIDADE FINANCEIRA DOS APELANTES. AJUSTE REQUERIDO.
PERDA DO CARGO PÚBLICO DE POLICIAL MILITAR. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO ESPECÍFICO PERANTE O TRIBUNAL COMPETENTE. INEXISTÊNCIA DE EFEITO AUTOMÁTICO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA.
"Para que o policial militar (oficial ou praça) perca o cargo público, imprescindível que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, seja instaurado procedimento específico perante o tribunal competente, a fim de que delibere sobre a indignidade para o oficialato" (Ap. crim. n. 2008.010810-4, de São Joaquim, rel. Des. Victor Ferreira, j. 21.10.2008).
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, PARA ADEQUAR AS PENAS DE MULTA E, DE OFÍCIO, AFASTAR A PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2008.031564-4, da comarca de Campos Novos (Vara Criminal), em que são apelantes Cleiton José Vieceli, Pablo Alessandro Cesa e Valdelir Miorandi, e apelada a Justiça Pública, por seu promotor:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, para adequar as penas de multa aplicadas e, de ofício, afastar a declaração de perda da função pública, com a conseqüente remessa de cópia integral dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça. Custas legais.
RELATÓRIO
O representante do Ministério Público oficiante na Vara Criminal da Comarca de Campos Novos ofereceu denúncia contra Cleiton José Vieceli, Pablo Alessandro Cesa e Valdelir Miorandi como incursos nas sanções do art. 4º, "a" e "b", da Lei n. 4.898/65, art. 1º, inc. II, da Lei n. 9.455/97 e art. 339, "caput", do Código Penal, pelos seguintes fatos descritos na proemial acusatória (fls. I/IV):


No dia 24 de janeiro de 2008, por volta das 19h30min, na Rua Juvelino Fernandes da Silva, bairro Aparecida, na Cidade de Campos Novos, os denunciados Cleiton José Vieceli, Pablo Alessandro Cesa e Valdelir Miorandi, policiais militares em atuação no Grupo de Resposta Tática, passaram seguidamente com a viatura policial pela frente do "Bar da Tonha", onde alguns freqüentadores permaneciam sentados nas mesas dispostas em frente ao estabelecimento, dentre eles, a vítima Vagner Fernandes de Lara.
Em determinado momento, buscando intimidar as pessoas que estavam na parte externa do bar, o denunciado Cleiton José Vieceli postou-se na janela da viatura e passou a apontar a pistola que portava para todos os que lá se encontravam.
Neste momento, por não entender a razão de dito procedimento, a vítima Vagner Fernandes de Lara gesticulou com os ombros, abrindo as mãos, sinalizando não saber o que estava acontecendo.
Foi então que, inconformados com o que entenderam ser um gesto provocativo, os denunciados Cleiton José Vieceli, Pablo Alessandro Cesa e Valdelir Miorandi contornaram a quadra com a viatura e retornaram à frente do bar.
Chegando lá, os denunciados desceram rapidamente da viatura, dois dos quais portando armas longas, ordenando, aos gritos, sem qualquer razão aparente, que os freqüentadores colocassem as mãos na parede, como se fossem ser submetidos a revista pessoal.
Ato contínuo, ao verem a vítima se levantar para acatar a ordem, já estando ela de costas para os policiais, os denunciados passaram a golpeá-la nas costas com a ponta dos canos das armas, causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito de fl. 9.
Não satisfeitos, mesmo vendo que a vítima já estava prostrada ao solo, chorando, contorcendo-se de dor, e que não oferecia nenhum risco à guarnição, os denunciados passaram a agredí-la com violentos tapas no rosto e nos ouvidos, fazendo-a se urinar por completo em função do intenso sofrimento físico amargado.Não satisfeitos, mesmo vendo que a vítima já estava prostrada ao solo, chorando, contorcendo-se de dor, e que não oferecia nenhum risco à guarnição, os denunciados passaram a agredí-la com violentos tapas no rosto e nos ouvidos, fazendo-a se urinar por completo em função do intenso sofrimento físico amargado.
Na seqüência, após levantarem a vítima do chão pela gola da camisa, provocando-lhe novas lesões, os denunciados colocaram-na na parede e submeteram-na à revista pessoal, mas nada foi encontrando.
Procedida a frustrada revista, os denunciados algemaram a vítima com as mãos para trás e lhe deram voz de prisão, levando-a com os braços erguidos para dentro da viatura policial, provocando-lhe intensa dor nas articulações.
Não obstante os apelos de populares, que alegavam que Vagner era trabalhador, e da própria vítima, que suplicava por liberdade, alegando que nada tinha feito de errado, os denunciados a levaram até a delegacia de Polícia de Campos Novos, para lá continuarem a tortura ao indefeso rapaz.
No caminho até a delegacia de polícia, dentro da viatura, os denunciados falavam para a vítima "mecha com a gente de novo, agora você vai ver o que é apanhar. Tua sorte é que tinha muita gente olhando, senão você ia ver pra onde a gente ia te levar".
Chegando na delegacia, os denunciados retiraram Vagner da parte fechada da viatura e o levaram para dentro da sala da polícia militar, novamente erguendo seus braços para trás, provocando-lhe grave padecimento.
Já no interior da sala reservada, os denunciados fecharam a porta e passaram a torturar psicologicamente à vítima, dizendo-lhe "você tem sorte que te pegamos de dia, porque se fosse à noite você ia ver o que iríamos fazer contigo. Diga quem são os traficantes do bairro. A próxima vez que te pegarmos nós não vamos te levar pra delegacia".
Ainda dentro da sala reservada, o denunciado Cleiton retirou o tubo de "spray" de pimenta e mandou a vítima abrir a boca, todavia, depois, alegou que o produto havia acabado.
Por fim, depois de consultarem os antecedentes criminais da vítima e de constatarem que nada registrava, os denunciados registraram boletim de ocorrência contra Vagner, pela prática do crime de ameaça, que sabiam não ter ele cometido, dando causa à instauração de investigação policial contra pessoa que sabiam ser inocente.
Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada parcialmente procedente, para condenar Cleiton José Vieceli, Pablo Alessandro Cesa e Valdelir Miorandi, respectivamente, ao cumprimento da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, cada qual no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo à época dos fatos, 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo à época dos fatos, 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 13 (treze) dias-multa, cada qual no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo à época dos fatos e, para todos, a perda do cargo de policial militar e inabilitação para o exercício de função pública por três anos, nos termos da exordial acusatória, pela prática dos delitos previstos no art. 3º, "i" e art. 4º, "a" e "b", ambos da Lei n. 4.898/65 e art. 339, "caput", do Código Penal. Os réus foram absolvidos das imputações referentes ao art. 1º, inc. II, da Lei n. 9.455/97, com fundamento no art. 386, inc. III, do CPP (fls. 1.047/1.083).
Inconformados com a prestação jurisdicional, os acusados apelaram, requerendo, em preliminar, o reconhecimento da nulidade da sentença, por entenderem que o édito não guardou relação com os termos da exordial acusatória. No mérito, buscam a absolvição, ao argumento de que, no caso do delito de denunciação caluniosa (CP, art. 339), "não há prova de que o boletim de ocorrência tenha culminado com a instauração de procedimento investigatório ou determinado qualquer ação penal contra a vítima". Em face do abuso de autoridade, entendem que "estavam no exercício de suas funções, fardados e buscando a paz pública" e, ainda, que "não praticaram qualquer excesso", asseverando, igualmente, falecer competência a este juízo, sendo da alçada do Juizado Especial Criminal, em razão do limite máximo da pena prevista ¿ 2 anos ¿, postulando o direito à transação penal (fls. 1.098/1.111).
Com as contra-razões (fls. 1.112/1.124), nesta Instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Robison Westphal, manifestou-se pelo não provimento do apelo (fls. 1.129/1.135).
É o relatório.
VOTO
Preliminar
Visam os réus ao reconhecimento da nulidade da sentença, por entenderem que o édito não guardou correlação com os termos da exordial acusatória, levando em conta que foram denunciados pelos crimes de tortura, abuso de autoridade e denunciação caluniosa, sendo, a final, condenados por abuso de autoridade, em dois dos artigos de lei, e pelo art. 339 do CP, e absolvidos do delito inserto na Lei n. 9.455/97 (tortura).
Entretanto, tal pretensão não grassa, porquanto não se vislumbra supressão do contraditório e da ampla defesa, uma vez que o sentenciante, amparado pelo comando do art. 383 do Código de Processo Penal, deu aos fatos, descritos explicitamente na denúncia, capitulação diversa, condenando os acusados nas penas inscritas no édito.
A exordial acusatória descreve a conduta dos réus, dando conta de que eles, na noite do dia 24 de janeiro de 2008, ao realizarem ronda rotineira, nas imediações do bairro Aparecida, na cidade de Campos Novos, fortemente armados e, sem motivo aparente, empunharam armas na direção de várias pessoas que se encontravam em frente ao "Bar da Tonha". Ato seguinte, em virtude de manifestação de surpresa e aturdimento da vítima Vagner Fernandes de Lara, desceram da viatura e, portando várias armas, inclusive, de grosso calibre, dirigiram-se a ela, passando a desferir tapas e coronhadas, além de promoverem revista nas demais pessoas presentes.
Não satisfeitos, algemaram Vagner, que chorava muito e havia urinado em sua calça, conduzindo-o ao carro policial e, durante o trajeto, coagiram-no moralmente, vociferando inúmeras ameaças, até chegarem à delegacia, onde, em uma sala reservada, passaram a humilhá-lo.
Por fim, após verificarem que a vítima não detinha qualquer registro policial pretérito e, não subsistindo motivo para mantê-la segregada, terminaram por registrar boletim de ocorrência, atribuindo-lhe o cometimento do delito de ameaça, fato que, sabidamente, não havia ocorrido.
Em função do relatado no pórtico inaugural, o juiz, acertadamente, deu nova definição jurídica aos fatos, afastando a incidência da Lei de Tortura e justificando que "os réus, ao agredirem a vítima, sem que fosse justificável o uso de força física, praticaram a conduta prevista no art. 3º, alínea 'i', da norma em comento" (fls. 1.066), referindo-se à Lei n. 4.898/65, que dispõe:
"art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
(...)
i) à incolumidade física do indivíduo".
Sobre o manejo dos arts. 383 e 384 do CP, extrai-se da doutrina:
No processo penal, o réu se defende de fatos, sendo irrelevante a classificação jurídica constante da denúncia ou queixa. Segundo o princípio da correlação, a sentença está limitada apenas à narrativa feita na peça inaugural, pouco importando a tipificação legal dada pelo acusador. Desse modo, o juiz poderá dar aos eventos delituosos descritos explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa a classificação jurídica que bem entender, ainda que, em conseqüência, venha a aplicar pena mais grave, sem necessidade de prévia vista à defesa, a qual não poderá alegar surpresa, uma vez que não se defendia da classificação legal, mas da descrição fática da infração penal. (...)
Hipótese totalmente diferente é a da "mutatio libelli". Se no processo penal a acusação consiste nos fatos narrados pela denúncia ou queixa, quando se fala em mudança ("mutatio") na acusação ("libelli") está-se falando, necessariamente, em modificação da descrição fática constante na inaugural. Aqui não ocorre simples emenda da acusação, mediante correção da tipificação legal, mas verdadeira mudança, com alteração da narrativa acusatória. Assim, a "mutatio libelli" implica o surgimento de uma prova nova, desconhecida ao tempo do oferecimento da ação penal, levando a uma readequação dos episódios delituosos relatados na denúncia ou queixa (Fernando Capez, Curso de Processo Penal, 12ª ed., SP: Saraiva, 2005, p. 398/399).
Os julgados deste Sodalício caminham em idêntica interpretação:
APELAÇÃO CRIMINAL ¿? ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGADO POR TER ATRIBUÍDO AOS FATOS NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA ¿? CONDENAÇÃO POR CRIME DIVERSO DO INDICADO NA PEÇA ACUSATÓRIA ¿? SENTENÇA APOIADA NA NARRATIVA DESCRITA NA DENÚNCIA ¿? ADEQUAÇÃO DA CAPITULAÇÃO PROPOSTA ¿? POSSIBILIDADE ¿? INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 383 DO CPP ¿? REVÓLVER COM NUMERAÇÃO RASPADA ¿? TIPO PREVISTO NO ARTIGO 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI 10.826/03.
"Permite o Código que a sentença possa considerar na capitulação do delito dispositivos penais diversos dos constantes na denúncia, ainda que tenha de aplicar pena mais grave. Não há no caso uma verdadeira "mutatio libelli" mas, simplesmente, uma corrigenda da peça acusatória ("emendatio libelli"). Estando os fatos descritos na denúncia, pode o juiz dar-lhe na sentença definição jurídica diversa, inclusive quanto às circunstâncias da infração penal, porquanto o réu se defendeu daqueles fatos e não de sua capitulação inicial (MIRABETE, Julio Fabbrini, Código de Processo Penal Interpretado, 11. ed., SP: Atlas, 2003, p. 982)¿? (Apelação Criminal n. 2006.008052-5, de Itajaí, Des. Túlio Pinheiro, j. 18.4.2006).
Dessarte, não se operando inserção de fato novo na narrativa acusatória e, sim, adequação da conduta descrita aos dispositivos legais mais consonantes, não há qualquer eiva no proceder do togado e, via de consequência, a reconhecer no édito.
Também, falece razão aos recorrentes, quando se insurgem contra a competência deste juízo, para processar e julgar o delito de abuso de autoridade, "em razão do limite máximo da pena prevista ¿ 2 anos ".
Isso, porque, a orientação do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, "havendo concurso material de crimes, a pena a ser considerada para a fixação de competência é o resultado da soma das penas máximas cominadas aos delitos" (RESP n. 637459/SC, rel. Min. GILSON DIPP, DJU 08.11.2004, p. 285), afastando a competência do Juizado Especial Criminal.
E, na esteira do que, recorrentemente, vem julgando este Tribunal Estadual, assim registrou o magistrado no édito:
Ocorre, todavia, que os réus foram denunciados pelo Ministério Público pela prática de mais de uma infração penal, em concurso material ¿? abuso de autoridade, tortura e denunciação caluniosa - motivo porque a competência para o processamento e julgamento do feito é fixada pelo somatório das penas máximas cominadas aos crimes.
Assim, como a soma das penas máximas previstas para os crimes esborda o limite de dois (2) anos previsto no artigo 61 da Lei n. 9.099/95 - art. 339, CP = oito (8) anos; art. 4º, 'a' e 'b', da Lei n. 4.898/65 = seis (6) meses; art. 1º, II, da Lei n. 9.455/97 = oito (8) anos -, resta consolidada a competência da Justiça Comum para o julgamento das infrações (fls. 1.052/1.053).
Além disso, cabe ressaltar que a possibilidade de deslocamento de todas as infrações para julgamento perante o "juízo comum", "encontra-se consagrada no Enunciado Criminal n. 10 no XII Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais, cujo teor determina que: 'Havendo conexão entre crimes da competência do Juizado Especial e do Juízo Penal Comum, prevalece a competência deste'" (Conflito de Jurisdição n. 2008.048972-3, de Blumenau, rel. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 19.9.2008)
E, do corpo do acórdão:
A propósito, colhe-se da lição de Fauzi Hassan Choukr:
Um deles é a possibilidade da legislação infraconstitucional alterar, por via da conexão ou continência, a competência constitucionalmente estabelecida, no caso a do Juizado Especial Criminal, deslocada por força da "vis atractiva" para a "justiça comum" ou do "Tribunal do Júri" (aliás, como se este fosse uma sorte de jurisdição especial, o que não é). (Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial, 2. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 206).
E, em caso que se ajusta ao "sub examine":
PROCESSUAL PENAL ¿? CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ¿? TRÁFICO E USO DE DROGAS ¿? PROVA DE UMA INFRAÇÃO QUE INFLUI DIRETAMENTE NA OUTRA ¿? INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 76, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ¿? COMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM PARA JULGAR CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO CONEXO A OUTRO DA ESFERA COMUM ¿? PRINCÍPIO DA UNIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL ¿? CONFLITO PROCEDENTE
Havendo conexão entre crime comum e crime de menor potencial ofensivo, em observância aos princípios da unidade e da economia processual, a competência é do juizado comum, resguardada a possibilidade de transação penal. (Conflito de Jurisdição n. 2006.033260-6, de Balneário Camboriú, rel. Des. Amaral e Silva, j. 5.12.2006).
Nesse ponto, mister que se afaste a possibilidade de transação penal, em face do delito de abuso de autoridade, uma vez que os réus se encaixam no proibitivo inserto no inc. III do § 2º do art. 76 da lei n. 9.099/95, pois as certidões de antecedentes que integram o feito (fls. 504/510), indicam que o benefício não será suficiente ao desestímulo da transgressão da lei.
Nesse passo, ficam arredadas as insurgências preambulares.
Mérito
Postulam os acusados a reforma integral do decreto condenatório, para se verem absolvidos, ante a justificativa de que as provas não conduzem à condenação.
Quanto ao delito de denunciação caluniosa (CP, art. 339), asseguram que "não há prova de que o boletim de ocorrência tenha culminado com a instauração de procedimento investigatório ou determinado qualquer ação penal contra a vítima".
De acordo com o Código Penal, configura crime de denunciação caluniosa o fato de o agente "dar causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente" (art. 339).
Na verdade, as provas constantes dos autos apontam em sentido inverso ao que pretende a defesa.
A uma, porque as provas orais colhidas são robustas, convincentes, e se sobrepujaram aos argumentos defensivos, que insistem que a vítima "colocou os dedos na cabeça, fazendo sinal de revólver". Contudo, o acervo probatório indica, claramente, que a ação dela consistiu, tão apenas, em "erguer os ombros", expressando perplexidade e ignorância quanto à postura agressiva dos réus, que, ocupando uma viatura policial, passarem em frente ao "Bar da Tonha", enquanto um dos agentes empunhava, acintosamente, uma arma, para fora da janela, em direção às pessoas que ali se encontravam.
Nesse sentido, são as palavras da própria vítima, de Marcos Antônio Fraga, de Angelita Aparecida do Nascimento e do policiai civil Marcelo Roberto Zanardi que, inclusive, sequer se recordava de ter visto Vagner em frente ao bar, quando passaram na viatura (fls. 57/7 e 424/426, 420/423 e 418/419).
A duas, porquanto dos autos constam o Boletim de Ocorrência n. 00013-2008-00277, onde os policiais militares Cleiton José Vieceli, Pablo Alessandro Cesa e Valdelir Miorandi afirmam terem sido ameaçados por Vagner Fernandes de Lara, e a ação penal dele derivada (n. 014.08.000747-7), demonstrando que, tanto os mecanismos da polícia judiciária, quanto o aparato jurisdicional foram acionados, em que pese o fato de serem os acusados sabedores de que nenhuma conduta ilícita poderia ter sido atribuída à vítima Vagner (fls. 542 e 548/549).
Aliás, restou demonstrado que tal expediente visava, exclusivamente, a escamotear os excessos cometidos contra ele, tentando, em vão, conferir ares de legalidade às suas condutas, tanto que os autos restaram arquivados, por promoção ministerial, acatada pelo magistrado.
Sendo assim, legítima a condenação pelo crime previsto no art. 339 do Código Penal.
No que respeita ao crime de abuso de autoridade, entendem os réus que "estavam no exercício de suas funções, fardados e buscando a paz pública" e, ainda, que "não praticaram qualquer excesso".
Não se descura de que os níveis atingidos pela violência em nosso país, seguidos, par e passo, pelo que se verifica em nosso Estado, estão a exigir resposta enérgica dos poderes constituídos e, sobremaneira, das polícias, entes mais próximos da comunidade e que devem reprimir a insegurança em nossa sociedade.
Todavia, isso não autoriza os excessos, injustificados e gratuitos, cometidos em nome do "exercício da função", como se verificou no caso "sub judice".
Ao que se constata, o comportamento ilícito dos apelantes principiou quando, em ronda ostensiva pelo bairro Aparecida, na cidade de Campos Novos, passarem, algumas vezes, em frente ao "Bar da Tonha", enquanto o policial Cleiton José Vieceli, debruçado na janela da viatura, empunhava uma pistola, apontando-a na direção dos presentes, que se encontravam nas mesas em frente a dito estabelecimento.
Em face dessa atitude, a vítima Vagner Fernandes de Lara esboçou gesto de perplexidade, erguendo os ombros, e abrindo as mãos, o que fo interpretado pelos agentes como uma afronta à sua autoridade, determinando o retorno do grupo ao local, onde, ostentando várias armas, renderam as pessoas que ali se encontravam e procederam a revistas. Contudo, quando a vítima Vagner se ergueu da cadeira, para atender à ordem, o réu Cleiton, com a ponta do cano de sua espingarda, desferiu-lhe golpes nas costas, até que ela caísse ao solo, sendo, em seguida, espancada pelos demais, no pescoço e ouvidos, e erguida pelo colarinho, quando foi algemada e conduzida ao carro da polícia. Durante os golpes, os acusados diziam "faça o que você fez antes", "mexa com a gente de novo, pra você ver", e batiam com as mãos em seu rosto, ao mesmo tempo. No trajeto da viatura, os acusados ameaçavam o ofendido, falando "agora você vai ver o que é apanhar" e, chegando à delegacia, desembarcaram-no erguido pelos braços, embora estivesse algemado com as mãos para trás, conduzindo-o ao seu interior, onde continuaram a agredi-lo, desferindo tapas em seu rosto e exigindo que "dissesse o nome de alguns traficantes", ressalvando que "ele tinha sorte de o terem pego de dia, porque, se fosse de noite, ele iria ver o que fariam com ele". Entretanto, como ele desconhecia a informação, um dos réus fez menção de acionar um "spray" de pimenta em sua boca, porém, para sorte da vítima, o frasco estava vazio e, ante a alegação dela de que "nunca havia feito nada de errado" e de que "estava morando há pouco tempo na cidade", ouviu dos acusados que "aquele era seu cartão de boas-vindas". Ainda, antes de liberarem-na, avisaram que "aquilo que fizeram com ele era apenas uma vírgula do que acontecia com vagabundos da cidade" e que "era pra deixar quieto", pois, se falasse algo, "iria se arrepender".
A materialidade se exibe no Boletim de Ocorrência n. 00013-2008-00281 e no Exame de Corpo de Delito n. 277/08, que se faz acompanhar de fotos que evidenciam os golpes efetuados com o cano da arma nas costas da vítima, as lesões no pescoço e orelha, provocando "escoriações na região cervical direita e hematomas, em número de cinco, na região lombar direita, arredondados", provocadas por objeto contuso (fls. 8/11).
A autoria se manifesta com a mesma certeza, e pode ser colhida nas palavras da vítima e nos diversos testemunhos "de visu".
Vagner Fernandes de Lara, após relatar o ocorrido na polícia e ao promotor de justiça, contou ao juiz que, na época dos fatos, residia em Campos Novos havia apenas quatro meses e, no dia do ocorrido, chegou ao "Bar da Tonha", por volta das 18h30min, onde foi se encontrar Marco Antônio Fraga, para receber R$ 150,00 por serviços prestados. Revelou que, em dado momento, passou em frente ao local uma viatura da polícia, com um agente apoiado na porta, apontando uma pistola em direção às pessoas do bar, razão pela qual "ergueu os ombros, como quem diz não saber o que está acontecendo", não sendo verdade que "tenha colocado os dedos na cabeça, simulando um revólver", ou que tenha ameaçado a guarnição da PM. Em seguida, o carro retornou, parou em frente ao bar, e dele saíram os policias Cleiton, portando uma espingarda, Pablo e Valdelir, e mandaram todos que ali estavam encostarem na parede. Disse que já tinha obedecido ao comando policial, quando os réus Pablo e Miorandi "partiram para cima dele", "desferindo-lhe tapas no rosto" e, em seguida, Cleiton se aproximou e aplicou-lhe golpes com a coronha e o cano da espingarda em suas costas, que provocaram seu desfalecimento, sendo erguido pelo colarinho, enquanto os policiais diziam "faça agora o que você fez antes", e davam-lhe tapas no rosto. Contou que, durante as agressões, "chorou e urinou nas calças", e os policiais falavam para as pessoas que ficassem quietas, caso contrário, iriam apanhar, e que ele "estava sendo preso por ameaça à corporação". Em seguida, foi algemado e colocado na parte traseira da viatura e, ao ser conduzido à delegacia, "dizia para os policiais que era trabalhador e não tinha feito nada", mas eles replicavam "cala a boca vagabundo", continuando a lhe bater, e o réu Cleiton lhe disse "agora você vai ver o que é apanhar". Aduziu que, na delegacia de polícia, foi colocado em uma sala, com os três policiais e, quando a porta foi fechada, "Cleiton apanhou um tubo com spray de pimenta e balançou na frente dele", mas, por ter pedido para que não lhe jogassem a substância, "ele lhe desferiu um tapa no rosto, mandando que abrisse a boca", dando risadas e dizendo que não havia mais spray, e "ficaram rindo de sua cara em função de ter se urinado nas calças". Falou, ainda, que o acusado Cleiton lhe disse que "estava com sorte em razão de que era de dia e que bastante gente estava vendo, mas, da próxima vez, ou se fosse noite, seria levado para o mato e daí iria ver o que seria apanhar", que "o que estava acontecendo era uma vírgula do que faziam com o pessoal" e, no momento em que falou que era novo na cidade, ele respondeu que "esse era o cartão de visitas que eles davam para vagabundos", chamando-lhe de "vagabundo, drogado e maconheiro". No mais, falou que eles exigiam que dissesse quem vendia drogas no bairro e, que, antes de sair da DP, "Cleiton lhe disse para 'deixar quieto' se quisesse ser amigo deles, pois, se denunciasse, seria pior" (fls. 424/426).
A testemunha Marco Antônio Fraga, em ambas as fases do processo, relatou que foi ao encontro de Vagner, no "Bar da Tonha", objetivando lhe pagar por serviços prestados, e estavam sentados em uma mesa, em frente ao estabelecimento, quando a viatura policial passou diante deles "umas duas ou três vezes", com "um galeguinho que apontava uma arma para os rapazes que estavam em frente ao bar", e que chegou, inclusive, a falar para que a vítima não olhasse, porque "os homens são complicados". Em determinado momento, "Vagner gesticulou com os ombros, como se estivesse questionando o que estava acontecendo", mas "não fez qualquer gesto ameaçador e nem disse nada", entretanto, passado algum tempo, "a viatura parou em frente ao bar e o GRT foi direto no guri" e, enquanto os outros dois rapazes permaneciam encostados na parede, os policiais partiram para cima da vítima desferindo tapas no rosto e empurrões, e, "o policial 'galego' bateu com o cano da espingarda em suas costas", além de lhe desferir coronhadas, fazendo com que ela caísse. Disse, igualmente, que, durante as agressões, Vagner chorava, e os policiais o chamavam de vagabundo e mandavam que todos ficassem quietos e, de tanto medo, ele chegou a urinar na calça, sendo tudo presenciado, também, por sua esposa, que estava no outro lado da rua. Ao depois, quando indagou aos réus o porquê de tal atitude, eles responderam que "se ele quisesse saber, que fosse à delegacia", entretanto, a chegar lá, "encontrou os PMs, que estavam do lado de fora, e eles lhe empurraram, impedindo sua entrada na DP", dizendo "vai embora vagabundo, porque aqui não tem nada para ti" (fls. 16/17 e 422/423).
No mesmo rumo, são as palavras de Angelita Aparecida do Nascimento, esposa de Marco Antônio, que, tanto no inquérito, quanto em juízo, revelou que, no momento dos fatos, estava em frente ao "Bar da Tonha", no outro lado da rua, conversando com a dona do outro bar e viu a vítima sentada, com outras duas pessoas, em uma mesa, na frente do estabelecimento. Disse que, em certo momento, visualizou "a viatura do PPT passando em frente ao bar e percebeu um policial com uma arma para fora da viatura, no lado direito, achando estranho o fato, em função de que não havia ninguém fazendo nada". Falou, também, que, depois "a viatura retornou pela rua, na contramão, parando em frente ao bar", e "os PMs desceram e mandaram todos encostarem na parede" e "foram direto para cima da vítima", enquanto chamavam as pessoas que ali estavam de "vagabundos, filhos-da-puta, entre outros". Por seu turno, Vagner, quando estava com as mãos na parede, levou tapas no rosto e golpes nas costas, com o cano da espingarda, quando estava no chão, enquanto chorava e pedia misericórdia, dizendo que nada tinha feito, chegando a se urinar. Ressalvou que viu, apenas, o ofendido erguendo os ombros, "como quem diz que não está entendendo nada, quando a viatura da polícia passou", não sendo verdade que "tenha colocado os dedos na cabeça em forma de revólver". Contou, ademais, que Vagner foi algemado e colocado na viatura, momento em que seu marido tentou intervir em favor dele, mas "os PMs lhe chamaram de vagabundo e mandaram ele calar a boca, para não apanhar também". Por fim, asseverou que "a vítima é um sujeito trabalhador, que não se mete em confusão, uma pessoa direita, seu pai é pastor evangélico", que "não bebe", e, que, quando foram até a delegacia, "os PMs foram estúpidos com seu marido, mandando-o calar a boca e ir embora' e acrescentando que "o acontecido era um cartão de boas-vindas para a vítima" (fls. 19/20 e 420/421).
Notem-se as palavras do policial civil Marcelo Zanardi, que acompanhou a "diligência" no bar, e que revelou, no inquérito, que, "ao saírem da viatura, os policiais foram direto em direção ao jovem, enquanto ele dizia "o que foi que eu fiz", mostrava-se "bastante choroso" e, que, "em momento algum, viu-o desacatar os policiais ou reagir à prisão". Na delegacia, os apelantes lhe disseram que o haviam prendido por ameça, pois, quando passaram em frente ao bar, ele "fez gesto ameaçador com as mãos", e ressaltou que, "apesar de, constantemente, fazer 'batidas' próximo à sua residência, não o conhecia" (fls. 23).
Valdelir Miorandi, nas oportunidades em que foi ouvido, creditou as imputações ao fato de que "algumas pessoas se sentem inconformadas com as abordagens", pois "elas são feitas com mais energia do que aquelas dos demais setores da polícia militar, porque trabalham em situações mais críticas". Sobre o ocorrido, contou que faziam um "mapeamento" dos freqüentadores de conhecida "boca de fumo", e que passaram várias vezes em frente ao bar do Gomes e, em uma delas, "um jovem apontou o dedo indicador para a própria cabeça, sinalizando que daria um tiro nos policiais", negando que qualquer um deles estivesse apontando armas de dentro da viatura para as pessoas que estavam no estabelecimento. Assim, realizaram a abordagem, determinando que os presentes colocassem as mãos na parede, para que fossem submetidos à revista pessoal, e todos atenderam, à exceção de Vagner, "que investiu contra Cleiton, tentando pegar sua arma, ocasião em que o policial empurrou-a contra o agressor, levando-o em direção à parede". Disse, igualmente, que a vítima "não chorava e nem estava urinando", que nenhuma pessoa interveio na ocorrência, nem os policiais ameaçaram quaisquer dos presentes e, ainda, que, nem durante o trajeto e, tampouco, na delegacia, fizeram ameaças a ele. Quanto à lesões provocadas no ofendido, resultantes dos golpes sofridos, disse "não saber como ele tem as marcas nas costas, apresentadas nas fotografias" (fls. 166/167 e 213/214).
Na mesma toada, o réu Pablo Alexandre Cesa contou que, após passarem, algumas vezes, em frente ao "Bar do Tito", o policial Cleiton percebeu que um rapaz fez um gesto com os dedos na cabeça, "sinalizando que pretendia efetuar um disparo de arma de fogo contra os policiais", razão pela qual se detiveram e mandaram que todos se dirigissem à parede, para revista, "não sabendo dizer se Vagner também o fez". Ressalvou, contudo, que ele, pessoalmente, não o notou fazendo qualquer sinal. Afirmou ter visto "quando Vagner investiu contra Cleiton, tentando tomar sua arma", que era uma "arma longa" motivo pelo qual foi empurrado de encontro à parede e, ainda, quando se aproximou, "ele fez um gesto brusco, como se quisesse reagir", sendo, novamente, imobilizado com o cano da arma em suas costas. No mais, negou que o ofendido tivesse sido alvo de outras agressões, ameaças ou humilhações, e que registraram o boletim de ocorrência contra ele "pela prática do crime de ameaça" (fls. 168/169 e 218/220).
Cleiton José Vieceli, nas duas fases processuais, negou todas as imputações, e disse que, nas rondas efetuadas no bairro Aparecida, nenhum dos policiais ostentava armas no lado de fora da viatura e que viu quando Vagner sinalizou como dedo indicador em sua própria cabeça, como que pretendesse fazer um disparo contra os policiais, o que motivou a decisão da revista nos presentes, pois entenderam que "ele poderia ter uma arma". Contou que todos freqüentadores acorreram às determinações e colocaram as mãos na parede, exceto Vagner, que "estava alterado" e "investiu contra ele, tentando tomar sua arma", que era uma espingarda, razão pela qual empurrou-a contra ele, objetivando afastá-lo e o colocou de costas na parede, para proceder à revista. Segundo o réu, nesse momento, "Vagner fez um movimento brusco, fazendo menção de investir contra Pablo", parecendo que ia "sacar uma arma" e, para imobilizá-lo, "colocou o cano da arma em suas costas", achando que ele "chegou a cair no chão", "sobre uma bicicleta", porém, "em momento algum, chorou ou se urinou". Quanto à demais acusações, negou outro tipo de agressão ou ameaças contra o ofendido (fls. 172/173 e 215/217).
Em favor do réu Pablo falaram Márcio Soares Borges, Lauri Turela, Maria Teresa Fernandes da Silva, Laudete Chaitel e Miguel Braga da Matta Júnior.
As quatro primeiras testemunhas não presenciaram os fatos, mas teceram considerações abonatórias sobre sua conduta pessoal e profissional (fls. 488/491).
Já o policial civil Miguel, indicado, também, pela defesa dos demais acusados, e que, da mesma forma, não se encontrava no local da ocorrência, relatou ter "lecionado táticas de defesa pessoal a eles", tendo-os em bom conceito, "sem, contudo, ter condições de precisar maiores detalhes sobre a personalidade deles" (fls. 501).
Izanete de Oliveira e Altamiro Gonçalves, testigos indicados pelos réus Cleiton e Valdenir, disseram conhecê-los "de vista", e nada puderam esclarecer sobre as denúncias (fls. 492/500).
Dirceu Corrêa Cordeiro, os policiais militares Nelson José Ribeiro, Vilmar Carboni, Lucas Alexandre Ferreira e Roberto Jorge Thomé e o delegado de polícia Diego Gonçalves de Azevedo não presenciaram a situação retratada na denúncia, mas salvaguardaram a conduta dos apelantes, afirmando não terem conhecimento de anteriores abusos cometidos por eles (fls. 495/500).
O vereador José Adelar Carpes, apesar de desconhecer os fatos, afirmou que o "'Bar da Tonha' é mal afamado, sendo ponto de venda de drogas", e que "a Câmara Municipal fez um pedido para que a polícia intensificasse o policiamento no bairro Aparecida", mas foi informada de que não havia efetivo para aumentar o policiamento (fls. 494).
Já Pedro Artiz do Amaral reproduziu uma versão que, de tão conveniente à defesa dos réus, inclusive, discrepando das provas produzidas e das próprias palavras deles, foi interpretada pelo magistrado como "falso testemunho", sendo preso em flagrante e encaminhado à delegacia, para os procedimentos devidos (fls. 486/487 e 502/503).
Note-se, dessarte, que a conduta adotada pelos réus, e que resultou em seu apenamento, era, de fato, ilegal, porquanto, investidos do poder policial, extrapolaram as medidas necessárias ao exercício regular de suas funções, ao atentar contra a incolumidade física da vítima Vagner Fernandes de Lara, provocando os ferimentos, nitidamente, ocasionados pelo cano da espingarda do policial Cleiton, bem como, privando-o de liberdade e inflingindo-lhe constrangimento não autorizado em lei.
Note-se, ainda, que, embora a justiça comum e a militar constituam esferas independentes, o Inquérito Policial Militar n. 090/IPM/PMSC/2008, que apurou, na seara castrense, os fatos constantes nos presentes autos, além de outros cinco, relacionados a atendimentos de ocorrências por policiais militares, entendeu pela responsabilidade dos acusados, concluindo que:
Há indícios de crime militar de lesões corporais leves praticadas pelo Soldado PM Mat. 926.269-5 Cleiton José Viecelli contra o civil Vagner Fernandes de Lara, 18 anos, consoante entendimento ao art. 19, II, c, do Código Penal Militar (a respeito de crime militar praticado por policial militar em serviço contra civil ainda que fora do lugar sujeito à administração militar".
No entanto, há que se registrar que são confusas as provas documentais e testemunhais carreadas nestes Autos de IPM, bem como se conclui que há indícios de transgressão disciplinar praticada pelo Sd PM Mat. 926.269-5 Cleiton José Viecelli, Sd PM Mat. 924.940-0 Valdelir Miorandi e Sd PM Mat. Anderson Murilo Petrikoski por agirem de forma dispersada no momento de proceder à busca pessoal ("revista") nos cidadãos que freqüentavam referido bar, no dia 24 de janeiro de 2008, descuidando-se das técnicas policiais de abordagens, resultando em situação constrangedora e insegura pela forma que o soldado Cleiton agiu empurrando com a arma longa (SPAS 15) o Sr. Vagner Fernandes de Lara, 18 anos, para que encostasse na parede, para ser revistado e, após, algemado e conduzido à delegacia de polícia da Comarca de Campos Novos por ameaça e desacato.No entanto, há que se registrar que são confusas as provas documentais e testemunhais carreadas nestes Autos de IPM, bem como se conclui que há indícios de transgressão disciplinar praticada pelo Sd PM Mat. 926.269-5 Cleiton José Viecelli, Sd PM Mat. 924.940-0 Valdelir Miorandi e Sd PM Mat. Anderson Murilo Petrikoski por agirem de forma dispersada no momento de proceder à busca pessoal ("revista") nos cidadãos que freqüentavam referido bar, no dia 24 de janeiro de 2008, descuidando-se das técnicas policiais de abordagens, resultando em situação constrangedora e insegura pela forma que o soldado Cleiton agiu empurrando com a arma longa (SPAS 15) o Sr. Vagner Fernandes de Lara, 18 anos, para que encostasse na parede, para ser revistado e, após, algemado e conduzido à delegacia de polícia da Comarca de Campos Novos por ameaça e desacato.
No que pese ser o bairro Nossa Senhora Aparecida um dos mais reincidentes em ocorrências de disparo de arma, furto, perturbações, tráfico de drogas, entre outros, tal medida policial se revelou demasiada, pois havia um número maior ou igual de policiais militares. Sendo estes policiais, em tese, com melhor preparo para situações especiais em buscas pessoais, veiculares, entre outras, diante de tal situação, friso, "em tese", frente a uma suposta ameaça ou suspeita que houvesse alguém armado em tal estabelecimento, procederam tal abordagem que culminou na detenção de Vagner Fernandes de Lara,18 anos, por ameaça e resistência à prisão, fato que gerou polêmica frente à uma ação desta natureza, em tese, por trabalharem mal (fora das técnicas policiais de abordagem) (fls. 552/996).
Com a conclusão do relatório, concordou o Cap PM responsável pelo Comando da 10 ª GEPM Lucimar Savaris, encaminhando os autos para a Auditoria da Justiça Militar, para instauração do respectivo procedimento administrativo disciplinar (fls. 995/996).
Diga-se, a propósito, que a contumaz truculência do grupamento policial está retratada nas palavras de Tomaz Diogo de Souza, que, no dia dos fatos, relatou na delegacia já ter sofrido agressões gratuitas do GRT, sublinhando que "as pessoas têm que apanhar quietas, porque, se denunciarem os fatos, passam a ser perseguidas e fica tudo muito pior", destacando que "sempre são os mesmos policiais" (fls. 24).
Não fosse isso, o Termo Circunstanciado n. 505/2007, envolvendo os ora réus, e que integra o feito, traduz alentado acervo, demonstrando os excessos verificados em suas condutas, no curso do exercício da profissão (fls. 31/159).
Sendo assim, restou comprovado que, não obstante os valorosos e imprescindíveis serviços prestados pela Corporação Militar à garantia da segurança e da ordem pública e, ainda, reconhecendo-se, em seus quadros, diligentes e responsáveis profissionais, "in casu", os apelantes agiram com desmedido excesso, ultrapassando, em muito, os parâmetros de atuação necessários e permitidos, em face da situação posta em concreto, sendo suas condenações, nos moldes em que foram vazadas, medidas de incontestável acerto.
No entanto, faz-se necessário ligeiro ajuste nas penas de multa, no intuito de guardar simetria com as reprimendas corporais estabelecidas.
Assim, quanto ao apelante Cleiton José Vieceli, entendeu, acertadamente, o magistrado, serem três as circunstâncias judiciais negativas, o que elevou a sanção em três sextos, que correspondem a 13 (treze) dias-multa, que devem ser fixados no valor mínimo legal, porquanto a condição de policial militar, nos dias que correm, não autoriza a presunção de "possuir boa situação financeira", para suportar maior encargo.
Igualmente, com relação ao réu Valdelir Miorandi, elevada a punição em um quarto, estabelece-se a pena de multa em 12 (doze) dias-multa, no patamar individual mínimo.
E, em face do acusado Pablo Alessandro Cesa, a exacerbação da pena-base em um sexto corresponde a 11 (onze) dias-multa, também em seu limiar mínimo.
Por derradeiro, são pacíficas as decisões desta Corte Estadual que, "com o advento da Emenda Constitucional n. 18 de 1998, a perda da função pública deixou de ser pena acessória, sendo essencial, para a respectiva declaração, a observância de procedimento específico" (Ap. crim. n. 2008.051780.8, de Campos Novos, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 30.10.2008).
Dispõem os incisos VI e VII do art. 142 da Carta da República:
Art. 142. [...]
VI ¿? o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;
VII ¿? o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior.
Dessarte, "por força de dispositivo constitucional, a perda da graduação das praças, equiparada à perda do posto e da patente dos oficiais pelo art. 125, § 4º, da Magna Carta, que derrogou o art. 102 do CPM, compete ao Tribunal de Justiça, que faz as vezes da Justiça Militar Estadual" (Perda de Graduação n. 2002.027855-1, rel. Des. Torres Marques, j. 2562003).
Ainda:
DECLARAÇÃO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA, PROCEDIDA PELO JUÍZO A QUO . PENA QUE DEIXOU DE SER ACESSÓRIA, COM A REDAÇÃO DADA PELA EC N. 18/98 AO ART. 142 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO ESPECÍFICO PARA A SUA DECRETAÇÃO. AFASTAMENTO, DE OFÍCIO, QUE SE IMPÕE (Ap. crim. n. 2006.039639-4, de Chapecó, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, j. 25.7.2008)
Nesse rumo, mister que se afaste a declaração de perda da função pública, nos termos da fundamentação esposada, determinando-se a remessa de cópia integral dos autos ao Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça, para a deflagração do procedimento de perda da graduação dos apelantes.
DECISÃO
Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, para adequar as penas de multa aplicadas e, de ofício, afastar a declaração de perda da função pública, com a conseqüente remessa de cópia integral dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Salete Silva Sommariva e Tulio José Moura Pinheiro, lavrando parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Robison Westphal.

Florianópolis, 7 de abril de 2009.



Irineu João da Silva

PRESIDENTE E RELATOR

Nenhum comentário:

Postar um comentário